Sergio Maciel é poeta, tradutor e editor da Revista Escamandro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bem, em não sou um escritor profissional, de modo que meu dia é definido sempre a partir das obrigações acadêmicas que tenho. Raramente tenho as manhãs completamente livres. Ou seja, é muito difícil estabelecer qualquer tipo de rotina matinal. Na verdade, eu tenho severos problemas de concentração, eu jamais acordo com a mesma disposição física e mental para escrever. Eu preciso me forçar a entrar num tempo que seja o da escrita – e isso nem sempre funciona.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre acreditei que fosse durante a madrugada, apesar de parecer somente um reforço de clichê, porque então eu não teria nenhuma demanda do dia-a-dia e blábláblá. No entanto, como eu disse na outra resposta, eu dependo muito de um estado de concentração, de conseguir atingir esse estado. Como eu preciso me forçar a entrar num modo de operação que não é o meu usual, acho que qualquer horário pode ser um bom horário de trabalho. Não sei. Nem sempre eu consigo, há dias em que é impossível me concentrar em qualquer coisa. Simplesmente não dá.
Quanto a ter algum ritual, não, não tenho não. Não vou dizer que é um ritual, mas ler é um modo de ocupar um tempo outro que não o tempo dos afazeres diários. Escrever, portanto, para mim, passa necessariamente pela leitura.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como eu disse na primeira resposta, não sou um escritor profissional. Não tenho demandas a cumprir, portanto. A partir disso, a gente pode definir qual é o tipo de escrita com que estamos lidando.
Na poesia, costumo ‘escrever’ os poemas na cabeça antes de botar no papel. Quando chegam ao papel eles costumam estar prontos ou quase isso. Ou seja, de certa forma eu posso estar escrevendo um poema a qualquer momento, em qualquer lugar. Não estou dizendo que eu faça isso com frequência. Mas se eu estiver obcecado com algo eu vou ficar pensando e escrevendo esse poema no ônibus, na aula, no chuveiro, na fila do banco. Não importa onde. Depois, quando eu achar que vale a pena eu passo para o papel. Não lido com metas.
A escrita acadêmica está sempre sujeita às demandas da academia. Eu escrevi a minha monografia em dois dias, basicamente, porque eu tinha um prazo muito apertado. A minha meta, nesse caso, era conseguir cumprir o prazo. Para isso, acordei dois dias seguidos muito cedo, por volta das 5h30, e trabalhei sem parar até 20h, mais ou menos. Intercalando momentos de escrita e leitura. É uma operação completamente diferente. Trata-se de uma pesquisa, afinal.
Agora, no final de 2017 eu me propus um desafio que era o de resenhar todos os livros que eu havia recebido durante o ano – algo em torno de trinta livros. A postura, nesse caso, também será outra. Acho que isso é ponto central da minha resposta: não tenho meta nem método pré-definido de escrita, tudo depende muito do projeto que estou seguindo. No caso das resenhas, era necessário que eu lesse os livros e produzisse algo. A leitura e a escrita, portanto, estavam condicionadas a um fim. Alguns poetas da lista eu sequer havia lido. Para facilitar o desafio, dividi os livros em três grupos e o resultado foi surgindo a partir das minhas anotações, quase a toque de caixa, de cada leitura; algumas mais elaboradas, sobretudo pelo contato prévio com as obras, outras nem tanto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bem, meu processo de escrita, em geral, é a formalização de ideias que ficam rondando minha mente, sobretudo no caso da poesia. Eu não compilo notas, necessariamente, mas escrevo sempre, como disse, a partir de leituras. Acho que é sempre um mesmo movimento, escrever a leitura. O Compagnon fala algo sobre o tradutor ser aquele que escreve a leitura. Acho que no final das contas é sempre isso: escrever a leitura – claro, eu ainda não desenvolvo uma pesquisa no nível de um doutorado, por exemplo, quando a pressão acadêmica costuma ser insanamente forte e as especificidades da escrita se tornam muito burocráticas, mas acho que o movimento, idealmente, é o mesmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tento ser estoico. Tento produzir apesar dessas coisas. Nem sempre funciona, nem sempre me sinto bem durante o processo, mas é a vida, né?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso, insanamente, muitas vezes. Essa revisão obviamente vem daquilo que você disse na pergunta anterior, do “medo de não corresponder às expectativas”. Eu costumo tentar ler como outra pessoa, geralmente alguém muito específico. Penso: como Fulano leria este texto? Aí me imponho os julgamentos que eu acho que Fulano teria. Claro, é um exercício quase esquizofrênico. Em geral, tipo 99% das vezes, sou mais duro comigo mesmo nessas revisões do que o próprio Fulano que tenho em mente seria.
Sim, sempre mostro. Nós tínhamos um grupo na escamandro, por exemplo, para ler e criticar os poemas um do outro. Por vezes, poemas inteiros eram descartados. Assim surgiram os livros de poesia do Guilherme Gontijo, Adriano Scandolara, Bernardo Brandão e o meu.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só escrevo no computador. Às vezes, no celular. À mão é muito raro, dá até para dizer que nunca.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm sempre da leitura. Vou me repetir, mas acredito fortemente que a escrita é filha da leitura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Acho que me tornei mais organizado dentro de um caos particular de tempo e leitura. Impor-me desafios como resenhar trinta livros é um exemplo de organização e disciplina que consegui adquirir ao longo dos anos. É uma organização pífia, eu sei, mas ainda assim é algo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho a vontade de traduzir ritmicamente a Eneida algum dia, se o Guilherme não traduzir antes. É um puta desafio. Sabe deus quando – e se – vou começar. Não sei que livro inexistente que gostaria de ler.