Suzana Martins é jornalista, designer, poeta e fotógrafa.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de acordar cedo, pois sinto que é um horário de conexão com o dia. O sol batendo em minha janela e o aroma do orvalho que agraciou a madrugada são sensações que despertam as minhas inspirações. Faço minha ioga matinal, pego a bicicleta e vou desvendar o silêncio da rua mergulhando nas paisagens que o amanhecer presenteia. As coisas só acontecem depois desse ritual que é tão necessário quanto respirar. Ah, não posso esquecer que na volta tem sempre uma água gelada e um café fresquinho me esperando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto do silêncio da noite, pois esse é o momento que estou livre das interrupções e barulhos aventureiros que rondam o dia. No entanto, escrever no crepúsculo admirando a paisagem do lado de fora, é um presente; esse também é um horário que as palavras despertam no papel. Um ritual de preparação para escrita? Acho isso muito lindo, admiro demais quem tem essa disciplina, mas eu não tenho esses rituais. A palavra nasce no meio de uma reunião de trabalho, surge com o cansaço da alma ou no silêncio das minhas canções; por isso tenho sempre comigo bloquinhos de anotações para não perder o verso que teima em sair nos momentos inesperados.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo um pouco todos os dias, principalmente quando estamos no outono. Essa é a melhor época para escrever, pois tudo ao meu redor pode acabar em poesia, verso ou num conto distraído. Esse processo de escrever um pouco diariamente é um exercício para não depender somente da inspiração ou daquele dia que a escrita transborda no respirar da alma. Esse processo de escrita diária, eu não posso afirmar que é uma meta, mas é sim um exercício da minha escrita. Às vezes eu sento apenas para rabiscar uma frase ou um devaneio que surgiu no meio do caminho, e só! Sem metas agudas. E, quanto aos períodos de maior concentração, eu preciso deles quando o projeto é longo. Desligo tudo ao meu redor e reservo um tempo só para aquela escrita; eu gosto de fazer isso geralmente aos sábados e/ou aos domingos, pois é quando a minha mente está livre dos pensamentos cotidianos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como eu disse, a escrita é um exercício que precisa ser estimulado diariamente. Todos os dias, ao nosso redor nasce uma palavra, um verso ou uma frase, seja movido pela inspiração ou simples ato de arrumar as letras no papel. Exercitar a escrita é estimular o cérebro e todos os outros sentidos, para não depender apenas do “dia bom de escrever”. Quanto mais você exercitar a mente, melhor será o seu processo de escrita. Geralmente, desenvolvo os meus textos para algum projeto específico ou para publicação gratuita no site minhasmares.com.br ou no meu IG @minhasmares. Com isso, acabo não tendo tanta dificuldade de edição e finalização. Já a minha pesquisa para escrever é uma investigação do sentir, é compreender o que sinto naquele momento, é deixar fluir e sentir o que o momento pede e como isso pode ser traduzido em palavras. E se tenho dificuldades nesse processo eu paro e investigo as minhas referências imagéticas, revivo histórias que foram contadas na estação de metrô, busco um verso antigo ou as anotações que deixei nas páginas de um livro; tudo isso ajuda a reviver o lúdico que habita em minhas letras.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É preciso respeitar todos os processos da criação; e o bloqueio – infelizmente ou felizmente – faz parte desse processo criativo. A melhor maneira de destravar, pelo menos para mim, é sair da caixa, é deixar aquela bolha e buscar novos horizontes. A maneira como escrevemos reflete em como tais palavras chegará ao leitor. A escrita precisa ser fluída, sentida e vivida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Alguns poemas nascem prontos e acabam passando por uma revisão rápida. Mas outros textos eu reviso várias vezes, inclusive depois da última revisão. Há escritos que eu acabo deixando de lado porque, na minha concepção, não passou no crivo da revisão. Às vezes eu apresento alguns rascunhos isolados, pois sinto que estou imersa demais naquele projeto, e aí preciso de um olhar de fora, principalmente em publicações comerciais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou tecnológica, mas no momento da primeira escrita, eu sou completamente analógica. Eu amo a relação grafite e papel. Gosto dos rascunhos e dos rabiscos encontrando a página em branco, não há nada mais poético que momento! (suspiros) Eu sempre tenho bloquinhos de anotações espalhados pela minha mesa, pela bolsa ou em algum canto da casa. Gosto de sentar no parque e deixar as palavras encontrarem o papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Pergunta difícil, né?! (risos) Acho que as minhas ideias moram no mesmo lugar dos sonhos extraviados, ninguém sabe onde eles foram parar. (risos) Há nos detalhes um conjunto de sabores que atiçam a minha curiosidade criativa. As ideias vêm do cotidiano, do amanhecer do canto dos pássaros amanhecendo em minha janela, do sol iluminando o azul celeste, dos aromas que aparecem ao longo do dia e de outras nuances que despertam em mim sensações indescritíveis. Todos os detalhes são processos, ideias e referências, é só deixar sentir. Observar a natureza é uma excelente maneira de fluir a criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Amadurecimento, essa é a palavra. Quando comecei a escrever poesias, lá na minha adolescência, eu tinha uma preocupação gigantesca com a métrica e a forma que tudo parecia muito artificial. Hoje eu deixo o sentimento fluir, e só! E gosto tanto quando, aquilo que seria poesia, transforma-se numa prosa poética. Escrever é libertar-se por completo. Então, hoje, diria: Suzana, deixa fluir e escreva. Use e abuse do sentir imaginário que mora em ti. Não precisa ter medo!
Confesso a você que se eu soubesse disso lá atrás, teria muito mais palavras nesse avesso que mora em mim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento, estou trabalhando em um livro de poesias e em um projeto de cartas endereçadas ao sentir poético de qualquer um de nós.
Cara, tem tanta gente boa produzindo ultimamente que, honestamente, acredito que o livro que eu gostaria de ler já foi escrito ele só não me encontrou ainda.