Tobias Carvalho é autor de As Coisas, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2018.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente pego meu celular e leio uns blogs de crítica de música. Depois lavo meu rosto e vou comer. Um café com leite, uma banana e uma fatia de pão, enquanto dou uma olhada no jornal. É bem ritualístico mesmo. Sinto que falta alguma coisa se não sigo esses passos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tarde da noite e de manhã cedo são bons horários. Dizem que nas bordas do sono a mente funciona melhor. Acho que é mesmo o período mais criativo.
Não tenho ritual para escrever. É frequente que eu bote algum disco para tocar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meta? Não, eu não funciono desse jeito, até porque, até agora, nunca trabalhei com prazos para escrever um livro. Sou totalmente o autor que escreve em períodos concentrados. É claro que, se há um projeto em vista, existe uma disciplina que vem da motivação. Acho penoso tentar escrever sem ter tido uma ideia antes. Às vezes dá certo, e a ideia vem na metade do texto, mas eu prefiro que haja um objetivo, a imagem de uma obra finalizada ao fim de um processo que, desse modo, não requer uma meta diária. A motivação faz com que dê vontade de dobrar a meta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É engraçado. Meu livro de contos exigiu alguma disciplina, mas a maioria dos contos foi escrita sem uma noção de quando e onde as histórias acabariam. Nunca fiz uma pesquisa intensa em algum assunto que eu queria incorporar na escrita.
Meu romance — apenas comecei a escrever — está vindo de um processo bem diferente. Como quis brincar um pouco com estrutura, logo vi que seria inútil, ao menos ao objetivo de agora, começar a escrever sem antes planejar. Me lancei a anotações, esquemas, diagramas, tratei de pensar os meandros antes de começar a execução, e gostei. É outra maneira de encarar a criação, e o resultado com certeza vai ser diferente. Talvez me dê mais segurança. Ou não. Veremos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei. Acredito que não tenho travas, ou que o que se chama de travas é só não ter encontrado ainda a imagem certa. Vale mais ir procrastinar mesmo.
Minha ansiedade ao escrever vem de não conseguir alongar uma cena. Tenho dificuldade em fazer contos longos, por exemplo.
Vou dizer isto, no entanto: gosto mais de ler do que de escrever. Muito mais. 10x mais. Me sinto gastando melhor o tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Um milhão de vezes. Quanto mais eu reviso, mais eu reviso. E continuo encontrando erros, inconsistências, inseguranças, expressões que me incomodam. Levei meu livro à diagramação e continuei riscando e riscando e riscando, até que uma hora resolvi desapegar.
Acredito que um tempo de gaveta sempre faz bem ao texto. Existe um descolamento entre o impulso inicial do autor e o resultado final da obra, e não conseguimos ver isso sem tomarmos um passo para trás. Ou mostrar aos amigos, aqueles que criticam sem dó. Gosto disso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
As anotações são em papel, mas o texto é sempre no computador. Fica mais fácil de editar. Escrevo no Google Drive.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De qualquer lugar. Minhas ideias surgem de estímulos externos, de estar com um mote na cabeça (o enredo do romance, por exemplo) e tentar colar estímulos nele. Meu processo criativo é normalmente assim, tentando fazer sentido do que é aleatório e agregando ao mesmo espaço temático.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ele ficou mais consciente, prestando atenção ao narrador, atento aos artifícios que podem facilitar minha vida. Se eu pudesse voltar e conversar comigo mesmo eu diria para eu ler em dobro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Fico obcecado pela fixação dos estadunidenses pelo Great American Novel, esse romance que conteria o zeitgeist dos Estados Unidos por meio do panorama de uma época, como alguns disseram ser Pastoral Americana e Liberdade. Isso sempre me fez pensar: o que falta para que tenhamos um Grande Romance Brasileiro? Talvez isso tenha sido feito já pelo João Ubaldo Ribeiro ou pelo Antonio Callado, mas faltava um atual, um que falasse da bolha de consumo da era Lula, da euforia dos anos 2000, da decepção que veio depois. Claro que há romances que trataram desses assuntos, mas todos muito de perto, sem o distanciamento histórico e o intento em fazer um painel amplo.
