Vander Vieira é poeta e professor, autor de “Dois” (Kotter, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotina matinal porque odeio a manhã (muitos risos). Nunca tive, por exemplo, o costume de tomar um café da manhã. Atualmente, acordo bem cedo durante a semana só com o tempo de tomar banho e ir para a escola onde leciono (sou professor de filosofia), e aos finais de semana durmo sem hora pra acordar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite, indiscutivelmente. Não tenho uma preparação exata, mas quase todos os meus poemas surgiram a noite ou no varar da madrugada, bem como a escrita de textos acadêmicos e da minha dissertação de mestrado, também avançava mais a noite. Como poeta, por vezes sou levado a escrever depois de ler algo que me impressiona ou de ver um filme que me toca, mas geralmente eu escrevo quando penso e quero escrever, quando me sento no computador ou abro um caderninho qualquer querendo “trabalhar” em algum texto, em alguma frase ou imagem poética. “Trabalhar” no sentido primevo da poesia, de produzir algo que não existia, de trazer à luz algo do nada, e que, pelo seu trabalho com a linguagem, se faz linguagem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo de maneira bem esparsa. Tenho épocas em que escrevo mais ou tento escrever mais, entretanto, completando a resposta da última pergunta, o poema não surge exatamente quando a gente quer. Quando digo que escrevo quando eu quero escrever, isso não significa que o desejo da escrita irá desaguar necessariamente em algo escrito, pronto, finalizado. É preciso deixar que a “coisa” escrita se torne coisa dentro do caminho, no seu tempo. Não no sentido místico ou resignado, mas pensando: o que faz um poema, uma tela, uma canção, estarem prontos? Não há uma resposta, só o tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como pesquisador de filosofia, que me dediquei principalmente entre 2013 e 2017, eu tinha uma dificuldade de começar artigos ou capítulos, de introduzir o que seria desenvolvido. Uma vez que passava dessa “arrebentação”, a coisa fluía bem entre o que eu buscava escrever e o que era fruto das leituras e notas que davam base à pesquisa. Acho que ter um pé na literatura, na poesia, também colaborou para a qualidade final dos textos filosóficos que escrevi.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre lidei com a pressão e com prazos com muita ansiedade, procrastinação e nervosismo, que faziam com que eu só conseguisse chegar ao que propunha a mim mesmo em cima da hora. Isso principalmente em assuntos acadêmicos e de trabalho. No caso da escrita da poesia, existem travas, momentos mais ou menos prenhes de algo a se dizer, e, para aqueles que são leitores antes de serem escritores, há uma expectativa subjetiva com o que se escreve, uma vaidade, um preciosismo, mas apenas com relação à qualidade, ao ritmo, ao acesso, à beleza do que se escreve, não com prazos e longos projetos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Isso é engraçado: há poemas em que uma certa frase se impõe como derradeira, em outros momentos eu sinto que o poema já estava pronto em algum lugar, a espera apenas do movimento que o escreve e o circunscreve como coisa pronta no mundo, outros ainda que precisam de várias leituras e tentativas de escrita até chegar a algo pronto (voltar à pergunta 3 rs). Mas todos eles são relidos diversas vezes, antes, durante e depois da escrita. Por vezes, mostro sim os poemas para alguns amigos que gostam de poesia, para sentir o poema em outra pessoa, ou pensar que há um outro sentindo o poema: só há poesia, via poema ou qualquer outro veículo, quando há um outro que se abra diante dela.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre questionei o tamanho, o alcance, a presença da tecnologia no meu cotidiano e na sociedade como um todo. Isso é tema de diversas aulas que ministro e de minha pesquisa para o Mestrado em Filosofia Contemporânea, na UFES, onde busquei uma reflexão de como poderia ser possível habitar o mundo de maneira menos predatória, não pautada unicamente em uma usura de tudo o que é mundo e natureza, sem os considerar como produtos à disposição do homem, esse ser racional tecnocientífico. À parte tal crítica à tecnologia como um todo, não é possível saltar sobre o próprio tempo. Uso muito a tecnologia para aulas, na vida pessoal e escrevo principalmente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vem de tudo o que vale a pena durante isso que chamamos vida, mas, nos últimos anos, vem principalmente de um viver que é um se indignar cada dia mais com os caminhos que nosso país, nosso povo e nosso tempo têm percorrido. Pensar que tantas possíveis boas pessoas, trabalhadores, gente como qualquer outra, como eu e você que me lê, pensar que tantos ratificam a barbárie econômica e política que dirige nosso país atualmente é muito triste. Muito triste perceber tantos considerando ser um “radicalismo” o desejo de que todo mundo tenha um prato de comida, tenha educação gratuita, crítica e de qualidade, tenha saúde pública e pungente, tenha direito a não ser violentado e morto pela sua cor, pela sua origem, pela sua identidade de gênero e nem por nada, enfim. Incômodo. É o incômodo com tudo isso e mais um tanto de coisa que tem movido minha escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que quanto mais vivemos, falamos, ouvimos, respiramos, lemos e escrevemos, mais chances temos de fazer tudo isso ficar melhor com o tempo. Não sei se a palavra é “melhor”. Realmente não sei. Mas sinto muito isso com relação ao que escrevo hoje e que está presente no livro “Dois”, lançado esse mês pela editora Kotter. O Sérgio Sampaio, o mais lindo cantor capixaba, dizia que: “não é vivendo que se aprende, Odete, mas é vivendo que se aprende a viver”. É mais ou menos por aí.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou engatinhando em um projeto de pesquisa de filosofia africana e decolonial, mas o tempo tem sido cruel. Mais que o tempo, o que fazemos do tempo é que é cruel. Mas uma hora vai acontecer. Gostaria de ler o livro “O triunfo do dragão do povo guerreiro contra santo mentiroso do mercado: a tomada de consciência proletária que derrubou o capital”. Não vale ser ficção!