Tatiane Silva Santos é escritora e pesquisadora, autora de Pedras no telhado.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Trabalho na universidade e são muitos projetos acontecendo: eventos, pesquisa, extensão, relatórios diversos e a escrita literária vai se encaixando entre estas atividades. Atualmente estou afastada para o doutorado, o que me dá uma nova rotina ideal provisória: acordo, tomo café, vou para o texto da tese, leio. Esta é a minha prioridade no momento. Os trabalhos com literatura acontecem, mas em um ritmo bem mais lento do que eu gostaria porque a pesquisa atual exige muito. A Pandemia, no entanto, mexeu com tudo: nova rotina que envolve projetos relacionados ao que está acontecendo no país, e assim a escrita vai se fazendo, nesse entremeio.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Geralmente deixo fluir. A mais difícil para mim é a primeira, começar, porque exige uma ideia mais clara sobre o projeto de escrita.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Tento escrever pelas manhãs e ao longo do dia vou anotando ideias para poemas e outros tipos de texto. Preciso de um canto organizado. Silêncio nem sempre é possível, a vida ao redor, “o som ao redor” sempre nos acompanham: o carro do ovo, do óleo de cozinha usado, do produto de limpeza, obras infinitas na vizinhança, minha pinscher e por aí vai.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Um afastamento do texto faz bem, depois de um tempinho o retorno nos traz novas ideias, uma luz para continuar. Procuro ler algo diferente, ver um filme, novas leituras e outras artes sempre trazem inspiração.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Mais trabalho os textos acadêmicos; a dissertação de mestrado e agora a tese. Escrevi três livros infantis, o Tsurus (Quase Oito, 2020) e tenho dois ainda não publicados; gostei muito do processo de escrever estes textos para crianças.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Os acontecimentos do cotidiano, as pesquisas da universidade. Já tive ideias que vieram das trilhas que faço, vendo filmes, das diversas formas de arte, das memórias. Escrevi um pequeno poema uma vez a partir de uma lembrança da infância em que eu finjo para meu primo que leio a palavra Argos na caixa de fósforos. Eu já lia algo, mas aquela eu tinha decorado há muito tempo e estava ciente do truque. A possibilidade de ser desvendada no momento em que lia me fez guardar a lembrança. E trouxe o poema.
Não tenho leitora ideal, acho melhor a gente se afastar das idealizações que geralmente nos levam aos estereótipos; as leitoras/leituras são múltiplas e surpreendentes, aí é onde está a parte boa da coisa.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu sempre gosto de mostrar o que estou escrevendo. Quando dá uso as redes sociais. Em outros casos, as primeiras são as pessoas mais próximas; minhas irmãs, alguns amigos, sem técnica nenhuma para eu ter a primeira impressão mesmo, gosto disso. Então depois de organizado preciso da revisão mais formal, que é super importante.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
O que me motiva sempre e principalmente é a leitura. Gosto dos livros desde muito pequena. Me lembro de dizer que gostaria de ser escritora na escola, quando ainda estava na educação básica, depois que a professora elogiou um texto meu. Mas a situação desigual de nosso país traz muitas barreiras: a situação financeira da minha família, cursar a graduação trabalhando, dentre outras questões, me trouxeram um bloqueio físico e psicológico. Continuei com a escrita acadêmica, mas fiquei por anos tentando voltar para a escrita literária sem conseguir a calma necessária para o processo. Há uns cinco anos me inscrevi em um curso de escrita e disse que daquele momento em diante não pararia mais. E foi o que aconteceu. Publiquei dois livros e escrevo literatura constantemente, participo de eventos na área, foi uma transformação e tanto na minha vida e, com a pesquisa e projetos, luto todos os dias para que outras pessoas, cada vez mais, possam ter esta oportunidade também.
Tive muito incentivo dos meus pais e dos professores desde a infância. Acho que não um conselho específico, mas penso que se naquela época tivesse acesso a estes grupos de escrita literária, como acontece atualmente, teria facilitado muito meu caminho.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Muita dificuldade para encontrar onde era exatamente que fluía meu texto, que foi a poesia, no entanto, tive que ler muitos poetas quando desconfiei disso porque eu amava os romances e contos, era onde concentrava as minhas leituras. Os sinais estão entre a gente, mas os caminhos nem sempre são uma reta. Na infância tinha em casa um livro chamado Otimismo em gotas e eu lia e relia aquelas frases curtas, de diferentes autores, algumas boas e outras terríveis. Achava curioso o nome Anônimo, ele tinha escrito várias delas. Eu sabia os pequenos versos de cor, até hoje me lembro de muitos. Pode ser que aí já tinha um sinal. Gostava de fazer cartões caseiros de aniversário, elaborar frases personalizadas para datas comemorativas, só hoje percebo que estas inclinações me levavam para este lado da poesia.
A pesquisa de mestrado me ajudou muito. Estudei sobre memórias de infância e senti uma identificação grande com estas questões na minha escrita. Durante o processo, foi uma mescla muito grande de autoras, hoje diria: Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Ana Cristina Cesar, Silvia Molloy.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Diário de Bitita de Carolina Maria de Jesus. Estou pesquisando sobre a autora no meu doutorado e estas obras já publicadas são apenas uma fagulha na imensidão do trabalho desta escritora que deixou muitos manuscritos. Há várias portas de entrada neste universo e Diário de Bitita nos traz uma narrativa a partir do contexto de nosso país escravocrata aos olhos atentos da menina que descobre o mundo. O último livro que li da autora foi Pedaços da fome e só me pergunto porque não li todos bem antes, bom, essa é uma das questões da minha tese. Quem ainda não leu Carolina, corre lá!