Adriana Armony é escritora, doutora em Letras pela UFRJ e professora do Colégio Pedro II.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina tem a ver com o meu trabalho da vida real, não da vida imaginativa ou imaginária… Às segundas, quartas e sextas-feiras acordo às 5h30 para dar aula no Colégio Pedro II às 7h. Às terças e quintas também acordo cedo para o pilates e o balé. A escrita acontece nos entre-lugares do meu dia, quase na clandestinidade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre trabalho melhor de manhã ou, então, de tarde, nos dias em que posso fazer a sesta. O ideal é estar com o corpo, a mente e a alma descansados.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende da época e do livro que estou escrevendo. Em A feira, escrevi intermitentemente ao longo de anos, às vezes um pouco a cada dia, às vezes muitas páginas num único dia. No caso do meu próximo livro, Vamos chamá-la de Maria, escrevi de um jato, durante um carnaval e uma semana santa. Impossível trabalhar com metas assim! Estou satisfeita quando consigo escrever pelo menos um parágrafo que me agrade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Novamente, depende do trabalho. Escrevo livros muito diferentes. No caso do meu segundo romance, Judite no país do futuro, que se baseia em histórias de minha avó e passa em parte na região da Palestina no início do século XX, tive que fazer uma pesquisa bastante extensa. Em A fome de Nelson, meu primeiro romance, a pesquisa já estava feita e na ponta da língua, porque o livro nasce a partir da minha tese de doutorado. Em Estranhos no aquário a pesquisa foi na área de neurologia, e em A feira o material veio mais da minha experiência e do relato de outras pessoas – a ideia e a escrita vieram junto. Para mim, normalmente a pesquisa acontece de forma concomitante com a escrita, mas é claro que é preciso uma base inicial. Uma vez estabelecida essa base, os dois processos se retroalimentam.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Fiquei com vontade de responder simplesmente “mal”, mas não seria totalmente fiel à minha experiência. Pensando bem, as travas, a procrastinação, o medo e a ansiedade aparecem mais quando não tenho certeza do que dizer; numa palavra, quando não estou tomada de entusiasmo. Infelizmente, esses momentos de euforia criativa não são tão frequentes quanto eu gostaria, mas são eles que costumam funcionar melhor. Não se trata aqui exatamente de inspiração, ou pelo menos não apenas; para que esses momentos ocorram, é necessário todo um trabalho silencioso, consciente ou inconsciente, que o preceda. Entre esses momentos, há o trabalho minucioso de leitor e revisor do próprio texto, a pesquisa, as leituras e, é claro, as angústias.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso até o ponto que sinto que não consigo mais ter nenhum senso crítico. De tanto reler o texto, passo a achá-lo óbvio, previsível ou sem graça. Então é a hora de publicá-lo para, como disse uma vez Clarice Lispector, “me livrar dele”. Antes disso, porém, sempre mando o texto para alguns leitores: meu pai e minhas duas melhores amigas, que conseguem ser ao mesmo tempo sinceras e carinhosas, e os escritores amigos que têm tempo (muitos estão às voltas com seus próprios livros).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Em geral escrevo no computador, embora às vezes tome notas e escreva pequenos trechos à mão. Na fase de revisão, sempre imprimo o livro e faço as correções e inserções à caneta: sinto que isso me dá uma ideia mais acurada das modificações e acréscimos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De todos os lugares. Elas me assediam nas ruas por onde passo, nas matérias de jornais que leio, a cada livro pelo qual me apaixono. Seria preciso cultivar hábitos para não ser criativa! Mas a ideia só frutifica quando tem um fundamento forte no desejo e na experiência: só funciona quando realmente tenho algo a dizer ou a descobrir – o que em certo sentido é a mesma coisa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje escrevo com mais fluidez, me sinto mais segura da minha voz, e sei que, quando ela falha, o tempo fará seu trabalho, seja transformando, apagando ou recriando.
Não diria nada, não adiantaria muita coisa, o que conta mesmo são as descobertas da prática.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu queria escrever de alguma forma sobre a impressão que me causou o Muro das Lamentações, quando estive em Israel, mas ainda não sei o quê nem como. Quanto ao livro que eu gostaria de ler e não existe, impossível responder. Os que sei que existem já correspondem aos meus desejos de leitura e fico mortificada de não conseguir ler todos que gostaria, sem contar as maravilhas cuja existência ignoro!