Sebastião Ribeiro é poeta e professor de Língua Inglesa, autor de “&” (Scortecci, 2015), “Glitch” (Scortecci, 2017) e “Memento” (no prelo, 2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em dias normais, começo meu dia como todo trabalhador: acordar cedo e tomar café da manhã (com um café bem forte). Aos fins de semana, a rotina não muda muito, exceto que acordo mais tarde.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Apesar de não ter um horário específico para produzir, geralmente me sinto mais estimulado a escrever pela tarde e noite, em que já ‘acordei’. Os momentos de criação poética são muito pautados em motivação e estímulo – escrevo somente quando realmente preciso. Não consigo fugir dessa tendência aleatória e esporádica do meu produzir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como escrevo em momentos esparsos, usualmente não há uma frequência de escrita: no começo do meu envolvimento com a poesia, aos 14 anos, escrevia todos os dias. Assim permaneceu até mais ou menos meus 20 anos, quando a vida de adulto começou a influenciar meu trabalho/ arte. Ao longo do tempo, venho escrevendo com menos frequência. Houve situações em que fiquei dias, meses sem escrever. De vez em quando, surgem arroubos de criação e acabo escrevendo por dias seguidos, ou 2, 3 poemas em um dia. É incerto e acabo por não ter uma meta de escrita ‘física’, mas admito que preciso estar atento a maior parte do tempo aos sinais da poesia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Atualmente, necessito de estímulos e motivações para escrever que não me levem ao ‘escrever por escrever’. Busco não perder tempo rascunhando ou produzindo ‘semi-textos’. Meu escrever é o do primeiro tiro. Mas para desenvolver isso de forma responsável, passo bastante tempo germinando e remoendo ideias, situações e emoções na cabeça; pensando em termos e imagens que possam expressar da forma mais clara (ou pelo menos, fidedigna) possível meu intento, minha mensagem, meu objeto artístico. Isso pode levar de horas a meses. Até que, sem que haja um alerta esperado, escrevo numa caudal de extensão e duração difíceis de prever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em meu caso, como produzo em momentos esparsos, a procrastinação não é um problema: se eu pudesse, escreveria bem mais. Ainda que acredite na sinceridade e qualidade dos meus textos, vezenquando sinto certa ansiedade quanto à recepção de um trabalho novo. Mas essa situação não é pontual, pois no fim sei que o que foi produzido é/foi fruto de boas intenções, um trabalho delineado com propósito, uma escotilha para a catarse necessária à existência humana, especialmente nestes loucos dias.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando da reunião de textos para publicação de um livro, sempre faço aquela revisão de texto e ideias, em que alguns poemas mudam mais que outros. Mas antes disso, quando o poema acabou de surgir, geralmente não reviso mais que duas ou três vezes logo após criá-lo. Como dito, meu escrever é o do primeiro tiro, logo o poema já ‘nasce adulto’, na maior parte das vezes. Se passo muito tempo (em meus parâmetros) tentando transferir o que penso e sinto em palavras e algo empaca, desisto e me poupo para outro momento. Lembro a todo momento da energia dispensada na construção do poema, logo não quero desperdiçá-la com pontos sem nós. Importante destacar que, como compartilho alguns textos com um grupo seleto de amigos-poetas, espero que apontem um ou outro erro gramatical ou ortográfico que tenha passado despercebido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Acho que tenho uma boa relação com a tecnologia, especialmente a internet, que me ajuda a ampliar horizontes. Desde 2008, é mais comum eu escrever no computador, mas quando viajo ou estou na cama (com aquela preguiça de levantar), tenho um bloco de anotações à mão; assim, quando aquele ‘alerta’ não esperado surgir, estarei preparado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Os insumos da minha criação poética vêm das experiências e percepções da vida, e de como dedilham minha sensibilidade e me instigam a escrever. Como não há agenda ou previsibilidade no meu produzir, aproveito para me manter informado sobre o mundo e me exponho às diversas manifestações da humanidade através de leituras de livros, notícias, artigos e filmes de diversos gêneros, especialmente documentários. Acompanho também outras manifestações criativas, além-escrita, como artes plásticas no geral, moda, música, etc. Arrisco dizer que as criações artísticas não-literárias são as que mais me estimulam, tocam e motivam a criar. Para evitar períodos de seca criativa, pelo menos 1 vez no mês, publico em meu blog GAVETA, GALÁXIA (www.sebastiaoribeiro.blogspot.com): revisito algum poema meu, apresento alguma tradução a partir de algum texto em inglês ou escrevo algo exclusivo, geralmente pequenos textos de prosa poética, atualmente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Percebi que, ao longo dos anos, me tornei mais honesto e certeiro no que desejo expressar através da poesia. Acredito que estou mais maduro e, ainda que escreva num ritmo menor, produzo com mais propósito e, mais do que nunca, não preciso soar como um ou outro literato que admire. Ao Sebastião de 18 anos atrás, não diria nada. Do caminho que tracei até hoje, nada mudaria. Todas as experiências me permitiram ser quem acredito ser, me maturar como poeta e como indivíduo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Bem… ultimamente tenho pensado (e algumas vezes, tentado) escrever uma poesia mais ‘solar’, mais próxima do lado bom da vida; entretanto, ainda não sei como fazê-lo, pois, ser honesto com o que se escreve tem seu preço: não recomendaria a mim mesmo me desvirtuar de um caminho de sinceridade, ainda que o resultado não seja tão ‘colorido’, digamos assim. É um sinal dos tempos e da vida, e de minha personalidade como poeta e pessoa. Talvez, aí, exista o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe: o livro que gostaria de criar e ainda não o vejo no horizonte.