Adrianna Alberti é escritora, bacharel em psicologia e mestranda em letras.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meus dias possuem a rotina de um emprego fixo remunerado, então sou totalmente dependente desse fator para uma rotina matinal, e mesmo uma rotina em si. Faço parte do proletariado desse país, então meu dia começa totalmente voltado a isso. Por outro lado, nos finais de semana minha rotina matinal é muito preguiçosa, justamente por esse ser um momento que posso tirar para descansar, não há nada como acordar e abrir as janelas, arejar a casa e aproveitar um pouco da manhã para fazer nada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou uma pessoa noturna, em definitivo. Começo a trabalhar melhor depois do pôr-do-sol. Eu não havia reparado sobre um ritual específico até me questionar para responder essa questão, mas percebi que possuo um sim. Eu preparo algo para me acompanhar nas escritas, um chá ou água gelada com hortelã, depois, eu acendo um incenso e silencio as redes sociais e o celular.
Se a escrita é voltada para a literatura, eu acabo escolhendo uma música (que fica repetindo até o final da escrita, ou alternando dependendo da cena). E só paro quando a escrita está completa. Eu costumo escrever mais quando algo está me martelando tanto que não tem alternativa a não ser o papel.
No entanto, se a escrita é a pesquisa, e é a que eu mais tenho me dedicado, eu primeiro me cerco dos livros teóricos que utilizo e tenho em casa, e dos objetos de estudos. Dispor os livros pela mesa me inspira e me recorda a onde quero chegar, profissionalmente falando, é mais do que apenas ferramentas de trabalho, é um norte particular.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu definitivamente escrevo em períodos concentrados. Não possuo constância de escrita, tanto para a pesquisa, quanto para a literatura. A pesquisa está mais recorrente, e a meta acaba se adequando a necessidade do conteúdo. Com a literatura escrevo mais obsessivamente do que com a pesquisa, justamente por só escrever atualmente quando a história não me deixa em paz, eu sento e escrevo, às vezes demora três, seis horas seguidas, e eu só paro quando me dou por satisfeita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita literária funciona muito mais na minha cabeça do que em um papel ou no computador, nos momentos em que estou atoa eu penso nas minhas histórias, nos arranjos, nas soluções. Eu trabalho as histórias na minha cabeça muitíssimo, então quando elas exigem serem transportadas para o papel, é porque estou sufocada por elas e elas estão basicamente fechadas.
Mas sou completamente neurótica obsessiva com a pesquisa, eu funciono perfeitamente bem esquematizando o que preciso, faço e refaço esboços de organização de raciocínio (no papel, no computador, em notas, post-it): o que irá ser tratado, o foco da discussão, a teoria a ser utilizada. E eu basicamente crio pré-projetos de pesquisa para qualquer escrita acadêmica que faço. Depois preparo um arquivo com configurações básicas (isso faz diferença para mim).
Começar a escrever é um pouco mais complicado, dependo tanto de leituras prévias quanto de concentração. Nesse caso eu utilizo o método pomodoro para concentrar e escrever, é um método que divide quatro tempos de 25 minutos, intercalando descansos de 5 minutos, no último tempo você descansa 30 minutos. Eu escrevi minha dissertação do mestrado inteiramente dependente desse método.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A pesquisa tem dessas coisas, é por si só um projeto longo, mesmo que um artigo simples. Toma tempo, leituras, análises e discussões com o orientador e colegas acadêmicos para esclarecer pontos obscuros. Eu tenho um complexo de impostor muito grande nesse aspecto, escrevo com atenção e sou detalhista com os objetivos e a proposta justamente por não confiar muito em mim.
A procrastinação é minha maior inimiga, e às vezes não é nem por preguiça, é por cansaço mesmo. Acabo deixando para depois para dormir um pouco, relaxar com os amigos, e depois preciso lidar com os prazos menores. Não sei se existe uma fórmula mágica, mas sentar e escrever, na minha visão, é a melhor forma de combater essas travas.
Com um adendo na trava de continuidade de pensamento, nesse caso, há uma fórmula que aprendi com uma orientadora que funciona muito bem para mim. Ler, apenas ler e reler os textos, voltar ao objeto, depois de saturar em leitura, sentar para escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos literários eu reviso algumas vezes, mas procurando detalhes que não ficaram exatamente como eu queria, do que buscando corrigir mesmo. Eu nunca acho que meus textos literários estão prontos, eu não me considero escritora para achá-los bons de alguma maneira. Invariavelmente eu mostro para os amigos sim, a Tânia Souza é minha leitora beta preferida, tanto pela nossa intimidade como pela confiança que eu tenho na habilidade literária dela. Em alguns poucos casos eu mostro para alguns outros amigos, mas a Tânia é sempre uma certeza.
Os textos acadêmicos eu reviso a cada vez que retomo a escrita, tanto para escrever de onde eu parei quanto para revisão de conteúdo, gramática e adequação de norma. Eu trabalho muito bem com meu orientador, então tudo o que escrevo, mesmo a menor das apresentações eu repasso para ele para revisão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu vivo conectada. Meus primeiros escritos foram escritos numa máquina de escrever no escritório em que minha mãe trabalhava. Os textos literários eu rascunho onde for preciso, até guardanapo vale para não perder uma ideia ou uma inspiração. A pesquisa eu sou mais dependente do computador até pelo processo de escrita envolver muita revisão e reescrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias surgem basicamente das histórias cotidianas que não vivi, ou das que vivi de maneira incompleta ou insatisfeita. É desse pensamento que surgem minhas histórias, a construção depois vai do meu processo de retomar o que pensei e incrementar o contexto, o entorno, as relações.
Eu tenho dificuldades para dormir, então eu criei um hábito que, no final, me ajuda demais com a questão da criatividade: eu imagino as histórias, os diálogos e momentos para pegar no sono. Isso já me fez perder o sono? Sim, algumas ideias foram tão boas que precisei anotar e me dedicar a elas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O cansaço foi o que mais me fez mudar o processo de escrita, antes eu tinha muito tempo útil e mesmo quando não tinha, havia menos responsabilidades também. Era possível me dedicar sem me importar com as consequências, hoje em dia o cotidiano e a rotina me tomam bem mais energia e disposição.
Se eu pudesse me dar um conselho sobre a escrita, eu diria para nunca parar de escrever literatura, mesmo me dedicando à pesquisa, é um hábito que eu gosto muito e precisei focar mais em uma coisa do que na outra, mas há tanto na minha cabeça que acabo deixando passar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho três projetos, dois literários e um acadêmico. O acadêmico é o meu doutorado, acredito que por se tratar de um processo de maturação eu creio já ter começado, como pesquiso literatura fantástica desde 2012, doutorar é o próximo passo a seguir.
Os literários por outro lado, um eu já comecei há alguns anos, trabalho na história há pelo menos cinco anos. Já escrevi e reescrevi algumas coisas, possuo a história inteira na cabeça e percebi que ela modifica de acordo com minha evolução como pessoa, então me falta mesmo é tempo e dedicação. O segundo é um projeto de contos que conta a trajetória de uma alma, tenho algumas ideias rascunhadas, mas não tem nada preparado ainda.
Gostaria de ler um livro não ficcional sobre análises críticas da história nacional atual. Minimamente interessante e confuso.