Xico Sá é escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Cedinho leio jornais/portais e anoto ou separo assuntos que podem render uma crônica ou até mesmo um futuro texto de ficção. Aí vale tudo: de um lance bizarro no futebol a um ataque de tubarão em Pernambuco.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Já fui da escrita na madrugadora. De uns sete anos para cá, inverti, sempre produzo mais e melhor nas primeiras horas da manhã. É café e pau na máquina. Mesmo sabendo que lutar com palavras pode ser luta vã, conforme nos alertou o Drummond.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo praticamente todos os dias para cumprir as encomendas de crônicas. No paralelo, tento fazer alguma coisa extra no campo minado da ficção — acabei de terminar mais um romance, ufa! É um livrinho meio absurdista, tem muito de Albert Camus no goleiro-personagem e se passa bem na linha do Equador.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na crônica não tem segredo, a musa é a data da entrega, tem que sair de qualquer jeito. Na ficção sou muito devagar: tenho a ideia e fico inicialmente construindo o romance na cabeça. Depois leio dezenas de livros daquele universo, só então parto para a escrita, que também segue em ritmo lento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com desespero. Sem desespero não há literatura, mesmo a literatura aos rés do chão, caso da vida de um cronista.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A crônica não permite que você fique alí lambendo o texto, tem uma hora fatal para enviar ao jornal ou revista. Na ficção, leio e releio tanto, recomeço tanto do zero que tenho a impressão que o livro ficará na gaveta para sempre. Minha principal leitora é a Larissa, minha mulher, preciso da aprovação dela para seguir.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anoto muito em caderninhos, um velho vício de repórter, mas nem sempre entendo o que anotei, principalmente no caso dos rabiscos em bares. Você registra a ideia achando genial, depois vê que nada se aproveita, rola sempre isso no processo. Na hora de escrever mesmo, sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Assim como o baião, as ideias vêm debaixo do chão, é só saber dançar com elas. Um passeio, flanar pelas ruas de SP, também ajuda. Outra receita: tomar uma cerveja em uma esquina qualquer ou vendo o trem passar aqui na Barra Funda.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrever com a internet ligada foi um grande avanço que experimentei nas últimas décadas. Qualquer dúvida, você corre lá no altar de São Google. Isso é excelente para a escrita da crônica, da reportagem ou algum exercício do dito jornalismo literário. A geração que veio da solitária máquina de escrever agradece essa mudança. Toda essa vantagem, porém, pode ir para o espaço se você começa a divagar e acaba desviando o rumo para uma besteira qualquer nas redes sociais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sou um canteiro de obras inacabadas. É tanta coisa pra começar ou terminar que nem te conto. Preciso escrever uns livros na área da reportagem literária, os temas borbulham na lama do meu mangue, mas ainda não encontrei a pegada certa. Hei de achar um tom e um rumo.
Ah, tem tanta coisa que não li ainda que estou satisfeito com o sortimento da Babel do mundo.
* Entrevista publicada em 3 de janeiro de 2022.