Vitória Machado é escritora, estudante de Letras pela UERJ.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Achei a primeira pergunta um pouco engraçada e curiosa, que é se eu tenho uma rotina matinal, a resposta é não. Me perdoem, mas creio que quem pensa que escritora é quem passa horas se dedicando ao ofício, e escrevendo todo dia está um pouco equivocado. Para ser sincera, nem eu mesma me considerava escritora. Foi nesse processo louco de pandemia, digo que brinco de rabiscar, que vi que posso sim me afirmar como escritora, não preciso ganhar um prêmio, isso são honras do trabalho. A escrita precisa ser sentida, vivida, lida, então eu pesquiso outras escritas por gosto, misturo as minhas vivências, e como sou escritora independente eu escrevo no meu tempo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Penso que de madrugada produzo melhor, não sei, porém quando vou dormir as ideias para escrever me parecem que gritam e pedem: “Me escreva”, levanto e começou apertar as teclas do celular sem tanta preocupação com o que virá. Contudo creio que essa tal de “inspiração” não existe, a escrita é tudo aquilo que sinto durante o dia, as trocas com quem me relaciono, o suco de laranja que desce gostoso, e me causa sensações de prazer. Admito que tudo o que sentimos do mais belo ao mais doloroso possa ser compartilhado e para mim, que escrevo, é necessário transpassar ao “papel”.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta diária para escrita; escrevo textos pessoais e que não desejo postar e outros que preciso, pois penso que em algum lugar alguém também compartilha desse sentimento. É estranho, ao menos para mim que ‘’brinco’’ de escrever me assumir aos 20 anos como escritora, tem horas que o medo paralisa. Até para quem não é escritor vejo que escrever é uma possibilidade para amadurar a imaginação e deixar o nosso “eu” florescer. É um processo. Almejo escrever todos os dias, ainda não é o caso, como escritora e também como pessoa, para assim trabalhar o “Quem eu sou?” – presumo que seja a pergunta que faremos até o final dos nossos dias, já que estamos em constante evolução, e também como a minha escrita funciona, julgo que muda a cada texto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na escrita uma hora eu estou superescritora e outra hora “será que eu sou boa” e não existe isso, existe só a escrita, o escritor não é secundário, é uma pessoa com sentimentos, todavia o que importa é a sua obra. Não escrevo para lucrar, escrevo desde dos meus 12, tenho 20 anos, escrevo para sobreviver. Todo mundo busca alguma coisa nesse mundo, seja uma profissão, a arte, como eu, para sentir que tá aqui, que se faz presente, e a minha escrita não ajuda só a mim, poderá ajudar a menina negra do cabelo cacheado/crespo que um dia se verá no meu conto infantil, até hoje não publicado, e em outros personagens construídos pela minha cabeça. Não é difícil começar a escrever, muitas pessoas não sabem como colocar em palavras o que sente, na minha visão desenvolver e continuar que é complicado, à autossabotagem está aí.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Que pergunta! Não escrevo, e me sinto muito culpada, frustrada, e volto a não me sentir uma escritora completa, não vejo que não escrever me permita sentir incapaz, pois dentro do meu coração, e com as minhas convicções ao ler, ao escutar uma conversa, em algum momento terei conteúdo para produzir o que almejo e o que me solicitarem. Escrevo mais para mim do que para o outro, essa é a graça, que o outro possa se encontrar na minha escrita, nos meios dos meus sentimentos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos acho que umas três vezes, mais pelo: “Será que tá bom?” que fica alarmante na minha cabeça, todavia não é assim, existem pessoas que vão gostar do meu estilo de escrever e outras não. Reviso a gramática, o sentindo, se está de acordo com o que estou tentando expressar, mas não pilho muito em ficar perfeito, não, não, não existe escrita perfeita, afirmo mais uma vez e mando, o famoso: “Seja o que Deus quiser” rsrs.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Amo, curso Técnico de Informática Para Internet, e escrevo por meio do celular, e a internet hoje em dia popularizou os textos de pequenos escritores, permitiu que Otávio Junior, escritor do livro: “Da minha Janela” lesse alguns textos meus, assim como a escritora Jarid Arraes, e que meus amigos compartilhassem meus textos para outros, a literatura chegando de forma acessível e até trazendo o anseio pelo gosto de ler. Por conta de gastar papel, creio que no computador é mais fácil e sustentável, de alguma forma produzir.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de todos os lugares, da minha formação política, quando escrevo sobre um rolê no Centro da Cidade onde um vendedor se desloca da periferia e precisa voltar com a meta (grana) no bolso, enquanto eu dava uma volta em um evento com pessoas que fingiam/não entendiam o que estava sendo exposto sobre diferenças sociais; meus textos vêm da minha vivência, da mais boba até a mais espetacular. Meus hábitos para criar é ler, estudar, não desistir de mim, a escrita não depende de mim, eu quem dependo dela, então não tem hábitos, eu preciso ir “atrás”, não, para frente rsrs.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No meu processo de escrita ao longo dos anos mudou a capacidade de criticidade. Sou crítica, e tento manter uma visão correta do que eu acredito. Tento não seguir a linha de um escritor europeu, busco emitir minhas raízes africanas onde posso, quero sentir que estou ativa da/na luta antirracista em algum ponto. Produzir um texto meu para os meus, meu texto ganhou maturidade com o tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Publicar o meu livro solo, o medo bate rsrs. Ah são tantos na minha cabeça, um livro onde as histórias são sociais e simultâneas, com enfoque para sensibilizar o meu leitor ao ponto que ele fique estagnado e pensando: “Caramba, essa mina me fez refletir com um texto tão simples, é preciso fazer algo para ajudar um pouquinho o mundo/alguém”. Vou acabar dando spoiler do que passa na minha cabeça, vou parar por aqui, muito obrigada pelo convite, beijos a quem leu até aqui.