Thaíse Santana é escritora, professora e pesquisadora, autora de Mulher-Palavra (Patuá, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Primeiramente, preciso dizer que em 2020, eu reelaborei o quadro de prioridades da minha vida profissional e coloquei a escrita nesse lugar de prioridade. Para além das minhas atividades de trabalho e estudo, eu passei a encarar a escrita como uma responsabilidade também. Desse modo, estabeleci algumas disciplinas, como escrever todos os dias de manhã. Eu acordo cedo, porque também durmo cedo. Então, consigo aproveitar melhor a manhã. Cuido de outros afazeres e também da escrita. Nem todo dia é bom para escrever, mas ainda assim, escrevo, nem que seja um pouco. Isso me ajuda a manter o compromisso que fiz comigo mesma. Os resultados são bons. Nos últimos dois anos, passei a escrever com mais frequência e segurança.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu escrevo de manhã, porque é o horário em que eu produzo melhor. De manhã, me sinto mais disposta e produtiva. O meu ritual de preparação para escrita é seguir a disciplina da escrita diária e matinal. Eu acordo, faço o que preciso fazer, e depois vou para o escritório escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Geralmente, eu escrevo todos os dias. E, muitas vezes, não me agrado daquilo que escrevo. Mesmo quando isso acontece, acho importante manter essa fidelidade com a minha escrita. Acredito que a constância contribui no nosso amadurecimento literário. Eu não tenho uma meta de escrita, mas de horário. Geralmente, reservo uma ou duas horas. Nos dias em que me percebo mais produtiva, dedico mais tempo para a escrita. A colheita é certa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não escrevo de maneira aleatória. Quando eu vou escrever, levo os meus cadernos e blocos de anotações. Ali estão registradas as minhas ideias dos projetos literários que eu quero construir, seja de prosa ou poesia. Faço a leitura de tudo. Às vezes, me deparo com coisas que escrevi e que não lembro. Isso é até bom, porque aqueles escritos podem ganhar outras significações. Depois que eu leio essas notas, o próximo passo é encarar a folha em branco e tentar preenchê-la com um poema ou história que eu goste de ler. Penso que o poema ou história que eu me proponho escrever, deve agradar, primeiramente, ao meu “eu” leitora. Ter essa consciência é fundamental. É claro que meu texto não vai agradar todo mundo, mas me agradando, já é um bom começo.
Iniciar a escrita é sempre desafiador. Sobretudo, a escrita ficcional. Parece fácil quando tenho a história já elaborada na minha cabeça, mas quando sento para escrever, constato que não é. Não é fácil, porque me deparo com a pergunta “como vou escrever essa história?”. Esse é, inclusive, um questionamento que diz sobre a literariedade de um texto, pois o que importa à literatura não é a história que eu quero escrever, mas como eu vou escrever essa história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Certa vez, fui convidada a participar de uma antologia literária que tinha uma determinada temática. Na ocasião do convite, eu não tinha textos para a antologia, mas aceitei participar, porque a proposta me agradou bastante. A partir disso, foquei na escrita desse texto. Nos primeiros dias, escrevi pouco e, ainda assim, não me agradei do que escrevi. Nos dias seguintes, a mesma coisa. Eu fiquei preocupada, já que eu tinha prazos a cumprir. Então, eu deixei a escrita um pouco de lado e fui realizar leituras de textos que abordavam a temática da antologia. Foi um exercício maravilhoso. Essas leituras me abriram caminhos e eu voltei à escrita. Depois de alguns dias, o texto saiu.
Sobre os projetos longos: quero escrever um romance. Já tenho as ideias e até o esqueleto da narrativa, mas não consigo iniciar a escrita do primeiro capítulo. Não sei se é porque estou envolvida em outra história (estou escrevendo um livro de ficção que pretendo publicá-lo ano que vem). Bom, fechando o parêntese, estou com dificuldades para escrever esse romance. No entanto, eu não me abalo. Se não veio, acredito que ainda não é tempo. A escrita requer paciência. Não posso impregnar urgência naquilo que ainda não quer acontecer. O que posso adiantar é que se trata de uma história muito bonita, que protagoniza personagens mulheres. Essas personagens são inspiradas em mulheres reais. Acredito que é uma história que valerá muito a pena ser lida. Só falta ser escrita. Risos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas. Às vezes, até enjoo do meu texto. Sinceramente, essa é parte que menos gosto. No entanto, é necessário. Sobre a segunda pergunta: quando eu comecei a escrever, escrevia para mim. Lembro que apenas duas vezes eu mostrei meus escritos. Mostrei alguns poemas a duas pessoas diferentes. Eu passei muitos anos escrevendo e guardando. Escrevendo e silenciando. Escrevendo e sangrando. Eu acreditava que o lugar de escritora não era para mim. Infelizmente, as discriminações nos impedem de reconhecermos as nossas potencialidades. Nos impedem de realizarmos os nossos sonhos.
