Adherrio-Laiss é poeta, escritor, ator, performer e artista visual.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina tem nada a ver com Literatura. Sou funcionário público. Nessa pandemia continuo trabalhando presencialmente, com dias e horários que vão mudando, conforme os decretos estaduais e municipais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como não tenho “tempo” pra Literatura trabalho quando dá, quando não estou no emprego. Então escrevo à noite, na madrugada, e nos fins de semana. Mas confesso que às vezes escrevo no emprego também (não fale isso pra ninguém). Como escrevo poemas e contos de autoficção pra mim não existe ritual nenhum. Minhas vivências é que são meus rituais. Quando vou escrever algo é porque já estão inscritos em mim, tenho vários poemas e contos inscritos na minha pele, tatuados na minha existência. Minha Literatura é isso, escrever o que já me está inscrito. Não costumo inventar histórias, personagens, ficção, vou escrevendo esse lirismo automático e irresponsável, sem compromisso com nada e com ninguém. Por enquanto acho uma vantagem não ser profissional da escrita, não gosto de compromissos, em nenhum sentido. Mas quando tenho um sou altamente responsável. Por isso mesmo não gosto de compromissos, pois não gosto de ser responsável, sou preguiçoso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta pra nada na vida. E por enquanto não quero ter. Sou o cara mais irresponsável que conheço. Sempre levo bronca por causa disso. “Adherrio, você deveria escrever mais, fazer mais performances, ir pra Salvador, morar no Rio, levar seu trabalho a sério”, me dizem algumas amigas e amigos. Nunca tive o hábito de escrever todos os dias, mas inscrevo como respiro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre tenho uns papeizinhos em branco na carteira, junto com os documentos. Anoto frases e ideias que vão entrar num conto ou poema, às vezes já são os títulos. Quando acho que falei algo interessante anoto ou tento guardar na memória. Acontece também de eu me apropriar de falas das pessoas, conversando pessoalmente ou em aplicativos de conversas. Uma vez eu estava num show de heavy metal e o guitarrista fez um solo inacabável, olhei pro meu amigo Fábio e falei: “Nossa, que solo grande da porra, a vida é mais curta que um solo de guitarra”, e achei a frase forte. No outro dia, com uma ressaca do cão, e abandonado por uma ex-namorada, falei comigo mesmo: “Eu gritei sozinho na escuridão do meu peito”. Então escrevi essa frase e automaticamente comecei a escrever um poema. Quando terminei fui pensar no título, então milagrosamente me lembrei da frase da noite anterior e pimba, eu tinha um titulo foda: “A vida é mais curta que um solo de guitarra”. Não tinha nada a ver com o poema, mas tinha tudo a ver. Essa é a minha pesquisa, na correria do cotidiano, no bar, na fila do banco, na espera do dentista, nas caminhadas que gosto de dar durante as madrugadas com um copo de bebida na mão, nos abandonos que a vida me dá. Literatura é feita de abandono.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu procrastino pra valer. Tem uns oito meses que um diretor de cinema me pediu pra fazer um vídeo interpretando um personagem, e nunca fiz esse vídeo. Sinto vergonha, acontece que trava mesmo, tenho uma ansiedade que às vezes vai a 200 km/h. Talvez fui até excluído do longa e nem sei. Devo uns contos, poemas, letras de música e apresentação de livro a amigos e amigas. Geralmente se me pedem eu travo. Essa entrevista aqui eu cometi o milagre de entregar em cinco dias. Também cometi o milagre de ler todas as entrevistas que estão na página do instagram desse projeto antes de escrever a minha, e também várias entrevistas do site.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo revisar quatro, cinco vezes. Mas isso depende muito, às vezes reviso só uma, outras posso revisar inúmeras vezes. Não gosto de mostrar pra ninguém, tenho vergonha e acho que estou incomodando. Minha literatura é um nude, se eu mostrar a alguém não vou me sentir confortável. Mas não sinto essa vergonha com ela publicada. É como se eu não fizesse um striptease pra alguém entre quatro paredes, mas o fizesse numa boate lotada sem nenhuma vergonha. Mas às vezes mostro sim, pra um ou pra outra. E por falar em nude, aqui tá um nude de nude, pois se o poeta mostra toda sua intimidade, sua nudez, em seus poemas, imagina falar sobre seu processo de escrita, seus “segredos” literários. É como ir tirando a roupa e ao mesmo tempo explicando como é a sua técnica de tirar a roupa, onde comprou cada peça, quanto foi, falar do tecido das roupas, e ainda descrever sua anatomia, “Essa bunda aqui, amor, foi muita academia”, e no final do strip dizer “Fiz esse curso de dança na escola tal”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Na época da minha adolescência não era comum ter computador em casa, então escrevia à mão mesmo, em qualquer papel que encontrasse. Hoje geralmente escrevo direto no computador, não gosto de notebook, gosto do PC mesmo, do barulhinho das teclas, acho mais confortável, sei lá. Uma vez, e só uma vez, escrevi um conto todo no celular, mas é muito trabalhoso. Na casa do meu pai tem uma máquina de escrever, pequenininha e muito bonitinha, já escrevi muito nela. Por coincidência essa semana disse a ele que vou pegar a Olivetti pra mim, ele disse que não. Poxa vida. Às vezes também gosto de pegar papel e caneta e escrever um poema, pra me sentir um poeta antigo e romântico, mas isso só funciona com poemas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Viver. Viver basta para a criação. Mas uma vida inventada. Morrer também. Se não fossem as mortes que já vivi não existiria minha literatura. Aliás, a maior parte dela nos últimos anos foi por conta de uma morte minha, que me levou à depressão, e um pensamento incessante de suicídio que durou anos. Meus suicídios foram muito importantes pra minha egoísta literatura. “Aquilo que não te mata te fortalece” disse o tal do Nietzsche. Literatura salva vida, pelo menos a do autor. “Você está morto”, me disse a psiquiatra. Acho que morto não dá entrevista. Próxima pergunta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sei exatamente, mas que mudou mudou. Alguns temas a gente vai deixando pra lá. Por exemplo, moro no sertão da Bahia, quando mais novo gostava muito de escrever poemas sazonais, sobre a chuva, a seca, a caatinga, tenho uma porrada deles nuns cadernos antigos, nenhum digitado, nunca mais reli esses poemas, e não escrevo mais sobre isso. Passei a escrever poemas existenciais, poemas boêmios, niilistas, essas outras besteiras. Se eu voltasse no tempo eu não me diria porra de nada, a gente foi o que foi, pelo menos não matei ninguém, eu acho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu só gostaria de viver de Arte. Sou poeta, escritor, ator de teatro e cinema, performer, artista visual, e nunca ganhei dinheiro com nada disso. A culpa é toda minha, sou muito preguiçoso, sou um ambicioso não-praticante. Por isso mesmo não reclamo, me apoio nesse meu pessimismo de ferro. Em relação à última pergunta eu gostaria de ler o último livro que comprei. Tá chegando.