Adrian Sgarbi é professor da PUC-Rio e pesquisador da Cátedra de Cultura Jurídica da Universitat de Girona (Espanha).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo bastante cedo, talvez para os padrões normais, 5h da manhã. É um hábito que já tem bastante tempo, talvez mais de vinte anos. Eu acordo, estico meu corpo, medito um pouco, passeio com o meu cachorro. Isso me ajuda a pensar nas tarefas que eu devo cumprir ao longo do dia. Aliás, eu sempre as planejo na noite anterior. Eu mantenho uma lista de tarefas que eu procuro cumprir ao longo da semana e do mês. Quando me sinto bastante ambicioso, como quando planejo um livro, meu planejamento chega a ser anual. Mas eu realizo meus planos anuais com divisões semanais, sempre. Eu gosto de olhar curto, porque quando se tem uma pesquisa em andamento que toma algum tempo, olhar longe demais pode ser uma razão para nem começar. Por isso eu gosto de olhar semana a semana e planejar o meu dia na noite anterior, considerando, é claro, o andamento do trabalho. E, sim, eu tenho uma rotina matinal de trabalho quando estou escrevendo. A primeira coisa que faço é olhar a lista de atividades que eu planejei na noite anterior. Dificilmente essa lista tem mais de cinco itens. Em geral são três a quatro itens para realização no dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor de manhã, e por isso gosto de acordar cedo. Na verdade eu gosto de acordar muito cedo até para começar a escrever antes que haja alguma atividade em casa, como café da manhã ou algo assim. Enquanto todos ainda estão dormindo eu já comecei a escrever no meu escritório. Eu sempre começo, quando estou escrevendo, olhando o que deixei no dia anterior. Eu passo os olhos rapidamente, em poucos minutos, no que escrevi no dia anterior e, pra aquecer, eu procuro corrigir, sem maiores pretensões, aquilo que não está inteligível. Isso me dá uma sensação de aquecimento. Eu pego o fio da meada e continuo. No geral, eu deixo um gancho, eu não esgoto a ideia no dia anterior. Quando eu vejo que o avançar da hora já é impeditivo para que eu prossiga com aquilo que eu estou imaginando que deveria estar no papel, eu interrompo. Simples assim. Eu sei que algumas pessoas preferem esgotar tudo e até se cansam muito, e no dia seguinte acordam tarde porque dormiram tarde escrevendo. Eu não faço isso. Chegada a hora de parar, eu paro; mas eu deixo o gancho da ideia que não esgotei pra continuar no dia seguinte com alguma coisa. A vantagem que eu acho nesse processo é que não há página em branco, eu evito a página em branco, a sensação de que não sei por onde começar. Há uma continuidade no que estou escrevendo, por isso a cadência da escrita fica mais fluida. Portanto, sempre passo os olhos no que escrevi no dia anterior, faço algumas correções sutis e aproveito o gancho deixado para continuar escrevendo. Este é o melhor método que eu encontrei nos últimos anos e venho seguindo isso faz algum tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu tenho o hábito de tomar muitas notas. De fato, eu tenho um banco de dados que é considerável, o número de PDFs e artigos etc. que eu já estudei, fiz uma síntese ou coloquei um ponto de interrogação. Então quando eu inicio a escrita, número um: eu coloco um título provisório; número dois: eu crio um rápido mapa mental, o que nada mais é do que uma palavra-chave no meio, e começo a puxar braços para estabelecer as conexões entre as ideias que eu tenho; rearranjo, gasto um bom tempo rearranjando. Tenho a impressão de que quanto mais tempo eu dedico a estabelecer essas conexões, menos me custa escrever. A razão disso é trivial: eu consigo identificar o que me falta, qual é a falha argumentativa ou qual item eu preciso pesquisar um pouco mais. Feito isso, eu transfiro essa sequência para o papel e começo pela parte que eu sinto que estou mais confortável para escrever naquele momento. Geralmente não é o começo, é no meio ou um pouquinho antes do meio de um artigo, por exemplo. E se for de um livro, nem sempre é o capítulo primeiro, pode ser o capítulo dois ou o capítulo cinco. E como eu tenho a liberdade de rearranjar depois, eu não me preocupo muito com que parte eu começo. É claro que para algumas pessoas isso pode criar um problema de coesão, mas eu tenho pra mim que a melhor coisa que você faz no início, depois que você já fez sua pesquisa e estruturou uma sequência mínima, é começar pela parte em que você está mais confortável. Depois, com tudo escrito, feita a leitura global, basta retirar o que há de excesso, repetitivo; aqui, procuro ser severo na correção, nos problemas de compreensão; ou seja, se está obtuso, ajusto. O passo seguinte é mostrar alguns argumentos, talvez o texto todo, para um leitor, que é o meu leitor de controle, para poder discutir comigo o que eu coloquei no papel. Em resumo, eu me movo da pesquisa para escrita fazendo um mapa, verificando minhas lacunas de entendimento, criando uma lista do que eu preciso pesquisar para resolver o problema dessa lacuna, mas isso não me impede de já começar a escrever pelo que eu me sinto mais confortável para escrever. É por isso que às vezes começo do meio ou um pouquinho antes, e por aí vai.