Sidnei Olivio é poeta e biólogo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, muito cedo, o relógio biológico dita as horas. A manhã é o melhor do dia, mote da vida. Depois do café, vasculho notícias, leio e-mails, rememoro o dia anterior como exercício terapêutico. Contemplo a rua e o jardim; os quadros na parede, os livros na estante é sempre novidade para mim.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor e quase unicamente de manhã. Leio livros e revistas atropeladamente e de forma aleatória. Anoto frases que dariam fôlego e perspectivas para um nova escrita. É um rito natural que o cotidiano me impôs há muito tempo. Não consigo me despregar dessa cruz.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, sem nenhuma meta, e essa escrita se faz como início de novo trabalho, término e/ou ajustes ao que está já exposto. Jamais tive e nunca terei a escrita como profissão, talvez como ofício. Prefiro manter o diletantismo e a ausência de compromisso, só assim é possível.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uma frase anotada, uma imagem revista, um fragmento de sonho que restou na lembrança, a cena de um filme que a memória gravou e perturba, são esses os starts para o poema. A elas se agrupam todos os caminhos e descaminhos, toda incerteza e angústia de viver. O poema nasce da necessidade premente da hora e é catártico na intenção, na salvação de mim mesmo. Um antídoto contra a massificação, contra o mundo desabando lá fora.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre necessário, às vezes o poema não vem. Daí a leitura e o desenho ocupam o espaço deixado pela ausência. Aprendi desde cedo a conviver com as palavras, antes de serem grafadas no papel, seguindo o ensinamento de Drummond. A ansiedade é um mal que me aflige desde sempre, mas a escrita é uma forma de livramento ou, simplesmente, a tentativa. Venho escrevendo um livro há três anos e não tenho pressa em acabar. Resta sempre o receio, quase o medo, de não corresponder às minhas expectativas e depois a dos leitores. No entanto, isso é parte do jogo e, uma vez dentro, deve ser jogado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o texto até esgotar todos os excessos, até não conseguir mais cortar e/ou substituir a palavra incomum, que destroça o ritmo. Leio em voz alta para certificar-me dele. Depois, leio para algumas pessoas e, finalmente, envio para amigos escritores (ou teóricos), na expectativa da crítica, seja ela qual for.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A maioria das notas e primeiros rascunhos escrevo à lápis ou à caneta tinteiro, em cadernos que se acumulam. Por vezes, no bloco de notas do celular. No final, o editor de texto é a ferramenta adequada: diagramação, incorporação de palavras mais poéticas e fonéticas. Um ou outro texto compartilho nas redes sociais. E minha relação com a tecnologia começa e se encerra aí.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ideias de novos projetos surgem a todo momento, seja pela necessidade de criação ou pela incorporação das leituras, exposições e ocupações artísticas que visito agora virtualmente. As anoto nos cadernos, os quais estão sempre presentes e sempre em revista, como modo de se manter criativo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu processo de escrita mudou muito nos últimos anos. Pesquiso, reviso, trabalho a gramática, as figuras, a imagética muito mais. Sinto-me compromissado com a palavra de uma maneira única, sem perder o orgânico dos versos, a visceralidade do poema. Não renego meu passado literário. Incorporo a aprendizagem e reescrevo o que acho que deve ser editado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos projetos estão adormecidos. Esperam a hora de acordar, feito um esporo que o vento trouxe e que aguarda nova estação. O mais premente deles é a busca pelo primitivo da palavra, pelos signos abstratos que originaram o verbo, sem o véu de qualquer tipo de norma sectária.
Por fim, o livro inexistente que gostaria de ler é o livro que já existe, mas que eu ainda não tinha descoberto e que me deixará perplexo muito tempo após sua leitura.