Wagner Triani é poeta.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, em primeiro lugar, eu escrevo de maneira amadora. Trabalho como corretor de imóveis todos os dias, inclusive na maioria dos sábados, domingos e feriados. Então não vivo da escrita, mas escrevo porque preciso, faço de forma espontânea, desafiando os meus limites. Não sou graduado e sou um leitor muito aquém do que gostaria, mas descobri quando adolescente o gosto pelas palavras e pela nossa língua e isso me fez trilhar o caminho da escrita, sobretudo da poesia, como forma de expressão mesmo. Penso que a poesia é uma expressão artística do ser e isso não lhe pode ser acrescido por nenhum título nem lhe retirado pela ausência deles. Claro que quanto mais culto for o poeta, mais ferramentas ele tem pra desenvolver sua poesia, mas o ser humano dá sempre um jeito de fazer as coisas. Não se pode dizer que a poesia é algo restrito aos acadêmicos e aos literatos. Não há como negar a poesia visceral, essa feita à margem do mercado literário e também nas periferias e divulgada de maneira independente nas redes sociais têm o seu valor. Há poetas espocando em todos os cantos e meios. Eu, por exemplo, encontrei o veículo chamado Instagram. Comecei a escrever e publicar diariamente no meu Instagram. Como disse, uso as ferramentas que tenho pra desenvolver uma forma de linguagem, a minha maneira de fazer poesia e me comunicar com o leitor. Se eu ficasse esperando chegar no grau de cultura dos poetas que admiro nunca teria começado. Posso dizer que me sinto expresso pelos poemas que faço e isso me deixa satisfeito. Penso que a poesia sabe bem quem é a pessoa da qual ela está se utilizando pra vir ao mundo. E cada um que recebe essa missão tem sua maenira de realizá-la. Assim, a medida que fui publicando, percebi que as pessoas curtiam, passavam a seguir a página e essa coisa toda. Daí me surgiu o convite para publicar em livro os poemas que eu publicava no Instagram. Foi a partir do lançamento desse livro que eu mudei minha visão sobre a missão de escrever. Posso dizer que fui compreendendo melhor o real valor da poesia e da pessoa dentro do fazer poético e sigo com essa ideia, escrevendo quase que diariamente desde então. Fiquei um período curto afastado, mas foi só pra resolver umas questões pessoais, depois voltei e aqui estou até hoje.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse na resposta anterior, se posso ser chamado de poeta, sou um poeta amador e, como tal, escrevo em meio ao caos de cada dia: entre um telefonema e outro, entre uma tarefa e outra do trabalho, entre o atendimento aos meus clientes, no trânsito, na hora do almoço, assim… O poema não me avisa quando quer ser escrito. Ele surge e pronto. Enquanto não o escrevo, não consigo me concentrar em mais nada. Ele, o poema, chega a ser até inconveniente em certas ocasiões. Temos uma relação bastante franca (eu e a poesia) e por enquanto temos nos entendido bem. Não tenho um lugar certo pra escrever nem uma hora certa, uma condição X ou Y. Eu ando na rua, no transporte público, no trânsito da cidade. Estou por aí e é assim que o poema surge e é escrito e isso influencia muito o quê e como escrevo. É curioso, mas a ideia pode surgir em qualquer horário, nas mais variadas circunstâncias. Isso acontece de maneira compulsiva mesmo. Corto um dobrado pra conseguir escrever. Mas quando tenho um tempinho, à noite, e posso me dedicar ao prazer de escrever, pra mim é como se fosse comida. E não só no sentido figurado, não. Escrever, sobretudo poesia, me alimenta. É assim que sinto: ao mesmo tempo que a deixo esvair-se de mim, ela me alimenta. É uma mecânica de reciprocidade que sempre existiu entre mim e a escrita. Quanto a ter um ritual, eu não tenho, mas quando o tempo me permite escrever e quero aproveitá-lo mesmo que não tenha a menor ideia de como, vou escrevendo uma ou outra palavra que surge na mente. Jogo na tela. Às vezes escrevo um poema inteiro e deleto. Outras vezes uma palavra puxa outra, que chama outra e vai-se construindo uma trama em torno do que a sensibilidade do momento toca. E tem vezes que eu leio algum ou alguns poemas pra ver se me inspiro, se surge uma ideia. No fim, é assim que descubro poetas, assim que acesso a poesia. Sou nascido e criado na periferia da zona norte de São Paulo. Estudei em escola pública. Tive a felicidade de conhecer a poesia na sétima-série (na época era essa a denominação), então com treze anos, num trabalho da escola. Minha professora apresentou uma introdução sobre poesia, leu alguns poemas, explanou sobre eles e pediu para que cada aluno fizesse um poema. Sem saber, aquilo era material para ser selecionado e enviado à Secretaria Municipal de Ensino, que promovia um concurso de poesia em toda rede pública da cidade. Bom, meu poema foi o selecionado da classe, da escola, da regional e ficou em segundo lugar naquele concurso. Eu nem sequer sabia o que era poesia. Ouvia falar e achava que sabia, mas só fui descobrir mesmo fazendo. Aprendi o que era quando escrevi um poema. Desde então escrevo. Há gavetas e gavetas cheias de poemas meus por aí.
