Tiago Velasco é escritor e doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, autor de Petaluma (Ed. Oito e Meio).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo por volta das 7h, dou ração para os gatos, limpo a areia deles, lavo a louça da noite anterior e, então, faço café. Em seguida, acordo a minha mulher e tomamos café enquanto lemos notícias. Enfim, um início de dia prosaico.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu não sei bem, mas acho que à tarde. Pela manhã talvez eu renda menos, acho que acabo perdendo o foco navegando por sites, olhando e-mails. Só não gosto mesmo de trabalhar à noite e de madrugada. Costumo dormir cedo.
Não tenho ritual algum para a escrita. Se estou escrevendo, apenas dou prosseguimento à escrita, mesmo que isso signifique escrever quase nada. Fico olhando para a tela do computador, esboço algumas frases.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias. Seria ótimo reservar um tempo para escrever diariamente. Quando se faz isso, creio que se consiga escrever mais e melhor. Escrever é um exercício. A disciplina ajudaria. Percebo que em momentos em que a escrita vira uma rotina, as ideias surgem com mais facilidade. É como se criasse um ambiente propício à criatividade e ao trabalho. Mesmo sabendo disso, não consigo escrever diariamente. A realidade é que há momentos bastante produtivos e outros, talvez maiores, afastados da escrita. O último ano foi dedicado a escrever a minha tese de doutorado, defendida em abril. A tese tinha um formato de escrita poética/criativa. Ainda assim, a escrita foi aos trancos. Cheguei a ficar um mês sem escrever nada. Nesse período da escrita da tese, ficava exultante quando conseguia escrever cinco páginas em um dia. O normal, porém, eram duas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Até escrever a tese, que também é uma escrita ficcional, eu só escrevia contos, textos de menos fôlego. Então quando eu tinha uma ideia para um conto, começava a pensar sobre, mas sem anotar nada. Quando conseguia um final, aí, sim, iniciava a escrita. A ideia é que eu tenho que saber onde tenho que chegar, mesmo que o fim mude ao longo do percurso. Para uma narrativa curta, então, eu precisava do fim e de mais uma ou duas situações importantes que deveriam aparecer na história. Tendo isso, eu começava a escrever. Digitava umas frases simples, meio genéricas, mas que poderiam gerar alguma ação. Nos contos, gosto de começar já no problema, no conflito. Dá um ar um pouco esquisito ao início, funciona como forma de prender o leitor, chamando-o para tentar compreender o que está se passando.
Já na escrita da tese, um texto bem longo, eu imaginei uma estrutura, mas não fiz nenhum esquema formal, não escrevi essa estrutura. Como o texto é autobiográfico/autoficcional e eu já sabia de antemão que escreveria ele ao fim do período de doutorado, anotei certas coisas em caderninhos, tirei print de algumas conversas no bate-papo do Facebook, guardei e-mails, ou seja, montei uma espécie de arquivo. No momento que a escrita começou, o trabalho de arqueologia ou curadoria da própria vida se misturou à criação, à montagem, à transfiguração da vida em literatura, que cria uma outra vida, a romanesca. Foi um processo diferente, com pesquisa teórica, com busca por referências, coisa que até então nunca havia feito para escrever ficção.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que lido mal. Quando não tenho um prazo, eu realmente deixo rolar, não ganho dinheiro escrevendo ficção, então tento fazer com que a coisa seja prazerosa, por mais difícil que seja escrever. Agora, a tese era um projeto longo, minha primeira incursão no romance, tinha um prazo para entrega e ainda era preciso corresponder às expectativas da banca (fora as minhas, que são implacáveis, sou quase um carrasco comigo mesmo). Então, quando eu não conseguia escrever, tentava atacar em outras frentes necessárias ao projeto, como ler, pesquisar e fazer fichamentos. Tomava isso como uma espécie de preparação, de ambientação. Isso aplacava um pouco a minha angústia de não conseguir escrever, dava a sensação de que eu estava trabalhando no projeto – e de fato estava.
Acho que todo escritor passa por esses momentos de ansiedade e dúvida sobre a qualidade do próprio trabalho. Eu confesso que só acreditei que havia escrito algo bom depois do feedback da banca e de alguns amigos, leitores que considero bastante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu costumo revisar ao longo do processo. Toda vez que retomo a escrita, leio o que escrevi antes e mexo. Com contos, isso funciona muito bem, já que o texto é curto. Claro que sempre que olhar novamente para o texto, mexerei em algo. Então, há uma hora que tenho apenas que aceitar e publicar.
Com a tese, algo em torno de trezentas páginas, além desse processo, precisei ler ela toda ao fim para cortar repetições, acertar coesões, melhorar frases. Mas foi uma revisão para corrigir detalhes, coisas pequenas, mas que dão o acabamento necessário para que um texto tenha qualidade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tanto na tese quanto no conto Petaluma, de meu livro Petaluma (Ed. Oito e Meio), talvez por serem autoficcionais, eu anotei fragmentos em um caderninho. No entanto, considero que escrevo mesmo no computador. Se não fosse o Word eu não escreveria. Minha letra me irrita, eu não tenho organização suficiente para escrever à mão. O bom do Word é que o primeiro parágrafo pode virar o quinto, bastando, para isso, copiar e colar. Isso me permite sair escrevendo e, nas releituras, acertar as coisas de forma simples.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm da vida, da realidade, dos filmes, das exposições, dos livros (ficcionais e teóricos). Na verdade, da minha percepção sobre essas coisas que me atravessam. Sou bastante estimulado por teoria e por filmes. Ah, e pela minha mulher, Mariana Destro, que é artista visual. Ela me apresenta muitas coisas que eu não conhecia, conversamos muito sobre poética, nossos interesses. Ela realmente me estimula muito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Se eu pudesse falar algo para mim, seria: calma, no fim as coisas dão certo, tente se divertir mais durante o processo. Mas sei que isso não adiantaria nada ou, na melhor das hipóteses, muito pouco.
Hoje escrevo de forma mais consciente em relação ao ato da própria escrita. Também estou bem menos iconoclasta ou talvez tenha mudado a forma como a minha iconoclastia aparece, de modo que me soa menos juvenil. Acho que escrevo melhor mesmo, como se tivesse havido uma lapidação. Os interesses também mudaram desde que comecei a escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Depois que terminar de adaptar a tese para ser publicada como ficção, já tenho uma ideia para uma novela ou algo do gênero. Será um texto curto, com algum rigor formal, uma dureza meio estranha, mas sem hermetismos. Vamos ver se consigo iniciá-lo antes do outro ser publicado. Tenho dificuldade de iniciar novos projetos antes de o anterior finalmente chegar ao público.
Sobre o que gostaria de ler e não existe? Não sei, o que não existe desconheço completamente. E tudo bem.