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu acho que parcialmente respondi isso. As travas da escrita, ao menos no meu caso, eu atribuo a uma pesquisa insuficiente. Então, como eu resolvo isso? Como eu a identifico, digo, a lacuna na pesquisa? Eu coloco no centro de um papel em branco o tema e inicio puxando conexões sem nenhuma consulta para ver como o tema está em minha cabeça, se está claro ou não. Ao fazer estas conexões e verificar que não sei ou que não estou seguro sobre algo, eu abro uma lista de itens para pesquisar depois. De todo modo, não tardo em começar pelas partes que eu já me sinto seguro, confortável. Isso porque, se você começa a escrever pela parte que você já se sente confortável, você já deu início à sua escrita. Aliás, com alguma frequência, ao escrever, chego à conclusão de que alguns daqueles pontos de dúvida foram superados ou, caso não seja assim, eu não fico bloqueado aguardando que tudo esteja pronto para só depois começar a escrever. Isto diminui a pressão do tempo. Então é importante começar a escrever. Além disso, outra maneira com a qual eu lido com a procrastinação é estabelecendo objetivos claros para realizar naquele dia. E eu sempre pego os itens mais difíceis primeiro, porque se eu os deixo para depois a tendência é sempre deixá-los para depois. Assim, eu os enfrento logo de manhã, quando minha cabeça está fresca. Aliás, deixe-me insistir em um ponto. Eu não avanço no argumento na noite anterior para não esgotá-lo, porque isso me levaria não apenas à privação de uma boa noite de sono, mas também a terrível folha em branco. Então é importante deixar um gancho para o dia seguinte. É importante, tanto quanto prosseguir escrevendo, saber parar de escrever e aproveitar um pouco o dia. Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, este é resolvido quando no processo de escrita você já tem alguém conversando com você sobre o que você está escrevendo, daí a importância de um leitor de controle, que é uma pessoa que geralmente você conhece há um bom tempo e que você tem uma certa afinidade de conhecimento. Eu não estou dizendo que ele concorde com você, muito pelo contrário, eu procuro pessoas que não concordam comigo, porque o que eu estou testando são os argumentos. Quando você tem um leitor de controle, isso te dá um certa segurança em relação ao que você escreveu, de modo que essa ansiedade, acredito, diminui. E sobre projetos longos, tudo é uma questão de planejamento. Eu penso mensalmente, dividindo em tarefas semanais, e essas em diárias, que são flexíveis. Elas seguem o fluxo do que eu estabeleço no dia anterior como gancho e prioridade para trabalhar na manhã seguinte. Nada muito sofisticado como você pode ver.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sim, eu mostro no mínimo para o meu leitor de controle, como disse acima. A primeira coisa que se deve compreender é que o processo de escrita é um processo imperfeito. Para não haver travas é preciso abraçar essa imperfeição. O importante é colocar no papel. Algumas passagens não vão estar claras, mas você aclara na medida em que vai escrevendo. Tenho para mim que passar os olhos no que escrevi no dia anterior e seguir do gancho que eu deixei me ajuda a prosseguir. E quando estou na estaca zero, iniciando, passando da pesquisa para a escrita, eu utilizo um mapa, criando conexões para entender minhas dificuldades e crio listas paralelas a respeito do que eu preciso pesquisar mais. Com o texto pronto, eu o reviso tantas vezes quanto posso, o que simplesmente significa enquanto o prazo deixar. Confesso que não gosto de perder prazos, o que me leva a dizer “não” para alguns projetos, mesmo que eu pessoalmente fique chateado em deixar de atender.