Claro, soa como uma ideia idiota e pretensiosa e inexecutável. Mas é só uma ideia. Quem sabe daqui a 50 anos, quando eu me sentir apto.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Acho que trabalhar com um projeto por vez é melhor para dar atenção a tudo com o devido cuidado. Começo a semana fazendo uma lista de metas que quero cumprir, mas não me atenho tanto a cumprir essa meta à risca. Só o gesto de traçar planos me ajuda.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Há pouco tempo, li um livro sobre escrita que me convenceu a produzir de maneira mais livre: Palavra por palavra, da Anne Lamott. Essa autora recomenda um exercício criativo de escrever sem saber onde tudo vai dar, de modo a conhecer os personagens ao longo do caminho. Pode parecer bobo isso de “conhecer” os personagens, deixar que eles “tomem vida”, mas incorporar isso me deixou mais tranquilo com a escrita. Deixo que o texto vá para lugares inesperados na hora da escrita; planejar tira um pouco do prazer para mim.
Acho que a primeira frase é mais difícil. Depois que começa e encontra-se o tom, é mais fácil de seguir. E claro que todo mundo quer um bom começo e um bom final para o texto, mas se eu tivesse que escolher só um para ser muito bom, ficaria com o começo.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Tenho momentos de muita produtividade e outros de seca. Aprendi a não lutar tanto contra isso. Não acho que trabalhar com arte e criatividade seja como qualquer trabalho. Não que seja melhor ou pior; só tem outro funcionamento. Tem dias em que apenas não consigo.
Quanto ao silêncio, preciso me desconectar do resto do mundo, sim, mas ouço música enquanto escrevo.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Tentei várias coisas. Acho que é importante encarar a página como uma pequena tarefa. Às vezes pensar muito no projeto como um todo atrapalha o trabalho do aqui e agora, que é simples.
Mas tem dias que não sai nada. Bom respeitar isso também. Pelo menos parei de me frustrar.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Vem livro novo por aí, se tudo der certo, em 2021. Preenche as duas lacunas.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Os temas são sempre os que me interessam, e o leitor ideal sou eu também. Se sinto paixão pelo que escrevo, fica bem mais fácil, e a chance de ser bom é maior quando o tema vem naturalmente.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Quando termino o primeiro rascunho, já fico com vontade de mostrar logo. Para mim, é esse o momento em que os insights dos outros podem ser mais úteis. Mando para alguns amigos, alternando para não cansar ninguém.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Difícil dizer um momento, porque acho que já me dediquei à escrita em níveis diferentes. Quando escrevi As coisas, me dediquei de uma maneira até então inédita, porque pela primeira vez eu quis escrever um livro inteiro, e para isso precisaria de tempo e dedicação.
Os livros são documentos de quem o autor era em uma certa época. É comum ler textos antigos e sentir vergonha, ou pensar: hoje eu teria feito tudo diferente. Mas e daí? Não sei como teria sido se eu tivesse feito tudo diferente. E está tudo bem. Posso olhar para o passado e sentir que escrevi do melhor jeito que podia naquela época. Estranho seria se eu não mudasse de lá pra cá.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Os autores que me atraem mais hoje são os que não reivindicam um estilo tão marcado. No começo, fiquei em dúvida se queria ir por esse lado, que me parecia mais natural, ou apostar em um estilo mais vistoso. Optei pelo jeito simples, que me agrada mais.
Eu diria que o Haruki Murakami foi o autor que mais me influenciou. Devo bastante a ele.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Li O morro dos ventos uivantes da Emily Brontë há pouco tempo e me encantei. Obra-prima sob todos os aspectos.
De brasileiros, os melhores livros que li nos últimos tempos foram Os supridores, do José Falero, e O avesso da pele, do Jeferson Tenório. Tenho recomendado a torto e a direito.