Thiago Lee é escritor, podcaster e ghostwriter, autor de “O mistério do carneiro de ouro” (Rocco, 2021).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu sou um cara bem analógico. Tenho uma agenda e um mural ao lado da mesa de trabalho com minhas atribuições da semana e vou me ajeitando de acordo com prazos e a carga de trabalho. Não consigo focar na mesma atividade por muito tempo, então sempre estou trocando de atividade ao longo do dia. Eu não prefiro ter vários projetos ao mesmo tempo, mas é o que acontece 99% das vezes, pois a vida de quem paga aluguel e faz jornada dupla de trabalho é assim mesmo (risos).
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sempre deixo fluir. Na divisão entre escritores jardineiros e arquitetos, eu pendo bem mais para o lado jardineiro. Tenho uma ideia geral do que quero com a história e começo a escrever, e quando eu sinto que o texto está começando a ficar bagunçado, aí sim eu paro e reflito um pouco sobre o andamento. Só então começo a estruturar em cima do texto que já tenho. Na maioria das vezes, isso significa ter que apagar tudo e começar do zero, mas eu não consigo simplesmente começar a estruturar sem ter escrito uma boa quantidade de palavras de antemão: eu preciso ter o feeling da narrativa antes de pensar no contexto geral. Quanto à dificuldade entre escrever início e fim, não tenho uma resposta concreta para te dar, pois eu reescrevo ambos diversas vezes até ficar do jeito que eu quero. Eu costumo reescrever o início muito mais vezes, porém me divirto bastante no processo. Adoro escrever inícios.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não sigo uma rotina muito bem estabelecida, novamente, por motivos de “preciso pensar primeiro em pagar meu aluguel”. Sempre irei priorizar meu trabalho, a escrita acaba sendo o que eu faço quando fico livre das minhas atividades principais. Ou seja, minha rotina de escrita depende muito da carga de trabalho, portanto fica difícil me planejar com antecedência. Quando finalmente arranjo tempo para escrever, pra mim não tem tempo ruim. Já escrevi dentro do metrô, ônibus, fretado, trem, em cafeteria, dentro de casa e até no avião. Eu só preciso de um fone de ouvido com alguma música instrumental para barrar o ruído externo e em alguns minutos já estou em ritmo de escrita.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Não (risos). A procrastinação é um problema sério para mim, que tenho transtorno de ansiedade. Eu não consigo focar numa só atividade, como já respondi em outra pergunta, e muitas vezes me pego abrindo redes sociais ou indo lavar louça sem motivo aparente. A forma que eu lido é tentando colocar prazos nas minhas atividades, e criando condições que me forcem a cumprir esses prazos. Sempre que me sinto travado, eu tento ao menos escrever ideias aleatórias no meu caderninho, até que meus dois últimos neurônios consigam fazer uma sinapse e pensar em algum conceito bacana para uma história. Se o bloqueio acontece no meio de uma escrita, eu sempre tento reler o que fiz até pensar numa forma legal de dar continuidade à narrativa.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O Homem Vazio foi um livro que era pra ser um conto, depois se tornou dois livros diferentes, depois se juntou num só livro com dois protagonistas. Deu muito trabalho, não só na parte criativa, mas também logística. Eu tinha prazos a cumprir, então precisava escrever no metrô, no ônibus, em casa, no intervalo de almoço… mas o que eu mais me orgulho de ter feito é o conto Quatro Cabras da Peste e Um Segredo, que saiu na Revista Mafagafo, pois acho que consegui combinar bem forma e conteúdo e criar uma narrativa super peculiar.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Muito do que eu escrevo parte de coisas pelas quais eu estou passando. Temas como solidão, finitude, família e medo são super presentes na minha obra. Então, independente do elemento fantástico (sejam vampiros ou lobisomens) e da temática central (seja colonialismo ou preconceito), sempre irei falar de sentimentos que me tocam no momento. O leitor ideal inicialmente sempre sou eu mesmo, pois é a única expectativa sob a qual eu tenho controle, mas depois que o texto ganha o mundo, não há mais volta.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu sempre prefiro fazer um rascunho e depois uma segunda passada no texto antes de mostrar para alguém, pois meu primeiro rascunho é muito “cru”. Eu sempre envio trechos dos meus escritos para minha esposa e alguns amigos escritores lerem, além de minha agente literária. E sempre torço para que os feedbacks não sejam tão ruins, pois sei que essas pessoas vão criticar até o último fio de cabelo, se necessário (o que é ótimo!).
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu já escrevi coisas pessoais desde a infância, inclusive meu pai tem uma história em quadrinho que escrevi e desenhei aos cinco anos de idade (se chamava Turma do Xisto). Entretanto, escrevi um conto de fantasia em 2013 e mostrei para amigos, que gostaram do que viram. A partir daí, comecei a correr atrás de formas de publicar digitalmente meus contos e nunca mais parei. Quando comecei, gostaria de ter ouvido que tem muita editora picareta por aí que só quer saber de tomar dinheiro de autor. Talvez eu não tivesse passado por algumas situações desagradáveis no início da carreira.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
No começo eu tentava inconscientemente copiar estilos de autores que eu admiro. Entre eles: Marcos Rey, Agatha Christie, George R. R. Martin, Patrick Rothfuss, Haruki Murakami e Jorge Amado. Rothfuss e Martin me influenciaram bastante no início da carreira, pois é o que eu estava devorando bem na época que comecei. Só consegui começar a desenvolver um estilo próprio quando entendi que podia experimentar coisas novas e escrever sobre minhas próprias experiências e bagagem cultural.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Nós Somos a Cidade, da N. K. Jemisin. É uma fantasia urbana ambientada em Nova York, e com uma narrativa poderosíssima, recheada de ação e mensagens importantes, e que fogem do óbvio quando o assunto é fantasia. A cidade vive e estremece nos parágrafos da Jemisin.