Wesley Barbosa é escritor, autor de “Relato de um desgraçado sem endereço fixo” (2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Pela manhã ao acordar fico em silêncio, pensando em algum texto que eu já estava burilando, ainda deitado na cama. Gosto desse horário, que me permite criar minhas histórias. Depois vou ao banheiro jogar um pouco de água na cara e escovar os dentes. Só então ligo o computador, ou o celular mesmo, e verifico as mensagens de pessoas do Brasil inteiro, interessadas em conhecer o meu trabalho. Essa é a minha maior rotina no momento: escrever os endereços e os nomes das pessoas na planilha improvisada no Word do meu computador e fazer as dedicatórias, para enviar livros pelo correio. Apesar de eu não ser um cara tão organizado como eu gostaria de ser, consigo conciliar as vendas dos meus livros com as minhas leituras e a escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo a qualquer hora do dia, ou da noite, também não tenho nenhum tipo de ritual para escrever. Meu primeiro livro intitulado O diabo na mesa dos fundos, por exemplo, eu o escrevi dentro de bares, rascunhando em guardanapos, nos restaurantes e lanchonetes. Nessa época, em que eu estava sem computador, eu precisava ir à Lan House do meu bairro e digitar todo o texto. Escrevia a lápis em uma folha de caderno, para depois digitar tudo no Word. Depois enviava para o editor. Fiquei fazendo esse trabalho durante mais de seis meses, até o livro finalmente ficar pronto e voltar para as ruas, que é o lugar de onde ele veio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, algum rascunho para uma poesia, um conto, ou até mesmo um trecho do livro em que estou trabalhando. Aliás, esse novo livro, que talvez será publicado ano que vem, já está finalizado, mas me lembro ter escrito a novela de 10 a 14 horas por dia eu só parava pra almoçar, ou ir ao banheiro. Desse jeito, imerso na história, levei uma semana para escrevê-la, mas deixei o texto um bom tempo engavetado. Com histórias mais curtas, como no gênero conto, eu gasto alguns minutos pra escrever algumas páginas. A feitura do meu primeiro livro foi desse jeito: eu escrevia um conto em poucos minutos, depois ficava o dia inteiro revisando uma única linha, um único parágrafo, um único diálogo, até que eu achasse que estava bom. Alguns desses textos pareciam ter nascido prontos. Eu não tinha necessidade de reescrevê-los. Na série de livros de bolso que estou escrevendo, no entanto, tem um deles intitulado Parágrafos Fúnebres, do qual escrevi duas páginas e deixei guardadas. Muito tempo depois, me veio a inspiração e escrevi todo o restante da história em uma manhã, mas a minha meta, enquanto estou escrevendo, é me divertir com o texto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em meus textos, principalmente nos contos de O diabo na mesa dos fundos, não faço nenhum tipo de pesquisa. Além disso, eu crio ficção a partir da realidade: no livro Parágrafos Fúnebres, por exemplo — uma história sobre o coronavírus entre a população carcerária —, lembro ter lido em uma matéria de jornal que os presos estavam fumando o pó raspado do cabo da vassoura. Fiquei chocado com essa informação! Eles, os presidiários, estavam escrevendo cartas para seus familiares, porém o destino dessas cartas era incerto, assim como suas próprias vidas. Precisei imaginar esse cenário: a precariedade e a falta de higiene, a fome e a solidão, de um modo que se parecesse com o próprio inferno. E deve ser mesmo para quem está lá dentro, sem álcool-gel, água limpa para beber e nenhum tipo de auxílio que os proteja do vírus assassino, como escreveu Mário Bortolotto no prefácio do livro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho medo das travas da escrita. Se eu não consigo escrever, deixo de lado e vou fazer outra coisa que tenha a ver com literatura: ler um livro, assistir a um bom filme, ou sair pra caminhar. Escrevo muito na cabeça quando estou caminhando à tarde, observando o movimento das ruas. Talvez por isso eu não tenha medo de não corresponder às expectativas, já que minha única expectativa é me divertir no processo. Às vezes eu simplesmente esqueço se tenho algum tipo de bloqueio, porque não preciso dar satisfação para quem quer que seja sobre meus projetos; então, quando menos espero, estou novamente envolvido em alguma história e sentindo muito prazer em escrevê-la.