Adriana Abujamra é jornalista, coautora de À Mesa com o Valor: 50 Personalidades (Apicuri, 2015).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Moro numa casa e escuto quando o entregador de jornal arremessa meu exemplar com força no terraço e me desperta na marra, por volta das quatro da manhã. Cubro a cabeça e volto a dormir. Acordo algumas horas mais tarde. Pelo celular, ainda na cama, leio e-mails e as últimas notícias. Depois me levanto e tomo café lendo o jornal. Não tenho rotina fixa nem rígida. Costumo escrever até perto da hora do almoço, faço uma pausa para caminhar no parque ou fazer outro tipo de exercício. Acontece de ter alguma ideia no meio da atividade e escrevo no celular, andando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O único ritual que funciona para mim é sentar e encarar a tela. Não sei a que horas trabalho melhor, mas certamente não é depois do almoço, quando me abate uma preguiça macunaímica. (sim, confesso, é o período oficial da procrastinação, tempo de checar as redes sociais, de levantar e sentar, enfim, de fazer de tudo um pouco, menos trabalhar.) Acho que a sesta deveria ser oficializada no Brasil. Mas como vivo aqui, o negócio é tomar muito café. Aproveito a baixa de energia para responder e-mails, retornar ligações, marcar entrevistas ou reler o que já fiz. Depois volto a produzir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Costumo escrever todos os dias, alguns mais, outros menos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O que mais gosto de escrever são perfis. Depois de pesquisar e fazer entrevistas, imprimo tudo, rabisco, tomo notas, sublinho e recorro a esses papéis o tempo todo. Quanto mais rico o material, melhor será o texto. Anoto também detalhes que ajudem a entender o personagem perfilado.
O começo do texto é sempre o mais difícil. Busco uma boa cena para abrir. Nem sempre uma ideia que parecia boa vinga depois de colocada no papel. Penso um pouco em imagens, como se fosse um filme, e tento escrever de forma a levar o leitor a participar das cenas como se estivesse lá, ao lado do personagem retratado. O início dá o tom do que virá, portanto me dedico bastante a ele. Tento encontrar um gancho entre um parágrafo e outro, para o texto não ficar truncado e o leitor não abandoná-lo antes do fim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Medo de não corresponder? Uma vez tive um sonho que talvez ilustre melhor do que qualquer tipo de explicação. Estava na coxia de um teatro imenso, quiçá o Municipal de São Paulo. Músicos afinavam seus instrumentos, cantores aqueciam a voz, maquiavam-se, técnicos ajustavam a luz, cenário e adereços. Eu observava a movimentação. Às tantas, as luzes se apagaram. Soou o terceiro sinal. Silêncio. Estava no palco, sozinha. Eu e um piano. Eu e um piano, como assim? Não toco nem chocalho, nem triangulo, nada, nada! A cortina se abriu. Um foco forte de luz sobre mim. A plateia apinhada aplaudia. Sorri e fiz uma mesura inclinando o corpo. Voltei a encarar o instrumento, com as costas eretas. Silêncio. Posicionei as mãos sobre o piano e antes da primeira nota, despertei. É isso. Quando pego um trabalho novo, um assunto que nunca vi antes, dá um pouco essa sensação, como se eu fosse uma fraude. Mas aí vou atrás, leio tudo que posso sobre o assunto, falo com as pessoas, e, aos poucos, tomo pé do negócio.
Tem dias em que o trabalho não rende tanto. Quando percebo que estou dando voltas sem sair do lugar, deixo um pouco o texto de lado e vou fazer outra coisa. Ler algo inspirador costuma ajudar, andar, ouvir música, falar com amigos sobre outros assuntos e deixar aquilo em banho-maria. É curioso que muitas vezes, mesmo depois de fechar o computador e ir fazer outras coisas, a cabeça não para. Aí vem a solução para um ponto do texto, uma ideia para o começo. Mas isso só é possível porque de fato me debrucei bastante, não acredito em eureca sem nenhum tipo de esforço.
Projetos mais longos exigem uma organização maior. Divido os temas em capítulos, ou partes. Anoto em uma cartolina e prego na parede. Vou riscando o que já fiz. Mudo tudo durante, não importa. Ver o trabalho andando ajuda a apaziguar a ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Sempre releio o que já escrevi antes de prosseguir do ponto em que parei. Nesse processo já vou mexendo. Depois, imprimo e releio no papel, rabiscando, procurando a melhor palavra e checando se o texto tem ritmo. Os prazos são ótimos, pois dão um basta na minha obsessão. Isso porque escrevo para cadernos semanais e revistas. Colegas do jornalismo diário não dispõe desse tempo. Meu marido é jornalista e acho ótimo quando ele tem tempo e se dispõe a ler e comentar o que escrevi.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador ou no celular. Minha letra é péssima, não entendo o que escrevo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm do próprio material. Da pesquisa, das entrevistas. Dar umas pausas para andar e deixar a informação circulando, ler textos bem escritos são hábitos que me ajudam.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O tempo me ensinou que não há milagre. Tem mesmo é que sentar na frente do computador todos os dias.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Queria escrever uma biografia, mas não sei de quem. Difícil definir um personagem com quem eu queira conviver durante tanto tempo.As estantes de casa estão forradas de títulos que ainda não tive a chance de ler, portanto, não almejo os que ainda não foram escritos.