Adalberto Souza é psicólogo e poeta, autor de “Fantasmas não andam de montanha-russa”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia começa com uma boa dose de café. Sem isso não funciono. Depois de uma meia hora em silêncio, arrumando as ideias para encarar o dia, estou pronto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre prefiro trabalhar na madrugada, essa é a hora em que mais produzo, sou meio criatura de Bram Stoker. Queria poder dormir durante o dia e viver, trabalhar, estudar, escrever somente à noite. Parece que tudo flui melhor, mais silêncio, menos passos pela casa, portas batendo, menos pressão pelos horários, nesse clima a imaginação, as ideias fluem com mais facilidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não tenho meta nenhuma. Sou um escritor preguiçoso, escrevo somente quando tenho vontade. Vou escrevendo mentalmente, fazendo anotações, remendos e apenas quando estou satisfeito é que começo a escrever. E mesmo assim, escrevo e deixo aquilo lá, continuo o processo de burilar o texto, e vou mudando, tudo isso leva um tempo incrível. Para somente dar uma ideia, do meu primeiro livro para o segundo foram mais de cinco anos de escrita e reescrita para estar satisfeito com o material que tinha pronto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou um acumulador de notas compulsivo. Vou anotando tópicos que depois desenvolvo ou abandono, sempre de acordo com minhas observações e andanças, vou mastigando as ideias, transformando em algo estruturado, sempre devagar. Não tenho pressa nenhuma em iniciar novos projetos até estar totalmente satisfeito com o que estou fazendo no momento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Os bloqueios são normais, quem escreve em algum momento vai passar por isso. Deixo fluir, não pressiono demais. Vou ao cinema, leio Sophia de Mello Breyner, Mario de Sá-Carneiro, Nelson Rodrigues, vou pensar no que li. Caminhar ajuda bastante, saio caminhando sem muito destino, apenas observando. Isso vai clareando as ideias, e é quando percebo que já tenho material para começar outro poema. E com certeza a ansiedade de pensar em como seu trabalho será recebido também é fator angustiante, se for pensar muito sobre isso, não escrevo mais nem uma linha num verso. Então sento, escrevo, reviso e publico, depois é só esperar a reação dos leitores. E elas sempre vão aparecer, seja de uma forma ou de outra, o feedbackdo trabalho aparece.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Centenas de vezes, tanto que quando termino em muitos casos o resultado nem lembra o trabalho inicial. E mesmo depois de publicado fico me cobrando por não ter feito mais mudanças. Sou eternamente insatisfeito com minha poesia. E acho isso ótimo, me obriga a ler mais, estudar mais, ir com mais afinco às minhas observações e vivências. Tenho um grupo /teste de amigos/leitores a quem submeto meu trabalho antes de ser publicado, esse termômetro é importante para mim, vai me dando ideia de como determinado poema será recebido pelos leitores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a forma de escrever foi mudando ao longo do tempo. Inicialmente só conseguia escrever com grafite e andava com um bloco de notas no bolso, ia rascunhando ideias para poemas e depois trabalhando nelas. Fazia isso em todos os lugares e, muitas vezes, entrava em pânico quando não tinha mais papel ou lápis. Fui aprendendo a lidar com isso e com o celular. Hoje eu já consigo ser mais relaxado na forma de tomar notas, para não perder tempo, ou pensamento, envio áudios para mim mesmo, depois só transcrevo. Mas uma coisa é certa, nunca consigo escrever direto no computador, a tela em branco me inibe.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Meu processo criativo parte principalmente da minha observação e escuta. Gosto de ouvir as pessoas falarem, gosto de ouvir as conversas alheias e isso dá uma infinidade de material para trabalhar. As pessoas são uma fonte inesgotável de surpresas e observar isso me deixa fascinado. Gosto de estar nas ruas e ouvir o outro, ver sem ser visto, gosto de perceber o que incomoda, o que faz falta e vou completando as histórias e lacunas, criando vidas paralelas e transformando tudo em poesia. A música também é uma fonte onde cultivo muitas ideias, atualmente estou me dedicando ao aprendizado das grandes óperas. As personagens femininas são quase sempre trágicas, amam sem reservas e incondicionalmente e embalam geralmente amores não realizados, impossíveis e isso está muito presente na minha escrita. Por esse motivo tenho uma identificação quase simbiótica com esse gênero musical. Também os filmes clássicos me motivam a escrever, o cinema noiré lindo para deixar as ideias fluírem.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou tudo, muitas vezes nem eu mesmo reconheço o que escrevi em meu primeiro livro, nem gosto de voltar a ele. Sou o que escrevi no último texto, hoje pela manhã, pois acredito que somos o resultado de toda a influência que sofremos ao longo da vida, e esse é um processo cumulativo. Sou um pouco do filme que assisti, do livro que me deixou sem fôlego (aquele que depois da leitura abraço, para me sentir pertencendo àquele mundo), das músicas que ouço, e isso fica muito transparente no que escrevo, porque sou muito mais eu hoje do que fui há 10 anos passados. Quando eu olho para meu trabalho anterior eu sempre penso igual ao poema da Nydia Bonetti (compartilhado numa rede social): “Uma parte de mim deseja silêncio. //A outra nasceu muda. //Uma ínfima parte escreve poemas – e se arrepende.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de, quem sabe, ter mais poemas sendo musicados, um cd inteiro gravado com meus poemas, isso seria um projeto que muito me alegraria, ter minha poesia transformada em música. Esse sim seria um livro/cd que adoraria ter em meu currículo. Leitura e música sempre estiveram presentes em minha vida, sou leitor compulsivo, mas não sei qual o livro que ainda não foi escrito que gostaria de ler. Ainda tem tantos que não li, seriam necessárias mais vidas sobressalentes para ler/assistir/ouvir tudo que tenho vontade. E ainda permanecer curioso.