Sha Konrath é escritora e poeta de bar.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, falando sobre os dias em que não estou no meu emprego oficial – pois neles, minha rotina é aquela bem comum de quem acorda e vai para o trabalho – acredito que meu ritual particular seja acordar, dar aquela ajeitadinha básica na casa, passar um café, ficar um pouco com os gatos; normalmente coloco alguma música e aí sinto que o dia, de fato, começou.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha preparação para escrever consiste em colocar um som tranquilo para distrair do barulho da rua, preparar uma bebida – que, a depender do horário, pode variar do chá ao martini – e me sentar para escrever. Preciso construir um ambiente que me ajude a focar e que me inspire também, pois me distraio muito facilmente com qualquer coisa à minha volta. Prefiro escrever pela manhã, com a mente fresca e tranquila. Ou, então, à noite, onde essa atmosfera que gosto de criar fica ainda mais gostosa de se desfrutar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na maior parte da vida, minha relação com a escrita, principalmente com a poesia, se deu à maneira de Fernando Pessoa. Os poemas “me aconteciam” e tinha que sair correndo para anotar ou ficar repetindo mentalmente o que me acometera, para que não perdesse a ideia. Sophia de Mello Breyner Andresen também dizia que, como à Pessoa, os poemas lhe chegavam feito um sopro no ouvido, como se fossem ditados e ela, apenas, tomasse nota. Comigo era assim, o verso vinha pronto, como se caísse em meu colo. Por isso, nunca tive metas de escrita diária, nunca me organizei para sentar e escrever. Também, nesse tempo, nunca havia me reconhecido como escritora.
Depois que passei a me reconhecer, meus métodos começaram a mudar. Até hoje, ainda, vez ou outra me acontece um poema. Ou me acontece uma inspiração tremenda para a escrita. Mas aprendi, também, a me organizar para produzir quando quero. Ainda não tenho meta de escrita diária, escrevo quando o contexto é propício, quando não há demasiada bagunça. Procuro me organizar em períodos concentrados quando tenho um projeto maior em mente. O desenvolvimento de um livro, por exemplo, demanda isso. E, no restante do tempo, procuro me desafiar vez ou outra a sentar para escrever, aumentando ou diminuindo à frequência à medida que a turbulência da vida permite.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu escrevo buscando o sentimento ou sendo arrebatada por ele. É assim, seja sobre um causo que ouvi de algum amigo, sobre um filme que assisti, um amor que vivi ou sobre a sensação que tive caminhando na chuva. Meu ponto de partida é sempre emocional. A partir daí, tudo pode mudar completamente, procuro não controlar meus destinos, mas sempre parto do mesmo lugar. Até mesmo quando tenho um tema específico, eu sento, olho à minha volta buscando algo que se encaixe, busco referências no google, sento na sacada para observar as pessoas, escuto alguma música e espero. Preciso ser atingida pelo sentimento antes de começar. Depois disso, me movo naturalmente conforme os versos fluem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Depois de conseguir me ver como escritora e parar de dizer que eu “tentava escrever”, meu desafio passou a ser parar de me comparar. E isso me travava muito, para escrever e também para mostrar as coisas que escrevia. Esse tal medo de não corresponder às expectativas é paralisante e difícil de superar, mas estou insistindo e cada vez conseguindo me desvencilhar dele um pouco mais. Acredito que só funciona insistindo, atropelando o medo, não se deixando vencer por ele.
Meu momento atual é uma luta constante contra tudo o que foi colocado nessa pergunta. Sou muito procrastinadora e muito ansiosa também. E decidir ir adiante nessa coisa de escrever com objetivos maiores do que encher gavetas me obrigou a começar a enfrentar os meus limites e as minhas fraquezas. Ainda estou aprendendo a lidar, tenho me inscrito em cursos e oficinas, o que me obriga a ter mais foco e parar um pouco de procrastinar. Também estou perdendo o medo de me aventurar por narrativas mais longas, talvez sair da zona de conforto da poesia e testar as possibilidades da prosa, mas tudo isso ainda são apenas possibilidades a serem estudadas para o futuro. Com calma e sem medo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tem uma cena do filme “Her” em que o protagonista diz que tem dias em que ele próprio é o seu escritor favorito. Eu também. Quero dizer, tem vezes que escrevo algo e fico extremamente animada com o resultado, então leio e releio diversas vezes com uma empolgação gigantesca. Dou uma pausa de alguns dias, retorno ao poema e novamente me sinto muito potente. Normalmente as poesias que mais gosto surgem dessas experiências. Mas aprendi, também, a criar aos poucos e a lapidar. Nem tudo nasce pronto e nem por isso deixa de ser bom. Então comecei a pedir opinião, normalmente das mesmas pessoas, amigos com os quais me sinto confortável e que são mais letrados que eu. E tem sido uma experiência ótima, que permite um olhar mais crítico para a minha escrita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu vario muito. Quando os poemas “me acontecem”, acabo usando o recurso que tenho disponível, o que normalmente acaba sendo o bloco de notas do celular ou, quando ainda está tudo muito bagunçado, uma gravação de áudio onde vou despejando tudo o que vem à mente, para depois me debruçar sobre isso e escrever. Diferente disso, quando sento para escrever, prefiro fazer o rascunho à mão, pois gosto do ato de rabiscar, puxar setas para um lado e outro, colocar anotações nos cantos, virar a página e começar de novo sem apagar o que foi feito até ali, entre outras possibilidades que o papel e a caneta nos proporcionam com mais qualidade que o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu aprendi que escrever é prestar atenção. Esse é o meu hábito maior. Observar o cotidiano, ouvir com atenção, sentir com atenção, reparar também no que não é dito. Procuro guardar as experiências que vivo ou que chegam até mim e volto a esses lugares sempre que preciso de inspiração. Não sou uma pessoa que demonstra muito a emoção, mas sinto tudo muito intensamente e profundamente. A escrita foi a maneira que encontrei de colocar tudo isso para fora, tudo que me causa alguma sensação pode se tornar material de criação, qualquer coisa, seja algo que vivi ou que observei apenas por alguns instantes, mas me provocou, me marcou, mexeu comigo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se eu pudesse voltar, me diria para investir mais em mim e na minha escrita. Estudar mais, ler mais, também perder o medo de me mostrar. Isso, com certeza, foi o que mais mudou. Tenho muitos textos e poemas de que gosto muito, que foram escritos há dez anos ou mais, que hoje não combinam com a pessoa que sou, com a minha escrita de agora, mas que nunca foram divulgados porque eu tinha muita insegurança naquele tempo. Ainda me sinto insegura em alguns momentos, mas hoje enfrento isso e reconheço o quanto vale à pena, o quanto é bom jogar meus poemas no mundo e deixar que as pessoas se apropriem deles como bem entenderem. É completamente diferente e muito mais satisfatório.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Amo misturar poesia com vídeo e penso que é nesse projeto que devo investir mais, pretendo começar a fazer isso em breve. O livro que eu gostaria de ler é: a revelação de tudo o que mora no silêncio.