Thainá Carvalho é escritora e colagista sergipana.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de acordar bem cedo, entre 5 e 5:30hs. Amo esse horário pra escrever porque o silêncio em volta pertence a um dia que ainda não começou, e isso me acalma. Gosto de sentar na rede da varanda enquanto tomo café, cercada pelos meus gatos, pensando em alguns versos para um poema ou lendo um livro. Depois, faço minha comida e prossigo com as tarefas do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente, escrevo melhor na calma da manhã, antes de iniciar aquela correria do dia que vai exaurindo a gente. Não tenho rituais específicos, mas apenas consigo escrever no papel uma poesia cujos versos já estão mais ou menos desenvolvidos na minha mente. Se pego o caderno em branco com a mente em branco, nenhuma palavra sai de mim. Às vezes, me acontece de pensar alguns versos enquanto estou dirigindo ou tomando banho, e se o poema vai ficando muito bom ou muito longo na minha cabeça, é aquela correria pra achar um lugar qualquer para anotar e não esquecer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias dois poemas, pelo menos. Sejam bons ou ruins, senti que minha escrita foi melhorando muito à medida que me impus essa meta. Sempre me esforço para mantê-la porque não quero depender apenas da inspiração ou de um “dia bom” para escrever. Quero que minha escrita seja enquanto eu sou – a todo momento. Mas, quando acabo não conseguindo escrever os dois poemas, busco entender exatamente o motivo: o que houve hoje? acordei cansada ou ansiosa? Faltaram ideias? Tinha barulho demais? É importante compreender quando realmente não foi possível para não me culpar em excesso ou criar certa frustração. A única explicação que não aceito é “falta de tempo”. Já vivi muito da minha vida tratando a escrita como “hobby”, aquela coisinha boba e legal para se fazer na folga. Agora, mesmo que não seja minha principal fonte de renda, a escrita é minha prioridade e ela não será relegada a um segundo plano novamente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever é um exercício diário. Acredito no componente da inspiração, mas acho que a inspiração não pode mandar no escritor e aparecer quando quiser. Ela precisa ser condicionada e trabalhada por meio dos exercícios, leituras e estudos. Geralmente, desenvolvo meus poemas já para projetos específicos de livros ou para séries coesas de exposição gratuita do meu trabalho. Então, no processo de edição e finalização, não tenho muita dificuldade porque já tinha tudo planejado desde o início. Já a pesquisa para escrever poemas é uma investigação do sentir, é compreender o que sinto naquele momento, como isso pode ser traduzido em palavras. E se tenho dificuldades nesse processo, busco um poema que já havia escrito anteriormente ou de outra pessoa, que me ajude a trazer certa profundidade em mim à superfície. Quando empaco no meio do caminho, leio várias vezes em voz alta o que já escrevi ou começo a fazer associação de palavras para encontrar aquela que vai desfazer o nó (e como amo quando consigo usar uma palavra nova). Mas, na maioria das vezes, o poema já me vem de uma forma muito íntima, saltando pela boca.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já estou há um tempo sem travas (tenho até medo de falar isso e elas resolverem aparecer), mas o jeito para mim é continuar escrevendo qualquer coisa, mesmo que seja ruim e acabe não virando nem um aforismo aproveitável. Funciona sempre e logo o sistema está destravado. Às vezes, leio alguns poemas preferidos de outras escritoras pra ver se ativa o fermento dessa minha cabeça. Não tenho o costume de procrastinar o ato de escrever porque é a coisa que mais amo fazer durante o dia, é o meu momento de afeto comigo mesma. Mas acredito que escrever poesia é um processo mais fluido e menos desgastante do que uma prosa longa, por exemplo, por isso não tenho problemas com procrastinação. E sobre corresponder às expectativas, bom, tenho medo de até minhas respostas essa entrevista não serem o que se esperava! Mas confesso que gosto muito dessa adrenalina de jogar e sair correndo, sabe? Aproveitar quando estou achando bom um poema, por exemplo, e botar ele em algum canto logo, seja em um projeto de livro ou em algo já público. Sou ansiosa pra terminar todos os meus projetos, confesso. Quero fazer tudo ao mesmo tempo o tempo todo e fico imaginando como vai ser a reação dos leitores. Costumava, inclusive, deixar essa “busca pela reação” influenciar muito na forma como escrevia, tornando o processo da escrita um pouco artificial. Aos poucos, fui me condicionando para não cair