Como eu escrevo

  • Arquivo

Como escreve Adriana Ribeiro

by

Adriana Ribeiro (bizunnga) é poeta e escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Começo meu dia com calma. A pressa é minha inimiga número um. Gosto de fazer as coisas de acordo com a batida da minha própria banda, ou melhor, coração. Levanto, medito, tomo meu café preto acompanhado de um biscoito de chocolate. Sou preguiçosa e lenta pela manhã e confesso que gosto disso. Gosto de ser lenta. A vida me obrigou a entender coisas numa velocidade que só me causou stress. Aprendi que podemos – e devemos – exigir e ser donos do nosso próprio tempo.  Gastamos muita energia pensando em como resolver nossos problemas e isso nos leva a uma corrida incansável, pois se não resolvemos de imediato somos incapazes de alcançar a felicidade. Considero isso besteira hoje em dia. Sou lenta e feliz, como toda manhã de outono.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

A noite é a melhor hora para escrever, na minha opinião. As distrações do dia são menores e consigo me concentrar melhor. A preparação é de acordo com o que tenho que escrever. Se algo sério, como um artigo ou essay,  vou de chá e música clássica:  Adoro o pianista italiano Ludovico Einaudi, por exemplo. Se estou trabalhando num roteiro ou peça de teatro, não sei o porquê, mas prefiro o silêncio. Gosto de ler as falas repetidas vezes para ver como soam, como mergem uma com a outra. Tento incorporar o personagem e entender o que ele quer, porque quer e porque tem dificuldade em conseguir o que tanto deseja. O silêncio, então, me serve de ferramenta para que eu possa me distanciar e ver o personagem por fora e por dentro. Uso esse processo para me resolver pessoalmente.  Gosto de estar em contato com meus sentimentos, mesmo que seja a dor. Acredito que a dor nos ensina muita coisa. Não apenas há sermos mais fortes, mas, também, nos ensina o poder de empatia. Você nunca vai olhar para seu vizinho e, ao ver ele alegre, pensar o mesmo sobre si: Ah, sou feliz como meu vizinho. Porém, vocês podem se encontrar num lugar comum de dor se ambos perderam a mãe na infância. O entendimento é mútuo. Você sabe o que aquela pessoa pode ter sofrido, mesmo sem conhecê-la plenamente, só porque compartilham a mesma tristeza: a perda.

Consigo chegar em  reflexões como esta no silêncio da noite. Ninguém me perturba, logo eu não perturbo ninguém. Não perturbo, mas observo e muito! Observo a mim e aos outros. A empatia é o principal papel do escritor. Temos a obrigação de entender o que se passa no mundo e na cabeça das pessoas à nossa volta, por isso, considero de suma importância o silêncio.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Não gosto de metas! Mas escrevo da noite pro dia – literalmente – quando vejo a última oportunidade de participar em algum projeto ou edital. Nesse processo, já escrevi muita coisa ruim, como também muita coisa boa. Fora isso, não tenho metas. Sou ruim com prazos – sou lenta, lembra? Assisti uma entrevista com o Neil Gaiman falando sobre isso e ele trata o assunto como se fosse uma lenda suburbana. Crescem te dizendo que para ser bom precisa ser rápido, mas não é bem assim. A gente aprende. Tudo tem sua beleza e desejo. Há quem prefere a calmaria dos lagos, há quem prefere curtir uma onda. Adora uma praia, e até tenho um caminhar maroto, mas não vou na pressa, só na prosa das coisas e pessoas. Isso me leva a observação. Me leva a escrever.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Depende do que escrevo. Se poesia ou crônica, dou liberdade aos meus sentimentos. Escrevo sem pensar, deixo a caneta desaforadamente correr solta. Depois ajusto, limpo, conserto. Tenho publicações em revistas independentes em inglês e, neste caso, somente neste caso, escrevo o que acho que está certo e depois apelo para o dicionário. A língua que aprendemos quando crianças nos ensina a compreender o mundo de acordo com aquela cultura. Meus amigos irlandeses morrem de rir quando digo que no Brasil nós morremos de tudo: morremos de rir, de saudade, de cansaço, de vergonha, enfim, morremos de um monte de coisa que não mata. Somos um povo dramático, com as emoções à flor da pele. Isso não existe no inglês. Existe, talvez, em Shakespeare, mas mesmo assim não faz parte do inglês falado no cotidiano.  Na Irlanda, as pessoas tendem a esconder os sentimentos. Se você pergunta tudo bem, apenas respondem “Not too bad”. Ninguém fala que tudo está bem, independente se está sim ou não bem. Apesar de morar aqui há 6 anos, quando escrevo, tenho que me policiar com a escrita e expressões. Sempre chego ao dicionário neste caso. Primeiro crio a estrutura do jeito que acredito funcionar, depois pesquiso e corrijo. Não gosto de ser contaminada com a pesquisa, e acho que por isso acabo por escrever pouca poesia em inglês. Me dou melhor escrevendo poesias em portgues e roteiro em inglês, irônico, não?

