Tino Freitas é escritor, mediador de leitura, músico e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina. Se estiver em casa, sem compromissos oficiais, acordo normalmente as 7h. Assisto ao noticiário do rádio ou TV, ouço um pouco de música, leio (de tudo) sempre na companhia de um café (puro, sem açúcar). Mas devido às viagens a trabalho (eventos literários) e/ou visitas às escolas, tudo isso pode ser alterado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente me sinto mais ativo a partir das 10h da manhã.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todo dia. Às vezes passo dias sem escrever. Escrevo mais quando a ideia já está encorpada, daí me concentro e escrevo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Estou o tempo todo atento às “histórias” ao meu redor. Como se fosse uma TV que está no modo standby, com aquela luz vermelha acesa… de repente, uma cena, uma frase, uma notícia acende a luz verde e corro para anotar a ideia. Algumas histórias (como A Tromba, il. Debora Barbieri, Casa BabaYaga) se resolvem em um dia (da ideia, ao texto e ao esboço do que virá a ser o projeto gráfico – pois penso muito em como o formato físico da obra pode ajudar a comunicar ainda melhor a história). Às vezes (como em Leila, il. Thais Beltrame, Abacatte, o texto sofre mutações, pois exige, além de um conceito estético, muita pesquisa, conversa, avanços e recuos até se encontrar o melhor caminho para se estabelecer um diálogo criativo entre texto e imagem) são anos de criação. O difícil e o fácil transitam o tempo todo em lugares os mais distintos (as vezes é difícil a pesquisa, outras, transformar a pesquisa em texto literário… às vezes é o contrário). Não há um padrão.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Gosto de explicar esses momentos para as crianças como se fosse um jogo de videogame. Escrever é divertido, apesar dos monstros que se tem que vencer, domar, etc. Vez em quando a gente não descobre de imediato como é que passa de fase nesse jogo. Exige mais concentração, tempo e estudo. Então a gente dá uma pausa, vai fazer um lanche, ler um gibi, passear com os amigos e depois retoma o jogo. Não é simples, mas a gente descobre como passar de fase. E tudo isso faz parte do processo para que a construção da ideia de prazer que é, para mim, escrever. Mesmo quando a escrita demanda um tema mais sensível. A ansiedade está sempre presente. Saber como o livro se transforma em verbo ao encontrar o olhar do leitor. Mas não é uma coisa que incomoda. Convivo bem com ela.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio muito meus textos. Deixo de molho um tempo. Não há um número X de revisões. Mas sempre é preciso um tempo de maturação para uma releitura descontaminada do calor da criação. E, sim, tenho sempre alguns leitores a quem confio meus originais e ouço com atenção o que eles têm a dizer.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Se estiver em casa, escrevo à mão os primeiros rascunhos. De preferência, usando lápis.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leio sempre. Muito. Poesia, Romance, Contos, Crônicas. Leio ainda mais as obras de Literatura Infantil. Ensaios sobre o tema. Estudo um tanto. Mas me provoco a ir aonde possa encontrar as crianças e observá-las em movimento: Parque da Cidade, filas dos cinemas, hora do recreio, quando estou nas escolas. As ideias passam sempre pelo que alcança o meu olhar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se tem uma coisa a destacar nesse processo é a paciência. Tudo precisa de um tempo para maturar. Sou muito mais paciente que há 10 anos. Havia ali uma urgência em escrever histórias e, mais, vê-las publicadas. Tive a sorte de que o próprio tempo me mostrou que não é assim que as boas histórias – em sua maioria – se eternizam.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sobre o projeto, penso em algum momento parar tudo para pensar um projeto musical para as crianças. Gravar um disco, produzir um show. Reunindo música e literatura.
Sobre o livro, eles existem, mas não em português. Então, gostaria de encontrar no Brasil traduções dos livros de Jack Zipes, um grande pesquisador de contos de fadas, um dos meus temas de estudo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
No meu trabalho como escritor há dois caminhos possíveis: um projeto pessoal que toma forma no seu tempo, sem amarras, sem rotina de escrita; e outro quando me contratam para escrever sobre determinado tema. No primeiro caso, me sinto mais confortável para deixar fluir, para que a história encontre seu próprio ritmo. No segundo, sinto a necessidade de mais planejamento, pois normalmente envolve um prazo para a entrega dos textos. Em resumo, o prazo imposto, implica em mais planejamento. Sem prazo, mais liberdade para a minha criação. Em ambos os casos, muito estudo, leituras, erros e acertos até chegar ao ponto final. Sobre começar e terminar, tudo é difícil. Mas há vezes em que “um sopro” chega de surpresa e a história começa quando eu nem a esperava.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não organizo. Passo dias sem escrever. Passo um fim de semana inteiro escrevendo. Mas estou sempre apto para escrever a partir das 10h da manhã e após um bom café (sem açúcar). Mas estar apto não significa que vou escrever. Estar apto pode significar um dia inteiro lendo, ouvindo música, uma saída para caminhar no parque da cidade… Às vezes acordo no meio da noite para anotar uma ideia que chegou. Me levanto, anoto a ideia e vou dormir novamente. Ou me levanto, anoto a ideia e sigo escrevendo, escrevendo… Não organizo a semana.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O desejo de escrever me motiva. Manter as contas em dia me motiva a escrever. Ser o gerente da minha agenda caótica me motiva a escrever. Fazer mais amigos me motiva a escrever. Mas há um desejo maior, algo que cabe num cantinho utópico no meu coração: de que as histórias que escrevo possam emocionar os leitores. Decidi ser escritor quando, após anos trabalhando como mediador de leitura voluntário no projeto Roedores de Livros (Ceilândia -DF) tive o desejo de que algum dia, em qualquer lugar, alguém fizesse o mesmo que eu fazia (ler com / para o outro), com a diferença de que fosse com um livro de minha autoria.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não acho que tenha um estilo próprio. Mas se há humor no meu texto, a inspiração foram os textos de Sylvia Orthof. Se há crítica social em meus textos, certamente minhas conversas com Elvira Vigna me inspiraram a buscar também esse caminho. E se, aqui e ali trabalho com o Picture-book, livros em que há uma relação intrínseca entre texto e imagem, certamente fui inspirado e aprendi muito pelos livros e encontros com Odilon Moraes.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Os Bichos Que Tive, de Sylvia Orthof (ilustrações de Gê Orthof, Salamandra) apresenta contos sobre bichos de estimação. A autora tem um humor inteligente que emociona ao mesmo tempo a criança e o adulto. E isso é MUITO difícil de alcançar. É dos meus preferidos. A Pontinha menorzinha do enfeitinho do fim do cabo de uma colherzinha de café, de Elvira Vigna (il. Simone Matias, Positivo). A primeira edição foi da editora Miguilim com ilustrações de Ana Raquel. Nessa obra, em que um filhote de pássaro cai do ninho e precisa de ajuda para sobreviver, a autora critica, com sua inteligência aguda e arte literária, os que infantilizam a literatura infantil como “livrinho” para crianças (olha o exagero de diminutivos no título), mostrando, com rica metáfora, como esse gênero pode “salvar vidas”. Por fim, Lá e Aqui, de Carolina Moreyra, ilustrado por Odilon Moraes, é uma aula sobre como contar uma história num Picture Book, em que o texto e a ilustração conversam o tempo todo, com o leitor.