Sueli Gutierrez é jornalista e escritora.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu não fico engessada a uma preparação de trabalho, até porque tenho questões familiares que exigem parte do meu tempo. A princípio diariamente eu checo os e-mails profissionais, respondo aos que precisam de um retorno e de vez em quando produzo textos nas redes sociais. Depois eu escrevo, tentando priorizar o que há de mais importante. Tenho três projetos de livros a serem escritos e vou inserindo conteúdos em cada pasta do world, conforme o tema. Entretanto, quando surge um concurso literário, por exemplo, me dedico ao prêmio. Já houve casos em que, deixando a escrita de lado para resolver questões de família, acabei perdendo a data-limite de um concurso.
Por enquanto a ordem de importância desta quinzena é: 1º escrever uma crônica para um prêmio literário; 2º o ensaio Ser Mulher; 3º o romance Avesso e por último o livro sobre turismo.
Divido meu tempo também com outras atividades obrigatórias atualmente, que é fazer lives, treinar em frente à câmera, escolher textos para leitura, elaborar releases etc.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Escrevo tópicos importantes para o desenvolvimento das narrativas e procuro não perder do caminho da história. Às vezes, enquanto escrevo, podem surgir novas ideias, razão pela qual traço novos rumos, acrescentando acontecimentos no começo do romance para dar sentido no meio da história. Portanto, é possível desviar o percurso para criar suspense, gerar dúvidas, fomentar reflexão etc.
É preciso, entretanto, que o texto esteja bem alinhavado para não haver desentendimentos ao longo da história. Escrever um livro é como montar um automóvel, começando pelo motor, que é o coração, a sua ideia principal. Reunir as condições, juntar peças específicas, lataria, pneu e os demais componentes. Por último, incrementá-lo, colocando acessórios que o deixará personalizado: farol de milha, para-choques dianteiro e traseiro, calota personalizada, película de segurança. Fazer e refazer os ajustes para que o conjunto todo fique perfeito.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Pode ser um pouco besta, mas abaixo da tela de meu computador tem uma frase em papel que eu sempre leio quando ligo o computador:
O QUE É MEU POR DIREITO DIVINO QUE VAI ME FAZER FELIZ QUE VENHA ATÉ MIM
Encontrei-a no facebook, mas não me lembro quem escreveu. Acredito muito na força do pensamento, e de alguma forma a gente cria as energias para superar obstáculos e chegar a algum lugar.
Estou acostumada em ambiente relativamente silencioso. Então, isso para mim é fundamental para a concentração e o desenvolvimento da escrita. Por outro lado, quando estou na rua me deslocando a algum lugar e me vem uma ideia para acrescentar em uma das histórias, anoto ou gravo no celular.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Por vezes temos preocupações pessoais que insistem em ficar na mente e não conseguimos avançar. Procuro resolvê-las para estar em paz comigo mesma e com a escrita. Se eu travar e não conseguir dar continuidade à história, desligo o computador e vou fazer outra coisa: escutar música, dar uma saída (agora não podemos por conta do covid), assistir a um DVD. Na hora de dormir, eu mentalizo e solicito ao Universo que me ajude a encontrar a solução de forma harmoniosa.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Lavanda: as aventuras e desventuras de uma brasileira na França, acredito ter sido o mais trabalhoso. Ele tem pouco mais de 230 páginas de aventuras e infortúnios de uma personagem que morou na zona rural da França e logo no início se viu envolvida na morte de uma família nobre inglesa. Em 2019 publiquei-o no e-book da Amazon e infelizmente por conta disso perdi a oportunidade de ter participado de premiações ou concursos. Ainda não foi lançado impresso, mas procuro verba para isso.
Dois livros anteriores foram infantojuvenis e o quarto são contos e crônicas. São gêneros distintos e me orgulho de todos.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Os temas são baseados na minha vivência, leitura, observações e concepção de mundo. Uma escritora não escreve necessariamente para mulheres. Escrevi os livros Era uma vez, Conto outra vez e A gata de rodas, dirigidos ao público infantojuvenil. Depois, o romance Lavanda e por último, Desencontos (dezenove contos e crônicas) são voltados para leitores e leitoras que queiram viajar no imaginário e se defrontar com novas possibilidades de protagonismo.
O olhar feminista diante das diversas situações lembra um pouco Chimamanda ou Clarice Lispector. Também uso situações do quotidiano, como faz Eduardo Galeano. Tanto quanto as mulheres, é importante que os homens leiam para trabalharem a desconstrução do machismo que existe em cada um. Até porque meus textos têm algo de aventureiro, crítico, irônico, contestador, apavorante, misterioso, humorístico e é voltado para o público misto jovem/adulto.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Envio para alguém da minha confiança. Minhas sobrinhas da área da comunicação poderiam ler, contudo deixar para um parente fazer a crítica é impossível, porque tudo está muito lindo. É preferível um escritor, não importa o gênero, para me apontar alguns possíveis equívocos na história. As críticas construtivas, se tiverem sentido, posso consertar sem qualquer problema.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Sempre gostei de ler e escrever. Como jornalista, trabalhei em assessoria de imprensa por uma década em sindicatos, e minha escrita era baseada nos temas de interesse de uma categoria sindical. Entretanto, o texto é bem diferente, carregado de técnicas de jornalismo, o que não acontece em um romance.
Como escritora, a referência de Cora Coralina tem muito a ver com o que aconteceu comigo, porque ela publicou seu primeiro livro aos 75 anos de idade. Eu comecei mais cedo, rs, aos 57 anos.
Em janeiro de 2017 a editora para a qual trabalhava faliu e essa foi a oportunidade para começar a escrever as histórias que eu tinha vontade de escrever, incentivada por uma sobrinha e por amigos. O processo de escrever livros, portanto, é recente.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Escrevi gêneros diferentes, como mencionado anteriormente (infantojuvenil, romance e contos/crônicas). Certamente a escritora Aghata Christie foi minha referência para escrever Lavanda, porque logo de início aconteceram assassinados misteriosos; os clássicos da literatura infantil, somados ao ângulo de visão desde o ponto de vista feminista de Simone de Beauvoir e Chimamanda, me deram o norte para escrever os dois livros infantojuvenis; Eduardo Galeano me levou a observar o quotidiano e María Dueñas, me ajudou na fluidição do texto.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Na escola fundamental nos é exigido ler os clássicos da literatura de língua portuguesa. Muitos são preciosos, porém, com a pouca idade e vocabulário diminuto, tornou-se muito chato lê-los. Tenho sugerido reler os clássicos brasileiros, como Monteiro Lobato, porque terão novas oportunidades de entendimento que não teve na infância. Também sempre sugiro que leiam livros de autores e autoras brasileiros para conhecermos melhor nosso país: Clarice Lispector, Conceição Evaristo, João Ubaldo Ribeiro, Carolina Maria de Jesus e Ariano Suassuna são alguns exemplos.