Recentemente, eu comecei a publicar os meus textos. O ano 2020 foi um ano de uma reviravolta positiva na minha vida. Eu comecei também a mostrar um texto ou outro para algumas pessoas, antes de publicá-los. Ultimamente, eu estou escrevendo só ficção. Estou trabalhando no segundo livro que quero publicar ano que vem. O meu primeiro é Mulher-Palavra, um livro de poesias, publicado pela Editora Patuá neste ano de 2021. Bom, antes mesmo desse meu segundo livro sair, publiquei alguns textos na internet, num site para escritores. Eu informei essa ação nas minhas redes sociais. Convidei as pessoas a lerem e algumas delas leram esses textos. Além disso, fizeram comentários positivos. Eu fiquei muito satisfeita. Acho válido a gente colher essas impressões de leitura, independente se elas forem positivas ou negativas. O olhar do leitor nos ajuda a compreendermos o nosso próprio texto. Muitas vezes, também nos serve de guia. Um bom guia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu tenho cadernos de escrita. Neles eu escrevo textos, registro minhas ideias. Amo escrever à mão. Depois que eu conheci a literatura e vida da Doutora Carolina Maria de Jesus, então, mantive essa prática com muito gosto. Eu, realmente, amo escrever em cadernos. Também uso blocos de anotações. Tenho vários. Alguns eu comprei, outros, ganhei de presente de algumas editoras. Geralmente, os rascunhos de meus poemas são feitos nesses cadernos e blocos, mas também uso as “anotações” do meu celular, porque nem sempre tenho meus cadernos à mão. Certa vez, eu estava maturando um texto há muitos dias, isso na minha cabeça, e quando ele deu as caras, foi num momento em que eu não tinha cadernos, nem caneta. Quando isso acontece, eu recorro às “anotações” do meu celular e escrevo o texto nesse local. O meu livroMulher-Palavra (Patuá, 2021) foi escrito, inicialmente, nos cadernos. Eu usei o computador quando percebi que os poemas já estavam prontos, pelo menos para aquele momento. Daí, eu digitei tudo num único arquivo e fui organizando os textos em seções, até eles ganharem a cara do livro que eu queria. Minhas ficções já não passam pelos cadernos. Eu escrevo elas diretamente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias para a escrita são sobre as coisas que me afetam, positivamente ou negativamente. Pode ser um sentimento, um acontecimento, pode ser também uma determinada pessoa. Já transformei pessoas em personagens de alguns contos meus. A leitura é um hábito que também me dá boas ideias. Muitas vezes, eu escrevo e dialogo com personagens que conheci nos livros ou com emoções que experienciei através de alguma leitura. E esse diálogo é legítimo. Tão legítimo que, às vezes, acontece involuntariamente. A observação é outro hábito que eu cultivo, e não só para a escrita. Eu gosto de observar o comportamento das pessoas e o jeito que elas encaram a vida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A principal mudança foi escrever com frequência. Consequentemente, isso vem contribuindo no meu processo de amadurecimento literário. Eu gostaria de responder sobre o que eu diria a mim mesma, se eu pudesse voltar no tempo. Eu diria: “escreva e não se esconda”, porque por muitos anos eu acolhi o silêncio imposto. O silêncio que calava a minha Palavra. Felizmente, hoje o silêncio é linguagem e não mais silenciamento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero produzir um Sarau Literário aqui na cidade onde moro. Eu sou baiana, de Itabuna (sul da Bahia). Mudei para Sabará, Minas Gerais, um ano antes da pandemia. E esse ano (2019) foi muito corrido, porque eu trabalhava e ainda viajava toda semana, para assistir às minhas aulas de Doutorado, no Rio de Janeiro. Penso em produzir um Sarau que percorra vários lugares da cidade, sobretudo, as periferias. Quero levar poesia para as ruas. Quero conhecer as pessoas que fazem literatura, mas que não sabem que fazem. É um projeto para um futuro sem pandemia. Quanto à última pergunta, respondo que eu quero ler o meu romance. E aí eu finalizo esta entrevista com uma célebre frase da escritora Toni Morrison: “se há um livro que você quer ler, mas não foi escrito ainda, então, você deve escrevê-lo”.