nesse erro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Hoje, não reviso tanto a estrutura dos poemas. Em geral, já fico satisfeita com a quebra de versos quando escrevo pela primeira vez a poesia, e foco mais na pontuação quando vou revisar. Bom, falo isso hoje porque tenho um pouco mais de domínio da oralidade poética, mas antes de lançar meu primeiro livro em agosto de 2020, As coisas andam meio desalmadas, revisei muitas vezes cada poema e fiz muitas alterações estruturais e de palavras. Caí naquele erro de ficar revisando e revisando e revisando, sendo que quanto mais revisão você faz, mais erro você vai encontrar e, provavelmente, vai começar a achar toda a obra ruim. A prática e as leituras vão trazendo menos insegurança, e a revisão se torna o que deve ser: um processo mais pontual. Quando desenvolvo projetos de livros, eu sempre mostro para uma ou duas amigas poetas queridas, mas os poemas que escrevo para redes sociais e sites vão de mim direto para aos leitores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
“Antigamente”, escrevia apenas no computador e odiava escrever à mão. Mas meu laptop foi ficando tão lento para ligar, que comecei a usar pedaços de qualquer papel e, finalmente, cadernos (de preferência, um com linhas bem espaçadas, não sei explicar o porquê). Hoje, sinto que a escrita à mão é mais calma e fluida do que o tec tec contínuo do teclado. Na verdade, acho que acabei fazendo uma involução no meu método de escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ah, se eu soubesse de onde vêm minhas ideias, ninguém me segurava! Como já tinha comentado, vivo um constante exercício da escrita, mas a minha mente é muito difícil de se aquietar para que eu possa traçar seus caminhos. Não tenho hábitos específicos para cultivar a criatividade, mas sinto que preciso sempre estar variando meu repertório de músicas nacionais para ter sempre experiências diferentes com a oralidade. Ficar ouvindo o som das rimas, o ritmo das palavras cantadas, me ajuda muito, embora eu não entenda nada de música. Claro que as leituras influenciam bastante também, então eu sempre estou lendo pelo menos uns 5 livros diferentes, entre prosas e poesias, pra embasar o estado de espírito daquele momento. É tipo: “ah, Thainá, tá melancólica, hoje? Ótimo, vamo ler isso aqui que vai te ajudar a escrever uns poemas meio pra baixo”. Recentemente, comecei a desenvolver colagens manuais e sinto que isso vem influenciando bastante na minha criatividade e na minha escrita. Essa ideia de lidar com recortes e reconfigurações, criar imagens completamente diferentes do que elas eram originalmente, funciona não apenas na colagem, mas também na escrita: a palavra transforma.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O medo me mudou, em primeiro lugar. Apesar de rabiscar contos quando eu era adolescente, nunca levei a escrita a sério porque achava que não seria tão genial quanto clarices ou drummonds. A forma como se constrói um mito da genialidade em torno de escritores assusta qualquer pessoa que tente expor o que escreve e teme não agradar ninguém, ou pior, não ser lida. Foi apenas expondo de forma tímida meus textos por meio da acessibilidade das redes sociais e, eventualmente, outras plataformas, que consegui encontrar a força da minha palavra. Hoje, entendo que nem todo mundo vai gostar do que escrevo, mas sempre haverá alguém que vai se identificar e vai precisar do abraço de um poema – e essa pessoa poder ser apenas eu mesma. Isso mudou minha escrita porque compreendi que ela é necessária. Então, hoje, diria pra mim mesma: Thainá, é você quem muda o medo, então escreva. Se eu soubesse disso há mais tempo, teria mais palavras de mim no mundo inteiro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu sou a megalomaníaca dos projetos. Geralmente, começo algo, sem fazer a menor ideia de como fazer, e vou catando gente para se envolver também. Foi assim que virei editora de uma revista digital, podcaster, organizadora de saraus, colagista, curadora, enfim. Acho que gostaria de fazer tudo, e isso atrapalha um pouco o foco, mas sinto que estou apenas começando. Tenho uma paixão imensa por todo projeto que se volte à acessibilidade e independência da literatura no sentido de aproximar o escritor do leitor, de mostrar a escrita como um ato simples de expressão, possível para todos. Também são essenciais os projetos de fomento à participação de um maior número de mulheres no mercado literário. Agora, que livro eu gostaria de ler que ainda não existe? Todos os livros que eu gostaria de ler estão existindo nesse momento, e eu sei que vou encontrá-los.