Thais Laham Morello é psicóloga e escritora, autora de “Atum, o gato grato” (Carochinha, 2015).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Escuto e escrevo histórias todos os dias. Trabalho no meu consultório de psicologia de segunda à sexta e por isso meus começos de dias são quase sempre igual. Pura rotina. O dia começa cedo e vai até a noite, com intervalo longo de almoço, que é o tempo que costumo me alimentar, descansar ou fazer alguma outra atividade do cotidiano. Por isso, costumo escrever no pequeno tempo de espera entre um paciente e outro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo escrever nos momentos de espera, que é quando consigo tempo para dedicar à escrita. Quando um paciente falta, tenho uma hora de tempo livre que dedico para escrever em meu diário. Hábito pessoal e terapêutico, além de um ótimo exercício. Para a escrita profissional, não tenho um ritual de preparação de escrita, estou sempre atenta e com a antena ligada aos detalhes do cotidiano. Pode ser em casa com meus bichos, com o que acontece comigo e no consultório com as histórias dos meus pacientes, que são minhas maiores fontes de inspiração. Assim quando algo me toca, fico pensando por um longo período naquele tema, como uma digestão, e por ser autora de livro para criança, geralmente me acontece um título antes de desenvolver a história. Às vezes acontece de junto com o título aparecer um animal, como aconteceu com o meu primeiro livro publicado, o “Atum, O gato Grato” que foi inspirado no meu gato Atum. Esse título surgiu de uma brincadeira entre eu e ele, gostei da ideia e anotei no bloquinho. Então geralmente é assim que acontece, de maneira espontânea nas relações do dia a dia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não costumo estabelecer uma meta de escrita, já que não trabalho para alguém, tenho total liberdade de trabalhar sem a obrigação que geralmente os trabalhos exigem, mas costumo escrever e ler todos os dias como um exercício, é como ir na aula de dança, é prazeroso, mas também cansa e da trabalho. Então além de escrever nos momentos de espera entre um paciente e outro, gosto de escrever à noite e aos finais de semana. Quando concluo um novo original e tenho o aceite da editora, é quando entra possíveis prazos de entrega e o trabalho é mais de edição do que da criatividade. É quando realmente me aproprio que trabalho como escritora também.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uma escrita sem compromisso, onde elaboro minhas ideias. Escrevo primeiramente pra mim e pra mais ninguém, por isso escrevo em total liberdade. Rascunhos e digressões. Embora eu seja considerada uma escritora por ter alguns livros publicados, muitas vezes esqueço que tenho duas profissões, sinto a escrita uma necessidade pessoal, escrevo para lidar comigo, pra me entender e confessar. Escrevo dessa maneira desde criança e essa atividade virou hábito, diferente do meu trabalho como psicoterapeuta, onde precisei de uma formação acadêmica. Nos dois trabalhos uso como ferramente a palavra. Que brota do sofrimento, observação, pensamento, reflexão, imaginação, e claro, de pesquisa e estudos. A ida ao papel portanto, acontece de forma natural. Elaborações. Como psicóloga trabalho com adultos, e como escritora, meu publico forte são as crianças, embora sempre gosto de frisar que livro infantil pode tocar profundamente um adulto, assim como no consultório posso tocar a criança que vive escondida por trás de um homem feito. Por isso um trabalho ajuda o outro. Estão entrelaçados.
Eu fujo dos começos. É o mais difícil e desmotivador para mim. Como escrevo livros curtos e infantis, começo jogando no papel as ideias que tive sem pretensão alguma, apenas pra não perdê-las. Assim como as ideias brotam, elas também se evaporam, por isso ando sempre com um bloquinho de notas na bolsa. Às vezes demora um semestre todo pra surgir uma boa ideia, por isso digo que estou sempre em processo e nunca exatamente num começo. Quando a ideia vem, me surge em seguida um bom título, que me da energia pra “começar” a jogar palavras no papel. Depois do tema passo semanas pensando numa história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Costumo me lembrar de tentar escrever sem pretensão. É apenas um lembrete racional, muitas vezes atribuo minha produção literária a sorte, o que é uma contradição, nesse caso estou sendo irracional, pois cada projeto leva anos para ser concluído e exige bastante trabalho. Então tento respeitar meus bloqueios e ter paciência com o tempo, só o tempo pra amadurecer qualquer semente. Busco observar se aquele texto que escrevi me agradaria e sempre busco ler meus textos como se fosse o olhar de outra pessoa, se eu gostar, já é um bom tranquilizador.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando é um texto pra um novo original, leio milhões de vezes até enviar para a editora. Quando a editora aceita, vou trabalhando junto no processo de edição. Eu sempre mostro meus trabalhos pra algumas pessoas antes de apresentar a uma editora. Meu parceiro, minha mãe e alguns poucos amigos. Quando escrevo por pura rotina em meu diário, não mostro pra ninguém, eventulamente para a minha psicóloga.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo à mão todos os dias em minha rotina de escrita, assim como rascunho ideias e pensamentos em meu bloco de notas. Quando o livro começa a tomar forma, passo tudo pro computador e vou revisando e editando. Acho a tecnologia uma mão na roda, ajuda a divulgar o trabalho e ter acesso a cursos e outros escritores. Mas adoro escrever à mão e ler em voz alta. Pela voz consigo sentir o ritimo das palavras. Costumo depois de pronto o trabalho, esperar uma semana pra reler de novo, depois outra semana até sentir que está como idealizei e com uma sonoridade agradável. E pelo computador já consigo ter uma visualização do trabalho final, pois deixo o texto em formato de livro.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Observação nas coisas do cotidiano, leitura e autopercepção. Liberdade. Curiosidade pela vida e pelas pessoas. E também naquilo que acontece dentro de mim. Meus pacientes são minha inspiração diária.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Às vezes penso que quem deveria falar comigo hoje é o meu eu do passado, quando era menos exigente e mais livre, quando ser escritora era um sonho distante. Ela falaria: “que gostoso Thais, curta o processo”. Hoje eu falaria pra ela: leia e estude mais!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de realizar em meu consultório um grupo terapêutico através de leitura e escrita. Me falta tempo. Tenho vários projetos de livros em andamento, mas tem um em especial que gostaria de ler pronto, mas talvez nunca tenha coragem de publicar.