Adriana Facina é professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, como algo rápido e vou me exercitar. Na volta, passeio com o cachorro, tomo café da manhã e cuido do meu filho menor.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor nas tardes e noites. Sento, tomo café, escrevo. Precisa ser em casa. Tenho dificuldade de escrever longe dos meus livros e anotações, mesmo que não precise deles a todo momento. Gosto de escrever coletivamente também, com meus parceiros e parceiras de trabalho, tanto à distância quanto presencialmente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Possuo um diário pessoal, tenho um caderno de anotações variadas e produzo textos para redes sociais. Textos mais longos costumo escrever em períodos concentrados.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Leio, anoto, idealizo o texto. Faço um roteiro com os temas, fontes e bibliografia a ser referida em cada parte. Durante a escrita frequentemente sinto falta de informações e leituras. Paro, vou a elas e retomo a escrita. Gosto muito de escrever e anotar a lápis, mas textos mais longos são produzidos diretamente no computador. A maioria dos textos que escrevo são feitos sob encomenda. Ou então são ideias coletivas que desenvolvo com outros pesquisadores e pesquisadoras, como Adriana Lopes, Daniel Silva, Carlos Palombini, Dennis Novaes, Mariana Gomes, Pamella Passos e Vinícius Moraes. Os textos e livros que projeto de acordo com meus desejos ficam sempre em segundo plano, demoram mais a serem finalizados e, por vezes, ficam engavetados.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu costumava ser mais disciplinada. Escrevi minha monografia de conclusão de graduação com minha filha mais velha recém nascida. Fiz o mestrado amamentando ela. Estudei para concursos sempre com filhos pequenos. Então sempre encarei a escrita mais como trabalho disciplinado do que como algo que dependesse de inspiração. Eu precisava saber administrar meu tempo. De uns tempos para cá não consigo mais ser assim. Preciso estar motivada, instigada a escrever. E os textos saem mais lentamente, mas também mais trabalhados. Isso me fez encontrar prazer maior na escrita, experimentar novos formatos. Um exemplo é o texto O patrão e a padroeira: momentos de perigo na Penha, que escrevi com meu parceiro Carlos Palombini, recentemente publicado na revista Mana.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Hoje em dia reviso muitas vezes. Foi algo que aprendi com Carlos Palombini. Antes revisava pouco e de modo apressado. Quase sempre mostro para parceiros intelectuais e também leio em voz alta para meu marido, Abel Luiz, um músico-escritor de escuta apurada e crítico de linguagens academicistas. Seu crivo é fundamental pra mim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não gosto de tecnologia. Uso o mínimo necessário. Os rascunhos e anotações são feitos a mão. Mas escrevo geralmente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm dos livros e das ruas. Ler me inspira muito. Mas conversar com as pessoas, observar as ruas, ver o mundo também. Seja como trabalho de campo, seja como atividade cotidiana. Eu gosto de gente. Me interesso por histórias. Preciso me relacionar com pessoas muito diferentes entre si para me estimular criativamente. A militância política também é fonte de criatividade. Tudo que escrevo tem intenções políticas. Não no sentido panfletário. Gosto cada vez menos de textos panfletários, porque tendem a ser simplistas, fogem às complexificações. Não são, portanto, críticos no sentido forte do termo. Penso a escrita como minha forma de intervir no mundo e contribuir para transformá-lo, partindo de um procedimento crítico que questione certezas e não busque substituí-las por dogmas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu me tornei mais lenta e mais criteriosa, cuidadosa com minha escrita. No entanto, se eu fosse assim na época da tese, com filha pequena, trabalhando, cuidando de casa etc teria dificuldades em cumprir prazos e tarefas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever literatura, livros infantis e ensaios. Estou desestimulada com a escrita acadêmica. Há muito pouco espaço para a experimentação formal nos periódicos científicos. Os pareceres são quase sempre muito positivistas, são desanimadores. Autores como Jacques Derrida e Walter Benjamin não teriam seus textos aprovados pelos pareceristas de revistas acadêmicas hoje. Há uma confusão entre rigor na pesquisa e escrita linear, engessada, como se escritos mais experimentais não fossem bem fundamentados. Precisamos mudar isso.