Tabita Said é jornalista e escritora, editora do blog Torre no Porão.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu procuro acordar cedo, que é pra me atrasar com calma! Nesses tempos de isolamento social, estou vivendo mais em família do que nunca, então passo mais tempo em comunidade do que solitariamente. Isso é ótimo para oxigenar o cérebro, criar novas experiências que certamente servirão de memória poética. Mas falta o tempo de dedicação à escrita, que não é tão romântica quanto o poeta consegue fazer parecer. Precisa molhar a terra, mas a minha plantinha é notívaga.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Com o cair da tarde, meu poeta desperta. Apesar de meu processo de escrita ser caótico e desordenado, eu trabalho melhor no período vespertino para as artes, e deixo a luz do dia para trabalhar pelo salário, mesmo.
Antes da pandemia, eu procurava – no meio da rotina – algumas escapadas para apreciar locais silenciosos e momentos de contemplação, sempre acompanhada do celular ou caderninho que eu pudesse anotar palavras, sensações, sentimentos, expressões que surgissem. Atualmente, eu espalho cadernos e folhas pela casa toda, inclusive no quintal, para continuar cultivando o hábito e não perder a oportunidade de me encantar, mesmo em meio à rotina e à paisagem repetida.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Uma Tabita mais externa, superficial, gostaria – e até tentou – escrever periodicamente para satisfazer aos leitores e ao próprio desejo de ver crescer uma comunidade de seguidores em redes sociais. Mas isso é ilusão. Quem segue aqueles que escrevem periodicamente não querem refletir; a princípio, não. Querem consumir. E esse padrão de comportamento está ficando cada vez mais repelido pela minha Tabita interior. Eu escrevo quando transborda.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu acho que nunca me movo da pesquisa, completamente. Até o último momento anterior à publicação, eu estou pesquisando. Seja nos meus próprios alfarrábios, seja em livros ou outras fontes para saber se fiz a escolha mais próxima do que gostaria de comunicar. Mas é sempre difícil começar. Alguns textos, de menos de uma lauda, levaram meses para serem concluídos. Enquanto outros, ainda mais longos, vieram rápido. A complexidade certamente não está diretamente relacionada ao tamanho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tive poucos projetos longos como “poeta”. Meus trabalhos longos sempre estiveram no âmbito profissional, na área de Jornalismo. Faço questão de separar esses lócus. Mas compartilho em ambos esses sentimentos de “trava”, procrastinação e medo. No caso da Torre no Porão, meu blog de escrita poética desde 2005, se bate uma preguiça de lidar com um tema ou um texto, eu nunca me obrigava a fazê-lo. Minha experiência é que não fica legal, o resultado. Quanto ao medo, com o passar dos anos fui transformando-o em audácia. Sempre haverá um público atento para um escritor honesto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No passado, não. Eu não tinha uma rede de apoio e nunca me relacionei com outros escritores confiáveis (risos!). Eu tinha era medo de alguém roubar algo que eu tivesse escrito e transformasse aquilo em algo ainda melhor do que eu fora capaz! Mas hoje tenho uma imensa sorte de ter encontrado um grupo de mulheres que escrevem, se inspiram e além de estarem dispostas a me aplaudir, ainda que não haja público, é a elas que eu recorro quando sinto dúvida ou incompletude no meus escritos. Sentir que falta dizer algo – mais precisamente ou mais demoradamente – é o meu maior desafio.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus primeiros rascunhos são híbridos. Eles estão em caderninhos espalhados pela casa ou em meu celular. Depois junto as coisas em um word, tirando o computador da internet, que é pra não me deixar corromper! Quando meu texto dialoga com algo visual, eu vou direto para o publicador do blog e organizo lá a escrita. Muita coisa nova surge quando faço esse processo, porque o meio também é mensagem. Nesse caso, eu vou aberta e atenta às novas possibilidades.
Também acontece de eu achar que terminei um texto e encontrar algum rascunho perdido em algum papel ou agenda…. daí ele dá origem a outro texto ou desorganiza tudo o que eu havia feito, e meu trabalho é muito mais de arquiteta do que de criadora.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Estou a disposição do poeta, que me toma. Sou um catalisador e reproduzo aleatoriamente tudo o que adere à minha pele. Sou material. Escrever é minha tentativa de transcender.
Meu motor é minha própria mediocridade. Eu falhei na fé, no amor e no jogo. Mas ainda não desisti de buscar o fino encontro da musicalidade costurada no sensível. Se eu pudesse eleger uma fonte inesgotável de inspiração, seria a música. Portanto, todos os dias eu escuto música ou canto ou, ainda, toco piano e sem esses hábitos eu não seria poeta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não jogue fora todos estes papéis! As tentativas sempre criam novas rotas… Percebo que meu poder de criação era muito maior quando não havia tanto ruído das redes. Tinha-se mais tempo livre e de conexão consigo mesmo, 20, 15 anos atrás. Hoje tudo está tentando te ligar a algum lugar comum. O extraordinário não pode estar no comum.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever com um grupo de mulheres, mas o foco estaria muito mais no processo do que no produto. Seria como utilizar a máxima de Hemingway – “quem está nas trincheiras ao teu lado” – como conceito. Encontrar-se, rodar, trocar pessoalmente e tocar é o simples cada vez mais luxuoso e inacessível. Eu gostaria de ler esse livro.