Toinho Castro é poeta.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Quando se trata de escrever, não tenho qualquer organização. Sou meio caótico na vida e na escrita não seria diferente. Tenho sempre várias ideias que circulam na minha cabeça, no meu computador, nas conversas com amigos… eventualmente algo se concretiza num texto, crônica, conto ou poema. Gosto de ter as ideias e rascunhos girando ao meu redor.
Falando de projetos, tenho pelo menos três diferentes projetos de escrita se mexendo aqui comigo. Um livro perto de ser finalizado e que teima dificultar que isso aconteça. Uma outra coletânea de poemas, com fotografias e o que tenho chamado de “romance epistolar”, que to escrevendo com uma amiga, numa ponte de cartas entre Brasil e Portugal.
Não prefiro ter coisas assim simultâneas. É algo que pode acontecer ou não. Uma coisa que tento preservar é a rotina das letras… de alguma maneira, em algum momento de todos os dias, escrever algo, uma linha que seja, ou ler um trecho de um livro. Nunca me afastar da literatura.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Deixo que flua. Nunca planejo nada. Enquanto escrevo, nunca sei exatamente o que virá em seguida. Tem uma ideia muito geral, que dispara o processo. Mas gosto de me surpreender com o que estou escrevendo. Muitas vezes paro, leio o tanto que escrevi e penso: como cheguei até aqui. Escrever, pra mim, é como andar pela cidade, a esmo. Caminhando e reconhecendo esquinas, lugares e se se surpreendendo constantemente com o inesperado do caminho.
Quanto à frase mais difícil, creio que é mesmo a última. Difícil se desapegar desse passeio por um mundo que vamos criando, para encerrá-lo em si mesmo. Difícil terminar um livro. Sempre é mais fácil começá-los. Comecei inúmeros livros que nunca verão a luz do dia.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Minha rotina, se é que se pode falar assim, é tentar escrever um pouco todo dia. E gosto de escrever com música. Prefiro também escrever à noite, quando os ruídos do mundo, dos afazeres e obrigações cotidianas, inclusive dos trabalhos para levantar aquela grana, cessam.
A noite é esse momento meu com minha escrita. Pode ser que eu nada escreva, e apenas leia o que já escrevi até ali… o importante é não perder a conexão.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Escrever não é minha profissão. Ou melhor, não é meu meio de ganhar dinheiro. Então não tenho exatamente a obrigação de escrever cotidianamente ou de modo programado. Se estou travado, me deixo estar um pouco travado. Respeito esse momento, que faz parte do processo. Mas fico ligado nisso, pra não me perder. E muitas vezes, esse travamento é em relação a um projeto, enquanto outro flui normalmente. E também imagino, mesmo que eu não esteja efetivamente escrevendo, tem uma espécie de subtarefa literária rodando na minha cabeça, sabe?!
A hora de escrever vai chegar, sempre tenho fé nisso, porque é algo do território das vontades, do desejo. Isso chega, de um jeito ou de outro, e se impõe.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O mais trabalhoso é o livro no qual estou trabalhando agora! Ele tá teimoso e escrevê-lo é um enfrentamento danado. Falta pouco, mas esse pouco é um desafio. Por um lado ele está tortuoso. Por outro lado, custa-me encerrá-lo… muitas noite abro o Google docs no computador e fico encarando ele… releio, mudo uma coisa ou outra e vou avançando aos poucos. Outro dia finalizei um capítulo que estava emperrado… que felicidade. É também o que mais me orgulha, porque é a consolidação de antigos desejos e visões. Então ele é central em tudo que escrevo.
Em dezembro de 2020 publiquei um livro chamado Imbiribeira, uma reunião de crônicas e poemas sobre o Recife, a cidade em que cresci, vivi. Meu bairro, memórias da família e amizades, das ruas e pontes, e dá um orgulho sim de vê-lo materializado, num volume de 100 páginas. Orgulho de olhar pra sua capa e ver o tanto que ela diz, antes mesmo que se abra o livro.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Eu tenho uma amiga, a Anne. Brinco sempre que é pra ela que eu escrevo. Digo que brinco mas é meio a sério; gosto de escrever e mandar pra ela. E se ela gosta, eu fico feliz, porque ela é o tipo de gente que eu quero gostando do que escrevo. Mas bem sei que o leitor é sempre o inesperado e chegamos a quem menos imaginamos. E o que a gente quer com um livro, nem sempre é o que o livro quer. E ele está livre para encantar a quem quer que seja.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Não tenho muito pudor e estou pronto para mostrar meus rascunhos, compartilhar e ouvir opiniões. E sim, tenho algumas amizades a quem recorro, a quem escuto. E, claro, tem a Anne! rsrsrs
Quando estava para publicar o Imbiribeira, ao revisá-lo, fiz uma leitura completa dele com minha companheira, a Raquel (que foi responsável pela capa e projeto gráfico do livro) e essa leitura e ouvir como o livro chegava até ela,foi essencial para chegar à sua forma final.
Outro dia enviei umas páginas e de um projeto novo para outra amiga, a Flavia. E foram tão bons seus comentários, não no sentido de fazer isso ou aquilo, mas de ter uma troca de percepções, visões e histórias que ajudam a gente a pensar melhor e mais fundo.
Faço questão de nomear essas pessoas porque elas são importantes, fazem parte do processo de escrita, da rotina criativa. O Aderaldo Luciano, poeta, tem sido um grande leitor das minhas páginas rabiscadas e um incentivador do meu fazer. om ter tanta gente, né, com quem contar na hora de escrever um livro. Sem o apoio e a insistência dele o Imbiribeira não teria acontecido.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Muito cedo me interessei pela leitura e pela escrita. Eu lia os livros e achava que poderia fazer aquilo, queria mesmo fazer aquilo. Criar frases, mundos. Lidar com a palavra. Sou um apaixonado pela palavra. E acho que fui bem cuidado nesse sentido, pelos meus pais, pela minha família. Havia acolhedor às vontades artísticas… acho que não há nada que eu gostaria de ter sabido antes, no começo. Acho que ouvi o que era necessário ouvir, inclusive no que diz respeito às dificuldades desse caminho. O que era mais importante ouvir, eu disse a mim mesmo o tempo todo: Escreva.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não sei se tenho um estilo. Deixo que quem quer que seja decida isso. Não me preocupo em criar um estilo. Devo muito a Jorge Luis Borges, enquanto leitor. Nos seus livros aprendi muito sobre o escrever, e do quanto este está ligado à leitura. Aprendi com ele, sobretudo, que eu não precisava escrever um romance. Acho que trago Borges na minha escrita, e também Ray Bradbury. Agora, com certeza, ficaria feliz se alguém reconhecesse nos meus escritos o encantamento que encontrei nos livros de Maria José Dupré. Na raiz de tudo que escrevo estão A ilha perdida, A mina de ouro e A montanha encantada.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Eu sempre recomendava Julio Cortázar, Borges, Cecília Meireles…. Mas tá bom, né? A gente precisa recomendar coisas novas e vibrantes. Recentemente li (e publiquei na minha revista online de cultura, a Revista Kuruma’tá) uns poemas de Micaela Tavares, lá de São Luís, do Maranhão. Que coisa linda de se ler. Então hoje, eu recomendaria o livro dela, que está pra sair e que tem esse título que é uma riqueza: Tenho reparado nos ipês pela cidade. Recomendo também o livro O fantástico romance da Arca de Noé e outros cordéis,do poeta e cordelista que muito admiro, Edimilson Santinni. Ler Santini e acompanhar seu trabalho é um aprendizado da poesia e do fazer poético.