Silvana Tavano é escritora, professora e jornalista, autora de Como Começa?, A Poesia das Coisas e Psssssssssssssiu! (Prêmio de Literatura João de Barro, 2012).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo todos os dias, faço Pilates ou aula de ginástica, e reservo as manhãs para resolver os assuntos da casa, responder e-mails e ler o noticiário; só começo a trabalhar depois do almoço, evitando ler mensagens ou xeretar as redes sociais até o finzinho da tarde, principalmente quando preciso me concentrar num texto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhum ritual, mas preciso de silêncio; diferente dos anos em que trabalhei em redações, hoje em dia não consigo escrever com música, barulho, gente em volta. Gosto de trabalhar durante o dia, e ler à noite; mas sempre tenho livros por perto e vou para a leitura quando não consigo engatar na escrita. Nos dias em que o texto não avança e até a leitura empaca, não insisto; saio para dar uma caminhada, tomar um café, invento qualquer coisa. E, muitas vezes, na hora em que estou tomando o tal café tudo clareia – vejo o caminho para um novo capítulo, um início, o desfecho. Na verdade, acho que a gente “escreve” o tempo todo quando está envolvida com um projeto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento manter certa disciplina, sem me cobrar demais; a meta é escrever alguma coisa todos os dias, uma página ou até mais de uma (nos dias ensolarados!) de um juvenil que esteja em andamento ou do romance (adulto) no qual venho trabalhando. No mínimo, um post para o blog que ainda mantenho e que uso como um laboratório de ideias, principalmente para os infantis. Há dias em que produzo muito em pouco tempo, mas, às vezes, passo horas num único parágrafo; e também há dias em que nada dá certo, e nesses é melhor esquecer a meta e cuidar das plantas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A ideia vem antes de tudo; depois, o texto vai pedindo informações, quer dizer, a pesquisa acontece enquanto escrevo, a partir das questões que vão surgindo no processo. O texto literário não tem nada a ver com o jornalístico, que só se concretiza a partir de reportagem, entrevistas e compilação de dados.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Durante muito tempo, me cobrava demais pelo que chamo de “dias no deserto”, esses períodos em que não consigo ou não é possível escrever por conta de tantos motivos – compromissos, cansaço, zero ideias, ou até mesmo por preguiça. Aprendi a relativizar, até porque não há como escrever se a agenda está cheia de compromissos ou se estou exausta – nesses dias, não me forço a nada, cabulo tudo, da escrita à ginástica, sem culpa. Mas se é pura preguiça ou se percebo que estou travada, tento por em prática o que ouvi de Amós Oz, anos atrás, em uma palestra. Ele contou que abre o computador todas as manhãs, como um comerciante abre sua loja, cedinho, e fica atrás do balcão à espera de fregueses; em certos dias, não entra ninguém; às vezes o movimento é intenso.
Escrever exige disciplina, é um trabalho cotidiano que nem sempre rende, mas é preciso “abrir a loja” todos os dias, correr o risco de não faturar nada, ou de ser surpreendida pela visita de histórias e personagens.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depois de terminar, releio muitas vezes, mas, de fato, já reviso enquanto escrevo, meu processo de escrita inclui a reescrita, o que não quer dizer que, no final, eu não volte a reescrever muitos trechos. Acho que não tem ponto final nesse trabalho. A publicação acaba sendo esse ponto final, mas, mesmo depois de impresso, se releio, sempre encontro frases que poderiam ter sido melhor elaboradas, palavras mais adequadas, enfim, “pronto” não é um termo que se aplique nesse caso.
Para mim é essencial compartilhar meus textos e costumo, sim, mostrá-los para algumas pessoas antes de encaminhar para um editor. O olhar do outro muitas vezes revela questões que me escaparam, aponta o que está ou não funcionando. Há um bom tempo, faço parte de um grupo de sete escritoras que se reúne quinzenalmente. Como em uma oficina, lemos e comentamos os textos em que cada uma de nós está trabalhando a cada momento; textos de todos os gêneros – romance, conto, poesia, ensaio, infantil, não ficção… É uma troca rica, muito produtiva. Além de tudo, o grupo acaba estimulando e reforçando o compromisso com a produção.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador, geralmente a partir de anotações que faço em bloquinhos ou cadernos, sem muito método. São notas breves, uma impressão, uma ideia para certo trecho em que estou trabalhando. Às vezes é só uma palavra que, de alguma forma, desencadeia um parágrafo, aí sim, já no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm dos livros, dos que li há muito tempo, dos que estão no criado-mudo a cada momento; mas também podem surgir a partir de uma conversa que escuto no elevador, de um encontro com crianças nas escolas, de uma paisagem inesperada. Penso que ler é fundamental, assim como observar as pessoas e tudo o que acontece ao redor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Trabalhando como jornalista durante mais de vinte anos, aprendi a escrever todos os dias e com rapidez; a disciplina foi uma herança excelente, mas o ritmo da escrita teve que mudar, e não foi um processo fácil. Não estava acostumada a passar mais de uma semana com o mesmo assunto na tela, e quando comecei a escrever literatura me exigia a mesma rapidez – meu primeiro juvenil e também alguns contos antigos revelam essa escrita apressada. Comecei a publicar há quinze anos; desde então minha autocrítica ficou mais apurada e sigo aprendendo a lidar com o tempo da escrita, me experimentando em textos de mais fôlego. Porque, diferente do que diz o jargão, não existe “facilidade para escrever”: quanto mais aprendo, leio e escrevo, torna-se mais e mais difícil escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre quis escrever para adultos, mas por uma série de circunstâncias comecei com os infantis e juvenis; como tudo foi dando certo, acabei adiando esse projeto. Em 2015, resolvi fazer o curso de Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz; ao longo de dois anos, escrevi um romance, ainda inédito; agora estou no meio do segundo, e sigo escrevendo para crianças. O projeto é continuar escrevendo, ter sempre alguma história começando.
E quanto aos livros, já me daria por satisfeita se conseguisse dar conta de ler tudo que gostaria, uma infinidade de livros que já existem.