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como eu disse, alguns textos parecem que nascem prontos e eu não preciso ficar escrevendo e reescrevendo, apesar de que um texto nunca está totalmente pronto. É claro que eu leio e releio, tiro uma coisa aqui e outra acolá, mas quando digo ficar reescrevendo um conto muitas vezes, como já fiz pelo menos vinte vezes com uma história, era porque eu precisava encontrar o ritmo certo para o final de uma frase e a ultima palavra também precisava me provocar um impacto, como um susto, ou algo parecido. Depois mostro para alguns amigos meus textos. No caso do meu primeiro livro eu tive muita sorte de ter o Ferrez como editor. Ele realmente é um cara que já leu muitos livros. Sempre que eu mostrava meus textos, ele vinha com um palpite relevante e, com muita sinceridade e elegância, dizia se algum dos textos não estava muito bom.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto de tecnologia, do modo em que um leitor hoje em dia pode conhecer o meu trabalho lá no interior da Bahia e me dizer que ficou emocionado com determinada passagem do meu livro. É muito legal falar com pessoas de outros Estados que leram, por indicação de outra pessoa, algum texto meu e quiseram me escrever dizendo: “Por causa do seu livro eu comecei a gostar de ler”. Tem coisa melhor de se ouvir? Então isso me anima a escrever também. Meus rascunhos eu escrevo onde dá pra escrever. Antigamente eu escrevia mais a lápis, agora escrevo diretamente no Word.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu não acredito em escritores que não cultivam o hábito da leitura. Para mim a leitura é o melhor hábito para um escritor se manter criativo. Eu nunca fico sem ler! Quem escreve precisa conhecer novas formas de escrita. Não existe apenas um jeito de escrever. Quando comecei a ler Balzac, fiquei muito impressionado como ele dava vida aos seus personagens, transitando de um livro para o outro; na sua Comédia humana, percebi que ele já havia experimentado vários tipos de escrita desde A pele de onagro até o seu livro magistral As ilusões perdidas. Ele vinha encontrando novas formas para o romance moderno. Oscar Wilde disse que ele, Balzac, criou o século dezenove, mas ele apenas observou os hábitos das pessoas, como elas pensavam e agiam e experimentou formas de descrevê-las, por isso sempre se manteve criativo: ele lia muito!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus primeiros textos foram poesias que escrevi durante um ano inteiro trancado em meu quarto. Eu escrevia em meu caderno aqueles poemas e achava que estava fazendo a melhor coisa do mundo. Depois que conheci a poesia de Carlos Drummond de Andrade, de Rimbaud, Roberto Piva e Charles Baudelaire, a primeira coisa que fiz foi jogar aqueles textos no fogo e me trancar na biblioteca municipal do meu bairro e ler que nem um louco. Eu lia mais de seis horas por dia tudo o que encontrava. Não era nada sistemático, ao mesmo tempo que eu lia um livro de Platão, eu estava lendo O lobo da estepe, de Hermann Hesse. Somente seis anos depois de ter malogrado meu primeiro trabalho, iniciei na feitura de O diabo na mesa dos fundos. Se eu pudesse voltar no tempo eu diria pra mim mesmo: “Você tem certeza que quer publicar essas poesias? Escuta o meu conselho, jovem, joga toda essa merda no fogo e vá ler uns bons livros!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um roteiro para um filme, mas ainda não comecei, talvez eu acabe escrevendo, colaborando em algo, já me convidaram e eu até já cheguei a escrever o roteiro pra um curta, mas nunca longa-metragem. Sobre um livro que eu gostaria de escrever, não sei, mas eu queria muito que Rimbaud não tivesse parado de escrever. Ainda fico na dúvida se ele realmente não tinha mais nada para dizer.