William Eloi é escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina depende tão somente do meu humor. De como foi minha noite anterior. Não possuo disciplina alguma. Porém, tal coisa nunca foi um impeditivo no ato da criação. Pelo contrário, sempre usei o caos a meu favor. Chame de inspiração, se quiser. Não tenho problema algum com isso. Se é algo “divino” ou não, nunca me importei. Mas sei que todo artista tem a pele à flor. Está conectado. Atento. Sensível. E é a essa percepção que damos o nome de inspiração. Não acordo com a ideia de “hoje tenho que bater minha meta de escrita”. Para algumas naturezas, isso funciona. Não para a minha. Isso não quer dizer que deixe ao releixo. Simplesmente escrevo. Abandono a coisa como quem deixa ao sabor dos temperos. Horas. Dias. Depois volto. Organizo a ideia. Aparo as arestas. Abandono novamente. Olho de novo. Abandono. E se caso for, jogo fora. Inicio outra coisa. Raramente me apego a uma ideia. Ou ela funciona ou não funciona. Na mente, tudo é divino, maravilhoso. Mas os nove fora é o papel. O papel é a medida do escritor. Não sei por quantas vezes reviso. Algumas coisas são mais fáceis. Outras, mais exigentes.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O horário que me sinto melhor escrevendo é pela manhã. Cinco, cinco e meia. Entre um gole e outro de café. Porém, o que me basta, o mais importante, é estar só. Muitas vezes escrevi no trabalho, em frente a um computador, nos poucos momentos em que me encontrava só, nas situações mais inusitadas. Atendendo a telefonemas. Gente. Grampeando folhas. Um texto meu, que foi usado como tema de redação da UFRN, em 2018, o escrevi enquanto descansava, depois de descarregar uma pilha de caixas de um caminhão, numa faculdade. Evidentemente, eu estava só. Em frente a um computador.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minhas notas são todas mentais. Nas poucas vezes em que as transferi para o papel, pareciam não traduzirem o que queria dizer. Então, prefiro guardá-las na cabeça. Deixar que tomem forma assim que me ponho a escrever. No geral, tem funcionado. E funcionado tão bem que perdi as contas de quantas vezes acordei no meio da madrugada para escrever – para não perder a ideia – ou quando me tiram o sono – porque fico repetindo a coisa, as falas, as cenas, na minha cabeça, como um mantra, até os primeiros raios da manhã. Há ideias, passagens em minha vida, passagens insignificantes, que ficaram em minha mente por dez, vinte anos, e me surgiram de forma abrupta e me tomaram de assalto para iniciar uma trama, compor uma sequência, finalizar uma estória. Como aquelas pessoas que encontram um pedaço de arame pelo chão, na rua, e decidem guardar no bolso. Nunca se sabe quando iremos precisar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Geralmente, os personagens que crio são baseados em alguém que conheço. Que conheci. Que ouvi falar. O todo ou partes. Assim como são partes de mim. De minhas experiências. Nunca iniciei nada do zero. Tenho que acreditar naquilo primeiro. Enganar a mim mesmo, para só então enganar os outros. Quando não percebo aspectos em minha criação em que não possa sentir gosto, tato, cheiro, desisto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou muito inseguro em relação ao que escrevo. Bem, qual escritor não é ou nunca foi um dia? Daí conto com três ou quatro amigos, gente que também escreve, e que me dão um feedback. Do contrário, seria uma loucura enviar um texto para várias pessoas, cada uma emitindo uma opinião.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Há períodos de procrastinação. O que antigamente me deixava preocupado. Porém, o que aprendi é ficar parado. Deixar que a coisa passe. Pois todas as ações que me vi realizando para combater essa trava se mostraram insuficientes. Só aumentando a angústia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo dos anos, meu estilo mudou no sentido de abandonar, ou pelo menos, não dar tanta ênfase à imagética na construção dos períodos, valorizando mais as falas, personagens e enredo. Passei a crer que conflitos e aspectos psicológicos também podem se estabelecer no mínimo e sutil do cotidiano. O que vale é passar a estória. E há pessoas que conseguem fazer isso muito bem. Até numa mesa de bar.