Uma pena que, pra não dizer todos, a grande maioria da minha classe, da escola que eu estudava e de todas as outras que participaram do concurso naquela época, nem sequer lembram dessa aula, entende? Assim é que funciona com a esmagadora maioria dos jovens. Não tínhamos e ainda hoje não se tem aula de literatura, menos ainda poesia pra molecada da escola. É uma lástima! Com a riqueza que é nossa língua, quantos lindos poemas não deixaram de serem escritos pelos muitos poetas que nunca foram revelados?
Não posso ser chamado de literato, muito menos intelectual, mas me dou o direito de escrever, usando da melhor maneira que posso a linguagem que domino pra me comunicar. Prefiro o atrevimento de escrever à frustração de ficar esperando a melhor oportunidade. A pesquisa, o estudo e o aprendizado são eternos e vão-se misturando e se influenciando ao longo do caminho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No meu caso, eu me comprometi publicar pelo menos um poema por dia. Há dias que publico mais de um e outros que passam em branco. Mas, como relatei antes, em algumas oportunidades consigo reservar um tempo para escrever. E quando estou sentindo a inspiração aflorada, o texto flui de uma vez. Assim, escrevo e guardo o material para ir publicando. É como uma reserva para os dias sem tempo ou de nenhuma inspiração. Alguns eu guardo para um livro que estou planejando lançar, com poemas num formato diferente, formato de livro, que, pra mim, é a melhor experiência de leitura de um poema.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bom, isso se aplica mesmo a quem escreve contos, crônicas, novelas ou romances, de carreira ou amadores. Poetas não tem toda essa disciplina, pelo menos não consigo imaginar essa disciplina no processo criativo de um poeta. Brinco que a poesia usa outro nervo. É tesão mesmo. Tesão de criar através da escrita e de expressar o que é abstrato na concretude das palavras através da arte. É uma compulsão mesmo e produzir assim é uma loucura e a satisfação de ver o resultado soa quase como um orgasmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas são normais. Eu procuro deixá-las pra lá. Vou fazer outra coisa e quando menos espero já estou na frente do computador ou na tela do celular, escrevendo. Isso acontece com todas as pessoas que escrevem. Não há como eu procrastinar porque escrevo por necessidade, então é tudo pra já. Quanto a corresponder às expectativas, isso foi bem no início. Depois o próprio ato de escrever vai ensinando que o importante é a sinceridade e o emprenho de quem está se propondo a fazê-lo. Só assim o poema pode arrebatar alguém. É meio que um compromisso consigo mesmo o de escrever algo com alma. A poesia está em tudo. Só nos cabe reconhecê-la e trazê-la a público. Por isso poesia é imediata: aquela sensação que surge e precisa ser expressa imediatamente. Pode-se escrever um livro numa só noite ou levar um ano…esse é o barato da coisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso meus textos, primeiro para que não hajam erros de português. Acho importante o compromisso com a língua através da qual me expresso. Erros gramaticais, de concordância, de pontuação, enfim. Sou muito crítico com isso e me exijo bastante. Quanto ao poema em si, muitas vezes sinto vontade de aparar algumas arestas e acrescentar alguma coisa, mas não é uma regra. Quando se deixa um poema guardado é porque não se tem certeza de que ele é a expressão fiel do seu sentimento. Às vezes falta ou sobra alguma coisa pra que tudo faça sentido pro autor. É normal. Assim como tem alguns poemas que nascem de repente e eu os publico na mesma velocidade. Eu mostro meus poemas pra minha namorada, que inclusive também escreve e facilita as coisas. Mostrar pra ela que também já tem esse olhar crítico quanto à língua portuguesa. Ela é afiadíssima. E como ela também escreve poesia, a reação dela ao ler o meu poema me diz muito sobre ele. Contudo não é também uma regra. Como se diz no popular, meu processo de escrever é como transportar uma carga de melancias: vai-se ajeitando no caminho.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Durante muito tempo só escrevia à caneta mesmo. Rabiscava pra caramba, cortava, acrescentava e depois passava a limpo, à maquina. Eu tinha uma Remington portátil que ganhei dos meus pais quando passei pra oitava série. Veja só que presente?! Eu tinha treze anos. Faz muito tempo. Hoje não mais. Uso o computador preferencialmente e o celular quando não tem jeito e preciso escrever naquele momento. Sobre a minha relação com a tecnologia, diria que é bem básica. Uso muito pouco dos inúmeros recursos e possibilidades que a tecnologia oferece. Como optei em publicar no Instagram, sei o suficiente pra fazer isso. Não uso as ferramentas nem os meios pra conseguir mais e mais seguidores, mesmo porque, a poesia sempre foi e será marginal. Ela nunca vai dar picos de visualização, de audiência ou de venda pra ninguém… Aqui no Brasil então… Quero que quem acompanhe a página o faça pelo valor daquilo que publico. Claro que, por ser um ambiente de interação, pode e deve acontecer uma aproximação maior com esta ou aquela pessoa que aprecia o que eu faço e produz conteúdo também. A gente se acompanha, se lê. É uma relação de reciprocidade. A internet é um ambiente em que essa marginalidade encontra abrigo e ao mesmo tempo exposição. Nela podemos nos expressar sem depender de quem quer que seja e estar ao alcance de quem consome determinado tipo de conteúdo e isso inclui a música, a literatura e a poesia. No caso da poesia, eu digo que ela é para todos, mas nem todos são para ela. O mundo vasto da imaginação poética se condensa no pequeno mundo dos que se dispõem a materializá-la.
