Thássio Ferreira é escritor e editor-associado da Revista Philos de Literatura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia bebendo um grande copo de água. Costumo me exercitar pela manhã, e raramente começo a escrever antes de 10h ou 11h.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tem uma hora do dia em que trabalho melhor, nem tenho ritual de preparação específico, porém quanto mais tempo livre eu tiver ao sentar para escrever (ou às vezes começar a escrever em pé mesmo, à pia da cozinha ou à janela), melhor. De preferência em silêncio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro escrever com frequência, idealmente todos os dias, ou quase todos, mas nem sempre consigo, e não me cobro por isso de forma excessiva. A escrita (me) demanda uma certa disciplina, mas o tempo da criatividade é outro, ele tem seu próprio tempo. Há períodos em que a gente se sente mais fértil, mais inspirado. Fora os mil outros afazeres e prazeres que a vida tem. Até hoje não me impus uma meta diária de escrita, quem sabe quando eu escrever um romance.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A fagulha inicial da escrita costuma ser parecida entre poesia e prosa: uma ideia acompanhada de um trecho já estruturado, um estilo esboçado, que pode ser um verso ou um punhado deles, uma frase ou um parágrafo, até um diálogo. Mas o desenvolvimento do texto é bem mais longo quando escrevo prosa. Raramente escrevo um texto em prosa completo de uma tacada só, ao passo em que é o mais comum no caso dos poemas, mesmo que depois eu os revise sem pressa, muitas vezes alterando-os substancialmente. Mas o tempo de desenvolvimento do poema é o de surfar e desdobrar aquela fagulha inicial com a máxima intensidade, enquanto eu conseguir ou enquanto ela durar. No caso da prosa, posso demorar meses até completar um texto, desenvolvendo partes diferentes dele, reescrevendo. Então para mim o difícil não é exatamente começar, porque o começo é sempre algo que me ocorre, mesmo que não seja o começo do texto, pode ser o final ou um trecho “solto”. O difícil é moldar essa fagulha inicial em algo mais, que seja instigante, e encontrar o resultado final que me agrade. A pesquisa costuma vir ao longo do texto, em partes específicas, ou logo no momento inicial em que a ideia me ocorre e eu anoto todas as informações que podem guiar o meu trabalho posteriormente, os detalhes que envolvem aquela ideia. Mas não tenho um pré-requisito acerca de quanta pesquisa preciso antes de começar ou para prosseguir, nem em relação a detalhes nem em relação à estruturação prévia da história que eu quero contar. Às vezes começar um texto sem ter o final traçado, por exemplo, e permitir que o escrever em si me revele para onde a história vai, é uma delícia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Enfrentando-as. Vale para a escrita e para a vida: ainda não descobri melhor jeito de lidar com as travas, com o medo, com a ansiedade, do que enfrentando-os, buscando sempre afiar e polir cada vez mais as ferramentas com que espero fazer um bom trabalho e escrevendo e reescrevendo, escrevendo e reescrevendo…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Incontáveis vezes. Literalmente, porque mesmo depois de considerar um texto pronto eu posso revisá-lo por n motivos e reescrevê-lo n vezes, inclusive depois de publicá-lo. Mas claro que depois de publicar a tendência é alterá-los menos. E assim como as possibilidades de revisão e reescrita não terminam nunca, não há um método quantitativo de revisões para considerar um texto pronto. Em geral depois de poucas revisões eu o considero completo, no sentido de que eu provavelmente o publicaria, naquele momento, daquela forma, mas eles seguem eternamente sujeitos a revisões, cuja profundidade também não tem limites. Gosto de mostrar meus textos a outros antes de publicá-los, mas não é um diálogo que eu tenha muito. Estou trabalhando na intensificação dessa rede.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Acho a tecnologia bastante útil para nos permitir escrever em variados momentos e contextos. Uso todos os recursos disponíveis conforme a adequação. Em geral os primeiros rascunhos são no celular ou num caderninho que costumo ter quase sempre comigo. Mas se eu estiver em casa é provável que já inicie o texto, em prosa ou poesia, direto no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias podem vir de lugares muito diversos. Tenho uma certa inclinação a me sentir mais inspirado quando em contato com a natureza, e, quanto mais íntimo esse contato, mais distanciado do ritmo da vida cotidiana, mais propenso eu me sinto a ter alguma ideia, mesmo que a ideia não venha daquele momento ou do ambiente em que estou; pode ser a canalização de algo que eu tenha observado antes. E essa observação inicial, essa fagulha, que pode ser um elemento único ou uma reunião de elementos na minha cabeça, de um determinado jeito que eu nunca tenha reunido antes, esse momento pode vir de praticamente qualquer lugar. Como o contato com a natureza me inspira bastante, e me é prazeroso para além da escrita, é algo que eu cultivo, assim como a curiosidade em observar o mundo ao redor, as pessoas, as paisagens, os ângulos, as cores, às vezes simplesmente olhar para um determinado objeto por um tempo estendido, para além da mera utilidade do olhar, pode desencadear algo. É importante deixar que a mente vague, e cultivar esse poder da mente em vagar sem rumo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A maturidade da escrita se aprofundou. Felizmente, e como era de se esperar, né. Se eu não sentisse uma maturação do estilo acharia que algo está errado. Tanto em prosa quanto em poesia eu sinto que a preocupação com os efeitos da linguagem (sejam beleza, estranheza, o que for) aumentou, durante a própria escrita. E o apuro para construir um texto mais impactante, que não seja apenas mais um, também aumentou. Também sinto hoje uma preocupação e uma habilidade maiores com a sonoridade da escrita. E essa maturidade trouxe uma desegotização, no sentido de que hoje construo minha escrita –– na temática, no conteúdo e no estilo –– menos focada em mim. A escrita me é hoje algo menos personalista, menos um veículo de expressão pessoal e mais um instrumento para a construção de uma obra que interesse aos outros, e em última análise também a mim, não por ser minha, mas como me interessaria a obra de outra pessoa, como alguém deve se interessar pelo texto em si, independentemente do autor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho algumas ideias para romances, que ainda não aprofundei. Mas ainda vou escrever um, seja fruto dessas ideias seja algo totalmente novo. E esse romance (ou romances) que ainda não escrevi é o livro que eu gostaria de ler mas ainda não existe. Ainda.