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Para escrever  é necessário tempo! Sou produtora e estou no último ano de cinema,  por vezes me encontro sem tempo. Quando isso acontece, tento separar um dia para dar uma volta no parque. Curtir a minha companhia e – de novo – observar. Observo tudo, mas tudo mesmo. Da paciência das árvores àqueles que passam correndo se exercitando.  Isso destrava. Gosto de ouvir histórias também. Adoro uma conversa com chá na companhia de alguém mais velho que eu. Adoro conhecer gente vivida com bagagem leve e pesada. Me permito viver também.  Para escrever sobre o que for, você precisa de um mínimo de experiência. Amor, morte, viagens, seja lá qual for o tema, considero importante ter uma experiência próxima, uma bagagem. Jamais me atreveria a escrever sobre algo que nunca vivi ou não tenho conexão sentimental/intelectual. Se  eu me encontro com travas é porque alguma coisa na história não está funcionando, ou, ainda, porque estou me pressionando ou querendo agradar os outros antes de mim. Então eu tento observar qual é o problema para corrigi-lo.

Quando estou me divertindo com o texto, não tem procrastinação. Gosto de terminar histórias.  Alias, acho o fim das histórias sempre a parte mais interessante de escrever. O desfecho, a moral, a lição de vida, tudo fica para o final. E não podemos exagerar, ser romântico ou realista demais, senão estraga. Se fizer isso no meio ou no começo do texto, tem tempo de corrigir, mas se o final não der algo para o leitor pensar, vai ser algo que ele vai esquecer facilmente.  É assim que penso, pelo menos.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Não sei dizer quantas vezes leio um texto. Pra falar a verdade, nunca prestei atenção nisso. Estou trabalhando atualmente num roteiro para um curta metragem que vai ser filmado agora em Março, se as restrições permitirem, é claro. Estou no oitavo rascunho e ainda não estou feliz. É um filme guiado por diálogos, então leio até ter certeza que soa natural.

Hoje em dia não tenho o costume de mostrar o que estou escrevendo, mas fiz muito isso quando comecei a escrever. Mostrava para amigos, mãe, professores, enfim, qualquer pessoa que se mostrasse interessada. Hoje em dia eu falo, comento, principalmente se estou com problemas para desenvolver a história. Mas aí tendo a conversar com pessoas que estão no ramo da escrita, acho a troca interessante e rica e, muitas vezes,  o simples  ato de falar já me ajuda a entender o que está errado. Funciona como um processo terapêutico.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Poesia, não sei porque, é sempre no caderninho. De resto, tanto faz.

