Adelice da Silveira Barros é ficcionista e cronista do Jornal O Popular.
Como você começa seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gostaria de ter. Mas como responsável pela casa e por parte dos negócios da família, para mim cada dia é um dia. O dia ideal para mim é aquele que posso começá-lo trabalhando na área literária, como estou fazendo hoje.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que nas primeiras horas do dia sou mais criativa. Tenho uma relação de amor e de fé com o início do dia. A energia do sol nascente revigora meu espírito. Minha primeira atitude do dia é saudar a natureza, interagir com ela. Goiânia é uma cidade banhada de luz, e luz é energia positiva. Entretanto, se estou envolvida com um projeto maior, como romance, ignoro o relógio. Minha vontade é não fazer mais nada além de escrever. Em momentos assim, as questões de ordem econômica, de sobrevivência material me deixam profundamente irritada. Tenho ótima relação com as letras, mas péssima com os números. Não, não tenho ritual nenhum. Entretanto, antes de iniciar a escrita, gosto de “pensar” o texto, organizá-lo mentalmente, esteja eu onde estiver. Ao volante esse “mentalizar” a história é altamente perigoso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Posso dizer que todos os dias eu estou envolvida com questões literárias. Mas para uma ficcionista como é o meu caso, acho que traçar metas seria não somente difícil quanto temerário. Para mim a ficção é o resultado de um acontecimento exterior com a emoção interna. Sem a emoção o texto ficcional não terá sentido. E, infelizmente, não somos donos de nossas emoções. Muitas vezes passo dias tentando falar sobre determinado assunto e nada. Daí, quando menos espero, sem nenhum aviso prévio, a solução bate na minha porta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar?
Agarrar uma ideia, desenvolvê-la, não é exatamente fácil. Requer disponibilidade externa e interna, além de alto grau de concentração. Recentemente visitei o Deserto do Atacama. Diante da força bruta, do poder absurdo daquele lugar, me veio a comparação: criar é isso, é se submeter, se entregar a algo imensamente maior que você. Quanto à coerência, essa vem aos poucos, à medida que o texto vai se firmando. Esse é o grande desafio e a maior satisfação do autor. Ver seu texto ir sendo urdido com a força de seu pensamento. O processo criativo significa o envolvimento total, absoluto entre o criador e a cria. Em momentos como esse, minha vontade é poder me dedicar tão somente ao trabalho criativo. Todo o resto perde o sentido.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Cecília Meireles disse o seguinte:
Porque há doçura e beleza Na amargura atravessada, E eu quero a memória acesa depois da angústia apagada
As travas, a procrastinação e o medo da desaprovação fazem parte do cotidiano do escritor. Pessoalmente já tive que desistir de alguns projetos por falta de argumentos sólidos. Além disso, relutei muito em tornar público meus escritos. Acredito que o artista tem que ser atrevido e humilde ao mesmo tempo. Ter o atrevimento de iniciar e a humildade de aceitar a crítica negativa, se for o caso. Os projetos longos são meus favoritos. Conviver com as personagens, fazer parte de seu cotidiano enfrentando com elas aventuras ou desventuras, nadar para morrer na praia ou chegar ao destino, tudo isso é muito envolvente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos pra outras pessoas antes de publicá-los?
Leio meus textos até não suportar mais. Além disso, tenho uma amiga que revisa meus trabalhos. Não publico nada que não tenha passado por suas mãos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Bem, como todos os que vieram antes da eram computador, tenho dificuldades para lidar com a tecnologia. Mas digitar não é problema. Escrever à mão seria impossível, mesmo porque sou meio apressada. Em dezenove anos publiquei doze livros individuais, além de algumas participações em obras coletivas. Dizem que é um bom ritmo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Como eu disse anteriormente, considero que a escrita seja o resultado do encontro da informação, do fato em si com a emoção interna do escritor. De repente, uma visão, uma notícia ou um acontecimento mexe com minha emoção adormecida e daí sai o esboço do que tanto pode ser uma crônica, um conto ou um romance. O escritor tem que ser antes de tudo um bom leitor. Cultivar boas leituras e estar atento ao que ocorre ao seu redor, coisa difícil nesses nossos dias apressados. A pesquisa também é fundamental para que o texto seja verdadeiro. Enfim, alinhar realidade com criatividade, ou ser criativo na fantasia pura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Essa é uma pergunta para os meus leitores responderem. Toda obra tem os contornos do momento do escritor. Acho que com o tempo fiquei menos romântica, mais realista, entretanto não me arrependo de nada que eu tenha escrito e lamento aquilo que, por medo da crítica, relutei em publicar. O que eu diria à iniciante? Vá em frente, criatura, a maior de todas as aventuras é o nascimento. Se você sobreviveu a ele, pode superar qualquer dificuldade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento estou travando uma batalha interna com minha sensibilidade à deficiência física de qualquer natureza. Tenho um início de trabalho abordando a deficiência visual. Se eu conseguir romper minha barreira interna o livro sai, se não será mais um projeto perdido. Gostaria de ler um livro que explicasse a brutalidade, o primarismo do dito ser humano.