Adriana Elisa Bozzetto é escritora, formada em Relações Internacionais e mestranda em Estudos Africanos (Universidade do Porto).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Num primeiro momento, acredito ser necessário especificar que há a Adriana Elisa pesquisadora e a Adriana Elisa escritora. Em alguns momentos elas até dialogam interagem entre sim, em outros elas são completamente diferentes. Em relação à rotina matinal, ambas preferem não possuir. A manhã é um horário em que a cabeça ainda está acordando e há pouco espaço para a inspiração tanto artística quanto acadêmica. A rotina matinal, quando ela existe, se baseia majoritariamente em seguir com as atividades no piloto automático, sem espaço para criação.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tanto no campo acadêmico quanto no literário, trabalho melhor durante o fim da tarde e à noite. Sou, acima de tudo, uma pessoa noturna. Em alguns momentos, a inspiração pode vir durante a manhã ou a tarde, mas são casos de exceção. A Adriana Elisa acadêmica possui como ritual de preparação a mente limpa de pensamentos externos e um local confortável e quentinho para trabalhar. Já a Adriana Elisa escritora exige uma cabeça cheia de pensamentos em ebulição, momentos de solidão, de explosão emocional e algum vinho (ou qualquer outra bebida alcoólica, dependendo do que estiver disponível), para trabalhar. Ambas Adrianas Elisas gostam de músicas relacionadas ao tema que vão escrever, mas uma prefere a sobriedade enquanto a outra prefere estar alterada. Uma sabe sobre o que vai escrever enquanto a outra tenta descobrir. A Adriana Elisa acadêmica tem como ritual o café forte e a Adriana Elisa escritora possui o vinho. Uma prefere a solidão enquanto a outra depende do que está na cabeça dela e pode surgir a qualquer momento. Ambas precisam primeiro se sentir a vontade com as palavras para depois escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não consigo escrever diariamente, independentemente de ser texto acadêmico ou literário. Se há um campo em que ambos convergem, é no dos prazos. Os prazos não exigem, necessariamente, trabalho diário. Há dias em que o que domina é a falta da escrita, enquanto em outros se colecionam noites sem dormir. Não adianta escrever sem vontade, independente da área; o que importa, no final, é que todos os prazos estejam cumpridos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em relação ao meu lado acadêmico: primeiro leio e faço os fichamentos. Depois da leitura, me sinto à vontade para escrever. Em relação aos textos literários, aguardo que eles tenham se formado na minha mente e apenas os despejo no papel quando eles já estão quase completamente formados. Em ambos os casos, o papel ou documento em branco são o que mais intimidam, mas após as primeiras palavras, os pensamentos passam a correr livremente de acordo com a proposta. Para escrever, independente do estilo, é importante que ao menos o teor do pensamento já esteja formado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas na escrita são comuns. Ao longo do tempo e de algumas sessões de terapia, aprendi que a procrastinação em alguns momentos é importante para a construção do pensamento e que devo, em primeira instância, corresponder às minhas expectativas e só depois às expectativas dos outros. A ansiedade funciona mais como uma trava do que como qualquer incentivo e é mais do que necessário que se aprenda a lidar com ela e a tratar ela. Tanto para o meio acadêmico quanto o literário a terapia é fundamental! A terapia permite um pensamento mais organizado e auxilia que as metas e prazos sejam cumpridos a curto e a longo prazo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos tantas vezes quanto considero necessário. Mostro meus trabalhos para amigos mais próximos e alguns familiares. Tanto na literatura quanto na academia tive sorte: lancei meus dois livros de poesia através de uma editora bem atenciosa e disposta a trabalhar com meus textos e tive um orientador durante a graduação extremamente dedicado, que tornou meus anseios como pesquisadoras possíveis.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é tranquila. A maior parte dos meus textos literários é escrita à mão e depois passada a limpo no computador, onde consigo visualizar os textos com maior clareza. Já os textos acadêmicos costumo escrever direto no computador. Para mim a tecnologia é bastante útil, principalmente levando em consideração minha caligrafia complicada de entender. Acredito os rascunhos à mão e os no computador devam ser complementares e utilizados conforme a necessidade, e não encarados como concorrentes entre si.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias acadêmicas vêm principalmente da minha formação multidisciplinar em Relações Internacionais, além da formação humanitária que obtive no Colégio Cristo Rei. Já minhas ideias literárias surgem em relação à minha trajetória de vida e de pessoas próximas a mim. Para a mente criativa é necessário manter uma rotina de imprevistos e de improvisações. Para tal, não há uma fórmula específica de hábitos a serem seguidos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha maturidade mudou muito. Também passei a abordar outros temas que jamais abordaria quando comecei a escrever, principalmente porque comecei a escrever aos onze anos de idade e muito do que vivo hoje é completamente longe da minha realidade de quando comecei a escrever. Se pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos, diria a mim mesma para não desistir dos meus sonhos e para seguir meus instintos e escrever sobre o que eu conhecia, não sobre o que eu achava que as pessoas queriam que eu escrevesse.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há vários projetos que eu gostaria de fazer, mas ainda não comecei. Dentre eles está compor uma música, me perder pelo mundo, virar professora acadêmica e me sentir completamente livre de qualquer amarra social. Não sei se há algum livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe, mas talvez algum que envolva espiritualidade, liberdade, uma grande aventura e uma sensação de ter vivido a vida ao máximo, em todos seus aspectos.