Thiago Ambrósio Lage é escritor, professor, engenheiro e doutor em biotecnolgoia.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal varia um pouco de acordo com meus compromissos, mas em geral segue o protocolo básico de acordar, esperar minha alma voltar para o corpo, preparar e tomar um bom café da manhã, fazer minha higiene e correr para o trabalho. Geralmente no desespero porque não sou muito matinal, mas costumo ter algumas playlists para elevar o humor no percurso. Escrever é minha segunda ocupação, então meu dia é dedicado ao meu outro trabalho, o de professor. Em home office agora no tempo da pandemia eu tento manter um pouco essa rotina, com um grau de sucesso relativo (mentira, meus horários estão um caos, mas quero acreditar nisso).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou mais noturno, o que para a escrita ajuda, já que é o horário que tenho disponível para dedicar a ela. No meu mundo ideal eu dormiria sempre no meio da madrugada e acordaria no meio das manhãs, mas infelizmente isto não é possível. Não sei se é um ritual de preparação, mas gosto de dar uma olhada nos últimos parágrafos do projeto sendo executado e no planejamento se tiver algum. Mas isto pra mim já é compõe a atividade de escrita. E escrevo quase sempre bebendo alguma coisa não-alcoólica: água, coca zero, café, chá, chai latte.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Pela minha rotina e por ter trabalhado em textos mais curtos, eu escrevo em períodos concentrados. Até quando eu encarava o desafio do NaNoWriMo, escrever todos os dias era um sofrimento para mim. Dizem que o ideal é escrever todos os dias, mas entre as demandas do trabalho e os cuidados com a casa e a vida pessoal, nem sempre é possível. Acho que isto vem muito do ideal de viver somente da escrita, e aí sim faria mais sentido. Tenho optado por não me sentir mal por não escrever todo dia, pois a culpa é contraproducente. Prefiro focar em estar totalmente presente nos momentos em que posso escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Já acreditei que pesquisa e escrita eram momentos diferentes na produção de um texto, mas hoje a minha percepção é que são de certa forma simultâneos, ou melhor, intercalados de forma retroalimentada. Aguardar a pesquisa estar completa para iniciar a escrita não faz sentido pois o que determina que ela está completa, especialmente num mundo com tanto acesso à informação? Esta completude vem de o que o texto demanda, mas como saber todas as demandas do texto a priori? Sendo assim, acho que uma pesquisa inicial é necessária para se planejar a história e iniciar sua escrita, mas no decorrer do processo surge a demanda por novas informações que por sua vez exigirão novas pausas para complementar a pesquisa inicial. No processo de edição e reescrita ainda surgirão novas dúvidas que vão pedir novas pesquisas. Resumindo: pesquiso até ter uma boa ideia da minha história, se ela funciona. E depois sigo pesquisando em paralelo até a entrega.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Invertendo um pouco a ordem nas respostas, o problema com projetos longos é acreditar que são essenciais. Se causam tanta angústia, talvez o escritor se realize mais em projetos mais curtos, e é isto que tem acontecido comigo. Para mim, a ansiedade em projetos longos vem muito de um pensamento de investimento e retorno. O medo aqui é de gastar tempo, neurônios e acima de tudo a ideia em algo que depois pode não virar nada, nem mesmo ser publicado. Neste caso, acho que um bom planejamento e tentar tornar o processo em si mais prazeroso e relevante que o produto pode ajudar. Mesmo porque um bom livro oferece isso aos leitores: muito mais um passeio pelo processo que somente a liberação da tensão no ponto de chegada. Isso vale para qualquer empreitada que demande grande investimento de tempo. Sobre procrastinação, acho que até certo ponto ela é um mito, uma expressão que usamos para nos sentirmos culpados. Pode ser que não esteja procrastinando, que só esteja cansado. Ou pode ser alguma disfunção executiva e sinal de alerta para cuidar da saúde mental. Ou uma autossabotagem semi-inconsciente. Pode ser até descontentamento com o projeto ou as ansiedades lá do começo da resposta. Se lavar a louça é mais atraente que a escrita, lave a louça pensando na escrita e se questione porque não quer escrever. Em alguns minutos terá uma pia limpa e com sorte algum insight. Outra coisa que pode afastar de um projeto é ter que lidar com algo pontual mas desagradável. Alguma cena ou personagem, por exemplo. Neste caso, questione a necessidade deles e, caso devam permanecer, melhor fazer e ficar livre. Encare como algum colega de trabalho chato com quem tem que conviver ou alguma matéria de que não gostava na escola. Se não há opção, encare. E trava… ainda serve o conselho da louça, ou tomar um banho, ou qualquer trabalho manual ou doméstico. Conversar comigo mesmo de forma honesta sobre a trava é o que me ajuda.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tem um número fixo, depende do tamanho do texto e do estilo. Sempre passo para alguns amigos escritores darem uma olhada, da mesma forma que leio os textos deles. Ter esta rede de apoio é essencial. Em uma oficina eu ouvi uma expressão que levo pra vida: não existe texto pronto, existe texto entregue. No momento de trabalhar com o texto já escrito é bom ser criterioso, mas é péssimo ser perfeccionista. E se o texto for publicado de forma independente, considero imprescindível contratar os serviços de preparação com alguma pessoa de confiança.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço esquemas e anoto ideias soltas à mão, mesmo porque gosto de fazer diagramas e listas e sou bem visual. Mas para escrever, computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ideias vêm de todos os lugares. Vivemos imersos em informações, símbolos e estímulos, e em minha cabeça funciona muito como uma “gaveta da bagunça”. Ali tudo se mistura e eventualmente coisas se associam e agrupam de forma a ter uma semente de história. Mas eventualmente é necessário ter ideias a partir de um ponto, como para um edital, aí gosto de pensar em elementos que acho que se encaixam e construo a partir dali. Quanto aos hábitos, ler é indispensável. Tanto para perceber outras formas quanto conteúdos. E também viver, observar, ouvir, ativar todos os sentidos e tentar perceber padrões e conexões. Criar para mim é muito mais combinar o que já existe que conjurar algo do vazio. Talvez seja uma forma mais química de encarar a criação: reorganizar os átomos do que absorvemos e devolver para o mundo de outra forma, para outro artista vir e reorganizar depois.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que muita coisa mudou: foco, desenvolver uma voz narrativa, muito da forma, capacidade de planejamento… Acho que se pudesse me dar um conselho não teria muito o que dizer não, pois escrever só se aprende fazendo. Eu teria pouco a dizer que já não tenha sido dito por outras pessoas ou em qualquer manual de escrita. Talvez escrever mais seja um bom conselho, mas tenho escrito de forma até consistente dadas as minhas limitações.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Olha, ideia de projeto é o que não me falta, e tem dois ou três aí que eu gostaria de executar num prazo mais curto. Minha capacidade executiva ficou bem comprometida agora no período da pandemia, e são projetos que demandam atenção. Não vou colocar em detalhes aqui, mas seriam ficções científicas e uma releitura. Livro que eu gostaria de ler que ainda não existe é difícil, nem conheço todos os livros que existem. E acho que um pouco da graça da leitura é ser surpreendido: se o livro me der exatamente o que quero, pode ser que ele não me dê o que preciso.