Thainá Carvalho é escritora e colagista sergipana.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Gosto de ter vários projetos acontecendo simultaneamente para instigar minha criatividade e adaptar as necessidades de criação à realidade do dia. Por exemplo, chegando em casa depois de um dia muito cansativo, prefiro me dedicar à revisão de um texto. Quando tenho mais tempo, gosto de me dedicar à poesia porque é uma escrita que requer calma e paciência pra lapidar os versos. Então, não deixo fixo que tal dia da semana seja pra isso ou aquilo, porque como a escrita não é minha única fonte de renda, ela fica condicionada a outros impeditivos da rotina.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo e não planejo. Costumo estabelecer metas gerais, como, por exemplo, terminar uma parte de um livro em x semanas, ou trabalhar na revisão dentro de 1 mês. Metas que me posicionem em relação a prazos. E se, por acaso, não me são dados prazos específicos, eu crio um e estabeleço pra mim mesmo uma data final, porque quando trabalho sem qualquer tipo de prazo, tendo a relaxar demais. Acho que o mais difícil é sempre começar, porque, na escrita, começar não é necessariamente escrever a primeira linha. Começar é definir um objetivo, um tema, uma estrutura – seja para um texto ou um livro. E essas são definições que, apesar de necessárias, assustam um pouco em um primeiro momento, chegando até a travar o processo criativo. Mas seguir escrevendo é tomar a decisão séria de criar, compreender o seu principal objetivo e executá-lo com disciplina e flexibilidade ao mesmo tempo. A escrita não é apenas um processo intuitivo, mas é uma ação minuciosa que pode requerer diversas mudanças e pesquisas pra se escrever um único parágrafo. Então, aquela última frase acaba sendo praticamente uma conclusão lógica de todo um processo bem estruturado de escrita.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Tive a sorte de crescer em meio a uma família bem barulhenta e, por isso, consigo ler, dormir e escrever em qualquer situação de caos. Mas claro que prefiro escrever no meu ateliê, especialmente pelas manhãs, quando minha cabeça ainda tá fresca. Quando já tenho um projeto de livro bem definido, costumo me estabelecer como rotina dois poemas por dia. Mas se não tenho um projeto específico, escrevo sem me impor metas diárias.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
É importante respeitar travas porque, na maior parte das vezes, elas são uma pausa necessária, pedida pelo cansaço físico ou mental. Quando acontece comigo, mantenho a rotina de escrever algo todo dia, mesmo que seja ruim, apenas para manter o cérebro girando, mas não me cobro qualidade ou algo muito específico. Fico apenas nos exercícios da escrita e aproveito para mergulhar em leituras e produções audiovisuais que instiguem a imaginação, mas sem me cobrar, sem ficar “nossa, preciso escrever”. Sempre que tentei forçar a escrita, não veio nada realmente bom. E não quero dizer que seja uma questão de esperar a inspiração – até porque não acredito nela – , mas de esperar o descanso que a mente precisa para fazer de fato poesia, e não apenas escrevê-la.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Não sei dizer um texto específico. Mas aqueles que geralmente tenho mais trabalho e me dão mais orgulho são poemas curtos. Sou encantada pela arte de dizer muito com poucas palavras, e a poesia é um método de grande liberdade para atingir esse objetivo. Para mim, que costumo falar muito, sintetizar é um grande desafio, então fico muito metida quando consigo escrever bons poemas curtos.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Os temas têm muito a ver com o que estou sentindo naquele momento de escrita do livro. Embora a gente deva ter em mente aspectos mercadológicos do objeto livro, escrever é sempre uma investigação de si, então a leitora ideal acaba sendo você mesma. O livro é esse projeto de si que você tem que saber compreender a partir de duas perspectivas. E é interessante porque quando bato o olho nos meus livros, que já foram escritos há mais de ano, me reconheço, mas já não me identifico mais. Mas eu lembro claramente que, durante a escrita, aqueles livros, quando concluídos e lidos por mim, foram como espelhos e eu me senti muito satisfeita com os resultados.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Costumo mostrar meus textos, logo antes do envio a publicações, para o meu marido, que sempre é meu leitor beta e um revisor muito rígido. Não gosto de mostrar muito rascunhos porque não quero que uma opinião externa acabe alterando o estilo da escrita. Hoje, já mais confiante no meu processo, quando concluo textos que não mexem com temáticas sensíveis, envio direto para publicação sem opiniões prévias. Claro que não faço isso com projetos de livros, que requerem olhares diversos e profissionais, mas confesso que enviar um ou outro texto para publicação, sem qualquer leitura prévia de outra pessoa, dá uma certa liberdade.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Comecei a me dedicar à escrita de fato em 2017, quando as redes sociais me permitiram expor um pouco da minha escrita de forma prática e com um alcance tangível. De lá pra cá, nunca parei de me dedicar a projetos diversos no âmbito da literatura, que vão desde a escrita até o design de capas de livros. No início de tudo, gostaria que me dissessem que os escritores não são seres geniais. Por muito tempo, acreditei que minha escrita era medíocre e não era “original” como a de “autores consagrados”, lendas quase santificadas da literatura. Simplesmente achava que pra ser escritor, você tinha que nascer escritor (e só pensava isso assim mesmo, no gênero masculino). Apenas quando fui construindo uma rede de apoio de escritoras, principalmente através da Desvario, revista digital que edito, é que fui compreendendo a realidade da escrita, o estudo, a frustração, a tentativa, o erro. Só então percebi o quanto a literatura deve ser uma ferramenta de aproximação entre o leitor e escritor, e não esse bloco canonizado pela academia e pelo mercado literário. Então, gostaria que me dissessem, basicamente, que as escritoras eram mulheres como todas nós.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Acho que as maiores dificuldades foram sempre relacionadas à insegurança. O clássico: “nossa, mas isso aqui tá bom mesmo? Duvido, acho que tá uma porcaria”. A maior questionadora do meu estilo sou eu mesma e acho que isso de encontrar sua própria forma de escrever é um processo infinito. Por isso gostei muito da palavra “desenvolver” usada na pergunta porque a linguagem própria é muito mutável. Inclusive, a maneira como outras escritoras influenciam meu trabalho também varia. Poetas como Mell Renault e Laura Assis me influenciaram de uma forma quando eu escrevia meu primeiro livro e, hoje, olho para os mesmos textos delas de forma diferente. E, claro que vamos conhecendo novas autoras e construindo um bolo muito doido de influências, né? Então, eu diria que a maior dificuldade é lidar com a inconstância desse processo de definir algo que, na verdade, não pode ser definido.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Essa é uma pergunta muito difícil porque a gente tá sempre recomendando livros e depende muito do nosso interlocutor. Aquele que mais acabo recomendando é Tornar-se Palestina, da chilena Lina Meruane. Ela consegue se apropriar de uma forma poética da linguagem para investigar as sutilezas das narrativas políticas e sociais no contexto da relação entre judeus e palestinos. E Lina faz isso de forma simultânea ao traçado do seu próprio caminho enquanto mulher palestina. Essa obra é incrível e dialoga muito com o próprio processo de “tornar-se” através da escrita.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.