Dessa forma, meu relacionamento com a tecnologia permanece básico até que alguma necessidade me faça aprender um pouco mais. Já arrisquei montar e postar um vídeo recitando um poema, publiquei uma entrevista minha pra um podcast de literatura, procuro trabalhar alguma imagem ou efeito no fundo em que escrevo o poema, essas coisas. São experimentações que estimulam o aprofundamento nas ferramentas da tecnologia. Agora está em voga as famosas lives e tals. Surgindo a necessidade, a gente buscando as soluções de modo natural.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da minha observação de tudo o que acontece ao meu redor e da reflexão que cada coisa mínima me causa. Minha poesia é bastante imagética e, caso fosse classificá-la em alguma das muitas vertentes que existem na poesia, diria que se parece com as de estilo surrealista. Tudo o que vivi, em todas as áreas, em todos os momentos, tudo é matéria prima pra que a poesia se expresse. Gosto de fazer poesia muito também porque, dentre os demais exercícios da escrita, ela é a que mais me faz sentir a serviço do que eu estou fazendo. Penso que essa é uma boa forma de definir. Por isso, penso que quem gosta de fazer poesia é naturalmente impelido a consumir poesia. É um circulo virtuoso que se vai criando e quando se dá conta você está inserido nesse mundo. Então, acredito que um hábito que ajuda a se manter criativo á apreciar também a criação alheia. Ler a viajar na obra enquanto criação artística, deixando-se impactar sem medo. Apreender a poesia daquilo que foi captado pelos seus sentidos é que é o barato. Isso estimula a criatividade de maneira natural. É só ler um texto do Murilo Mendes, do Roberto Piva, apreciar um quadro do Basquiat, ouvir um solo do Hendrix… A poesia está ali.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Penso que o que mudou, além da forma de fazer, é o modo de encarar a poesia, de me encarar como poeta. Ainda não me intitulo poeta. Acho esse um termo muito particular. Pra mim vai além daquele cara que escreve poemas. Essas denominações de Wikipédia pra mim não funcionam. Poeta é alguém que já é íntimo o suficiente da poesia. Que a chama de você. Que se relaciona com ela na sua intimidade. Eu tento seguir um caminho que acredito que me leve a esse estado de espírito. O estado de poeta. E nesse caminho fui aprendendo a afinar o sinal da mensagem com minha veia poética. Respeito o modo como o poema se anuncia: versos curtos, versos imensos, com rima e sem rima, com e sem métrica, com ritmos distintos. Hoje escrevo de um jeito diferente do que quando iniciei minha página. A essência continua mesma, mudou a forma de construir a ponte entre o poema e o leitor. Pode ser através de imagens, de um sentimento atingido em cheio pela construção conflitante de um verso, na musicalidade das palavras, no ritmo alucinante… São muitas as maneiras de se fazer poesia e penso que o que mudou pra mim foi esse entendimento. E eu não me pouparia de ter essas descobertas por nada. Por isso não diria nada a mim mesmo sobre meus primeiros textos. Foram eles que me deram o entendimento que tenho hoje. São testemunhas desse processo de amadurecimento. Foi buscando estudar e aperfeiçoar a minha escrita que fui conhecendo autores, conhecendo estilos e experimentando com liberdade que fui encontrando o meu jeito de escrever, meu jeito de fazer poesia. Jeito esse que, por sinal, está sempre se reiventando.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho um projeto de lançar um livro misturando essas linguagens todas: poesia em texto, concreta, em imagem, som. Mas é uma viagem ainda, uma ideia que precisa de muita consideração pra ser viável. Quero que tenha uma linha de pensamento interligando as linguagens todas e isso não é simples. Mas quando o negócio tem que ser, a gente acha o fio da meada e faz. Passa a mensagem. Mas isso demanda bastante tempo. Tempo que eu ainda não tenho. Mas ainda farei isso.
Um livro que eu gostaria de ler e ainda não existe é o meu próximo. Tenho um material pronto e estou compilando mais um aqui e ali que estão descansando na gaveta virtual do meu PC. Há algumas editoras independentes na cena literária de São Paulo que são independentes o suficiente pra publicar ilustres desconhecidos como eu. Esta semente já tá prontinha pra germinar. Vamos ver como ficam as coisas nessa bagunça que está o mundo, ainda mais aqui com esse desastre de governo que se instalou no país. Vamos resistindo e fazendo poesia.