Tenho um caderninho bem pequeno que vai comigo aonde eu vou. Nele noto tudo. Tudo mesmo. Dos pensamentos mais obscenos  até os com gosto de algodão doce.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Acredito que o meio mais eficaz para se ter ideias e se propor a tê-las. Obviamente, tenho um caderno onde tudo escrevo, mas acho importante sentar para escrever como quando não se sabe bem o que quer. É um exercício! Claro que ler, escutar música, ver um filme, ir ao teatro e até uma simples caminhada pode te ajudar no processo criativo, mas, pelo menos comigo funciona assim, enquanto não sento para escrever, nada muito bom vem à tona. O texto, mesmo que a ideia central seja boa, começa meio esquito e vou melhorando conforme trabalho nele. Uma coisa que talvez me ajuda a ser criativa, ou pelo menos, deixar meus textos mais criativos, é o fato de me fazer uma simples pergunta: O que há de extraordinário nessa história? Como posso fazer disso uma experiência diferente da realidade? Adoro autores que brincam com a realidade mas trata ela como algo natural e simples. Um bom exemplo é o livro Cem anos de Solidão. Melquíades morre e retorna do mundo dos mortos porque se sentia sozinho. Isso é simples e brilhante! Adoraria entrevistar essa pessoa!

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Já passei dessa fase de conversar com meu eu mais novo e tentar dizer coisas, conselhos etc. Acredito que se temos essa necessidade, é porque tem ferida ali. Tudo tem seu processo e ritmo e muitas vezes não controlamos isso. Não é nossa responsabilidade acertar o caminho logo na primeira vez que decidimos caminhar. Erros que cometi, coisas que posterguei, mentiras que criei etc se somam para compor quem sou eu hoje em dia. Abraço tudo isso hoje em dia e creio que se eu fosse pudesse voltar ao passado para contar tudo isso, não ouviria a mim mesmo.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Estou produzindo, escrevendo e dirigindo um curta metragem no momento e assim que terminar quero trabalhar, pelo menos assim espero, no meu primeiro livro. Minha mãe saiu da Bahia e foi para São Paulo, chegando lá, fez moradia numa escola que tem o seu nome: Zenaide. Eu saí de São paulo e vim para a Irlanda e, talvez por ironia do destino, morei no fundo de um teatro – na época estava atuando pela primeira vez numa peça em Dublin- Não foi por muito tempo, um mês e pouco mais ou menos. Quando olho essa história percebo o quanto seguimos os caminhos dos nossos pais, mesmo que de forma inconsciente. Quero escrever sobre essa relação, pois só depois de passar pelas mesmas coisas que minha mãe passou, eu consigo entendê-la. Meu pai nos abandonou quando éramos crianças, ele acredita que tem razão para fazer o que fez, mas não confio. E esse é outro elemento que quero explorar nessa história. O amor do homem é voltado para a mulher e o da mulher é voltado para as crianças.  Quando se separam, o pai se resume em visitar os filhos a cada 15 dias e lhe parece o suficiente. Isso quando resolve estar presente. Sei que tem figuras paternas diferentes, mas no geral é assim.  A gente resolve ter filho e isso vira um ticket de loteria. O pai, em muitos casos, se torna ausente enquanto a mãe passa a tomar café com a culpa todos os dias de manhã. Não conheci mãe solteira que não sinta culpa. No caso da minha mãe, sua saída do sertão até minha chegada aqui na Irlanda, tem haver com essa relação Pai e mãe mal resolvida. Mesmo quando o casal permanece juntos pelo resto da vida, o pai tende a ser uma figura secundária.  A mãe sabe tudo sobre os filhos, já o pai não sabe nem onde está a lancheira da escola.

***

    Inscreva-se na newsletter para receber novidades por e-mail:

    Arquivado em: Entrevistas

    Sobre o editor

    José Nunes é editor da Colenda.

      Inscreva-se na newsletter para receber novidades por e-mail:

      caixa postal 2371 • cep 70842-970

      Como eu escrevo

      O como eu escrevo promove uma conversa compartilhada sobre o processo criativo de escritores e pesquisadores brasileiros.