Vagner Amaro é escritor e editor da Malê.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu praticamente não existo antes das 11 horas da manhã, é um período para ir acordando, fazer algum exercício físico, me atualizar lendo jornais. Tenho dificuldade de me alimentar neste período do dia. Quando por algum motivo sou acordado, então, o meu dia vira um caos, pois passo o dia inteiro com dificuldade de concentração e irritado. Quando preciso ir à rua antes das 7 da manhã, sempre me surpreendo como já existe uma vida com grande movimentação neste horário. Então, minha rotina matinal é tentar preservar o meu relógio biológico e ficar o mais quieto possível até de fato me sentir acordado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como editor trabalho melhor após às 13 horas, então posso ir até às 22h, 23h e até mais. Como escritor, escrevo melhor a partir do fim do dia e principalmente de madrugada, o meu livro de contos, Eles, foi todo escrito após às 22h, principalmente nos momentos em que estava exausto, é nessa fresta que a minha literatura entra, uma possibilidade escape e de muito prazer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. Vou desenhando o que quero escrever por um longo período, conhecendo os personagens, o que eles querem dizer, e depois escrevo, mas quando escrevo sempre me surpreendo, pois o que surge nunca é o que eu havia pensado anteriormente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu crio mentalmente um baú de referências. Ligo o radar e vou captando. Pode ser uma cor, uma letra de música, uma melodia, uma notícia, uma entrevista, uma conversa com um amigo, ou uma conversa que tive na rua com um desconhecido, ou uma conversa que ouvi, uma palavra, uma expressão. Então, inicialmente eu tenho um ou mais personagens, depois eu vou elaborando as situações que eles vão viver, em seguida abro este baú de coisas novas, mas também de muitas histórias, sensações, testemunhos, sons, que fui acumulando durante a vida. Algumas destas informações vão servir diretamente ao meu texto, outras, indiretamente e muitas outras eu descarto. Costumo dizer que a minha literatura é muito mais a de um expectador do outro, das relações humanas, que uma literatura das experiências que vivi.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Enquanto escrevo me preocupo pouco com as expectativas dos leitores, escrever pra mim é um exercício íntimo e de total liberdade, já quando eu divulgo o que escrevo, fico um pouco curioso, será que vai tocar alguém? Será que vão entender?
Eu tenho uma rotina como editor, como conselheiro de biblioteconomia e como doutorando de literatura que ocupa a totalidade do meu tempo. Então, acredito que não procrastino, eu realmente não priorizo o escritor, por entender que minha ação como editor é que mais comunica minha atuação na vida, que mais transforma de maneira sensível a realidade. Quando inicio um projeto literário, não travo, faço uma imersão e só me sinto tranquilo, quando o que precisava ser dito, o que precisava ser inventado, os personagens que não saíam do meu pensamento, desparecem. Eles desaparecem do meu pensamento logo que conto a história deles. E uma vez que a obra está pronta, até considero um pouco estranho comentar o que está ali, pois já não me parece muito meu. Me sinto um pouco outro depois de fechar um livro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu tenho um leitor inicial, e uma revisora inicial. Depois disso, modifico e acredito que nunca está totalmente polido. Com o meu novo livro, busquei o apoio de um leitor crítico e foi uma experiência muito positiva. A minha tentação inicial sempre é revisar durante toda a vida um único livro. Para não cair nessa tentação, prefiro entregar contos que considero inacabados. Inacabados pra mim. É uma tentativa torta de lidar de maneira saudável com o meu texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo poemas no bloco de notas do celular e contos no notebook.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu acredito que as minhas ideias vêm da minha sensibilidade, da estranheza que sinto diante da vida, das relações humanas. Eu acho tudo muito estranho, e impressionante que a cultura sirva para naturalizar coisas estranhas, nocivas, tóxicas. Então, as relações humanas sempre foram um objeto de observação do meu interesse. E desde a infância eu me sinto um pouco como um estrangeiro em qualquer lugar. Acredito que as minhas ideias vêm desse espanto com o mundo. Por outro lado, sou um apaixonado pela arte, por cinema, literatura, artes plásticas, teatro, dança… Consumir arte contribui para a minha criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria, saudades (risos). Eu reli recentemente um conto que escrevi com uns 18 anos e achei tão bom aquilo! Tão bem feito, tão redondinho. Atualmente o meu interesse é em escrever contos e principalmente experimentar outras formas de contar, muito inspirado em experiências cinematográficas e no uso de “elipse narrativa”. Então, eu diria para o escritor de 18 anos, liberte-se!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos projetos ainda não tive tempo para começar, um deles é uma novela que se passe durante uma roda de samba. Eu gostaria de ler romances protagonizados por jovens negros, por jovens negros gays e trans, e que nessas narrativas a heteronormatividade não fosse um padrão de desejo. Descontruir os padrões da sociedade no texto literário é um exercício muito difícil e gostaria de saber que romancistas estão dispostos a isso.