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Confesso que no mais das vezes escrevo à mão, mas num tablet, num programa que reconhece a minha letra e a transforma em texto digitado. Algumas vezes eu gravo a minha voz, até por uma questão de preservar as minhas mãos para a digitação. E aqui é importante fazer uma observação. Eu emendei graduação, mestrado e doutoramento, e logo depois pós-doutorado. Escrevi livros e artigos nesse tempo, mas como eu achava que para escrever era só sentar e esgotar o tema, e virava noites, coisas que eu não faço há pelo menos vinte anos, isso resultou, na época, num sacrifício físico. O que eu mais sinto é minha mão. De tempos em tempos eu sinto uma dor e sei que tenho que controlar a tendinite. Hoje não me incomoda, na verdade não me incomoda há dez ou doze anos porque, na verdade, eu aprendi a conhecer o meu corpo e meus limites e a tecnologia tem me ajudado muito, porque eu gravo minha voz, escrevo à mão, digito no computador. Uso de tudo um pouco. E, usando todos estes recursos, eu poupo muito a minha mão. Como disse, tão importante quanto saber escrever é saber parar de escrever. Eu sempre tenho uma garrafa d’água perto de mim, paro a cada 50 minutos ou uma hora, exercito minhas mãos, procuro projetar meus olhos para uma paisagem distante de onde estou para descansar os olhos e faço isso rotineiramente. Atribuo minha atual situação de saúde a esses hábitos, que aprendi a incorporar ao meu trabalho ao longo dos anos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu acho que nos melhores artigos que eu escrevi eu tive o insight lendo literatura ou caminhando. Tenho o hábito de ler literatura para aguçar isso, e não tenho nenhum outro segredo. Eu diria que procuro me manter curioso, não me limito apenas à minha área, leio o que me interessa e durante uma hora por dia, não mais do que isso, pra não tirar o meu foco, caminho com meu cachorro para ter as ideias que vou desenvolver em artigos ou livros. Passear com meu cachorro e vê-lo caminhar me ajuda muito, limpa a minha cabeça e é daí que vêm as minhas ideias. Portanto, curiosidades e leituras fora do meu campo de estudos, que é o direito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Primeiro eu diria: preserve o seu corpo. Sabe, eu deveria ter me alimentado melhor, exercitado mais a minha mão direita pra não ter tendinite, que acabei tendo logo depois que concluí meu doutoramento. Foi chato. Portanto, conversaria comigo mesmo isso, diria a mim mesmo: pare um pouco para caminhar, cuidado com as suas mãos e os olhos. Cuide da saúde. Ah! Tomaria cuidado também com o tipo de prêmio. Explico. Como disse, faz anos procuro atender certo horário de início e final de trabalho. Quando essa hora final chega, eu interrompo, faço umas notas e continuo no dia seguinte. E esse é o momento do prêmio. Hoje meu prêmio é brincar um pouco mais com meu cachorro, sair pra jantar, ver um filme, às vezes simplesmente conversar com um amigo. Mas na época em que eu estava escrevendo a minha tese de doutoramento, era um momento difícil, complicado e bastante solitário. Assim, o prêmio que eu me dava quando terminava o dia, e isso às vezes era tarde da noite, porque eu não interrompia a escrita – era um pesquisador quase suicida, porque eu ia até não aguentar mais -, era uma queijadinha. Ou seja, praticamente todos os dias eu comia uma queijadinha. O resultado foi que eu terminei minha tese, claro. E terminei no prazo, em três anos, o que na época era raro. Sabe, realmente acho que ter terminado a minha tese no prazo se deve à disciplina e às minhas queijadinhas de prêmio. O problema é que eu acabei com oito quilos a mais, então eu diria para mim mesmo “faça outra coisa, não se recompense com queijadinhas”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho um grande projeto na minha cabeça, mas vou manter isso como segredo (risos). Mais por uma questão de desejo de realizá-lo, eu o mantenho pra mim, mais uma ou duas pessoas sabem qual é, mas, sim, é um livro, e eu já tenho feito a pesquisa a algum tempo, já estou há quatro anos juntando material, escrevendo partes, e só a ideia de esboçar o sumário já me causa grande prazer. O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe? Na área jurídica eu não consigo imaginar. Na literatura, gosto de livros históricos que misturam um pouco de ficção, então qualquer livro nessa área me deixaria muito feliz em ler. Sou um leitor de livros de ficção com personagens que são ancorados em eventos históricos famosos. Isso me atrai muito a atenção, eu gosto muito. Fico ansioso pela próxima literatura que tenha essas características.