Walkiria de Oliveira Rigolon é pedagoga, professora, doutora em Educação.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre levantei muito cedo. Penso que se o dia tivesse um horário nobre seria pela manhã, pelo menos para mim. Neste período de pandemia em que tenho trabalhado remotamente, acordo às 6h e tomo meu café. Em seguida, parto para o trabalho que começa com checagem dos e-mails, a conferência da agenda e uma olhada nos jornais. Essas são as primeiras leituras dia. Só depois começo as atividades que, geralmente, envolvem análise de trabalho de alunos, produção de textos voltados para ações de formação de professores e coordenadores pedagógicos, textos referentes as pesquisas nas quais estou envolvida, além das produções de escrita criativa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã, sem dúvida, me sinto muito mais disposta. Quando o dia começa estou mais energizada, sobretudo para realizar as atividades profissionais. O que eu poderia dizer que se trata de uma espécie de ritual, no meu caso, seria ter por perto alguns objetos de grande valor afetivo. Me cerco por exemplo, de fotos, objetos que coleciono e livros preferidos, ou seja, gosto de me cercar das boas lembranças que cultivo. Acho que todo mundo que exerce muito a escrita por conta de seu ofício ou por prazer, acaba cultivando espaços assim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, é raro passar um dia em que eu não escreva. Desde que me tornei professora alfabetizadora, em meados dos anos 1980 e mesmo antes, quando criança, a escrita foi sempre minha companheira de jornada. Com o passar do tempo, sobretudo depois da entrada no mestrado e depois no doutorado, o potencial de escrita foi ganhando cada vez mais fôlego. Infelizmente, por conta das demandas de trabalho, escrevo muito mais textos relativos à esfera acadêmica e escolar do que os de escrita criativa. Quando se trata das produções de cunho mais literário, por assim dizer, procuro manter uma rotina sistemática, mas confesso que não consigo escrever todos os dias, devido a carga de trabalho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em geral, meu processo de escrita está associado ao que se passa à minha volta. Um fato, algo que alguém me conta, uma lembrança, alguma leitura, canção ou filme que me toca de alguma forma. Na maioria das vezes o ponto de partida é desencadeado pelas miudezas do cotidiano. Quando o tema é bem familiar a escrita inicial segue de vento em popa. Quando o que me atrai é algo menos conhecido, procuro ler outros textos que já trataram daquela temática, seja na esfera literária ou não. Nunca tive muita dificuldade em começar a escrever, no meu caso sinto que as dificuldades se concentram mais em como concluir e refinar os textos que escrevo. Eu considero que esse processo de “cortar a gordura do texto”, extrair o excesso, é a parte mais difícil.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tudo isso vai depender muito da natureza do projeto, do prazo e do grau de engajamento com a proposta. Levei muito tempo para entender que a produção escrita não é algo para poucos iluminados ou para mentes coroadas. Hoje compreendo a escrita como um ofício como qualquer outro que demanda dedicação contínua, estudo, disciplina, regularidade, aprimoramento, além de um exercício contínuo de leitura e escrita, mediados por inúmeras releituras e reescritas. Principalmente no caso das produções ligadas à esfera literária, onde a questão central não é tanto sobre o que você vai escrever, mas como vai escrever. As travas surgem, porém, há muitos exercícios e técnicas que podem ajudar nessas horas. Toda escrita envolve um grau de reflexividade crítica, por isso, mesmo quando não estamos escrevendo, estamos realizando uma espécie de artesanato intelectual necessário para organização, planejamento e desenvolvimento de um determinado texto. Quando essas ideias avançam a escrita destrava.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O processo de revisão é fundamental, acredito que é o pulo do gato para uma boa escrita. Geralmente escrevo a primeira versão do texto, depois leio e releio inúmeras vezes a partir de diferentes critérios que envolvem tanto a forma, quanto o conteúdo. Quando não consigo enxergar mais nada envio aos amigos, para que eles me ajudem a reler o texto com outros olhos. Esse processo de revisão só termina mesmo quando se esgota o prazo, porque a cada nova leitura surgem novas ideias e ajustes a serem feitos. Dizem que os editores de Guimarães Rosa tinham de arrancar o livro de suas mãos, caso contrário, ele não parava de reescrever sua obra. Se o próprio Guimarães agia assim, imagine nós, pobres mortais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os textos que preciso produzir quando trabalho são escritos diretamente no computador. Quando se trata dos meus ensaios de produção literária as primeiras versões são sempre escritas à mão. Só depois são digitadas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias surgem das mais variadas fontes, pode ser da leitura de outros textos, de uma memória, da escuta de conversas alheias, pode ser disparada por uma canção, um filme, por antigas angústias, pela ânsia por novas experiências, pelas dificuldades que estamos atravessando naquele momento, por fatos corriqueiros. Para quem está atento há sempre sobre o que escrever. Acredito que a criatividade se alimenta da observação curiosa do mundo. O Otto Lara Resende tem uma crônica linda chamada “Vista Cansada”. Neste texto ele fala do quanto de tanto ver não vemos, afirma que: “O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade”. Neste sentido, acredito que para manter a criatividade precisamos refinar nosso olhar para mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa mudou, com o passar do tempo percebo que fui refinando minha escrita, tanto no campo das produções mais acadêmicas, quanto também no processo de escrita criativa. Creio que conforme nosso repertório de leitura (do mundo e dos textos) vai se ampliando, vamos aprimorando cada vez mais nosso jeito de escrever, construindo um certo estilo de escrita. Hoje quando releio textos antigos que escrevi percebo nitidamente os avanços. Em contrapartida, alguns vícios ainda me perseguem, por isso a necessidade de investir fortemente na revisão textual. Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, diminuiria a minha ansiedade em concluir o texto, deixando ele depurar um pouco mais e certamente para redobrar os cuidados com a revisão.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um livro sobre “histórias que só a sala de aula conta” praticamente pronto que pretendo publicar. Gostaria muito de escrever uma coletânea de histórias vividas na escola, só que do ponto de vista das crianças. Quanto ao livro que gostaria de ler e que não existe seria uma obra que reunisse os grandes escritores consagrados, contando sobre os livros e textos que não publicaram.