Saulo Adami é escritor e editor, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Desde criança, acordo cedo, entre 5 e 6 horas da manhã. Comecei a escrever aos 9 anos de idade, e escrevo todos os dias. Lancei meu primeiro livro (“Cicatrizes”, 1982 – poesia, conto e crônica) aos 17 anos, hoje são mais de 100 livros publicados nas áreas de literatura, biografia e história. Antes do café da manhã, o computador já está ligado para responder e-mails, cumprimentar aniversariantes e ler apenas boas-novas, até começar a trabalhar nos textos do dia. Este “modus operandi” muda quando há maior urgência para entrega de livros para revisores ou editores.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Por 20 anos, trabalhei como jornalista, aprendi a escrever a qualquer hora do dia, devido à urgência da entrega das matérias e reportagens e devido às exigências dos editores. Não tenho rituais para escrever: ativo meus sentidos e começo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo livros e roteiros para filmes. Então escrevo muito, todos os dias, por várias horas. Sem auxiliares ou assistentes, gerencio agenda de compromissos, participo de eventos no Instituto Histórico e Geográfico do Paraná – do qual faço parte desde 2017 e coordeno alguns de seus programas –, abasteço com informações as redes sociais e faço contato com amigos que atuam nos mais diversos segmentos profissionais. Tenho a sorte de ter amigos colaboradores e coautores. A meta diária é escrever e cumprir os prazos estabelecidos em contratos. Além disso, tenho prazos que estabeleço para meus próprios projetos, que nem por isso são menos cobrados.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A partir das primeiras anotações – no caso de literatura – ou a partir da primeira entrevista – no caso dos livros biográficos ou de História –, começo a escrever. Algumas obras são mais exigentes e desafiadoras – biografias são as minhas favoritas! – mas o importante é avançar no trabalho, todos os dias, é atender ao chamado da escrita. O que me irrita é trabalhar com colaboradores que não têm ritmo, pessoas lentas, preguiçosas e improdutivas. No mais, sigo meu trabalho em paz.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas estão em quem escreve. É preciso conhecer o assunto antes de começar a trabalhar porque pesquisar é responder perguntas. Só escrevo sobre o que acredito. Por isso, se o processo de escrita se torna lento demais, o problema está em mim. E a solução, também. O que mais me estimula a prosseguir com o trabalho, tanto em literatura quanto em outros temas, é ver o trabalho em constante evolução. Descarto expressões, parágrafos ou páginas inteiras sem hesitação, para o bem do andamento do processo de criação. Nunca escrevo um livro de cada vez, aprendi a escrever com ou sem inspiração na redação dos jornais. Não tenho medo de não corresponder às expectativas porque me entrego de corpo e alma ao que faço. Às vezes, projetos se alongam devido às suas complexidades.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tantas quantas a complexidade do texto exigir. Sim, mostro meus trabalhos para outras pessoas, principalmente para minha mulher, a psicóloga Jeanine Wandratsch Adami que, além de coautora de algumas de minhas obras, acompanha meu dia a dia. Tenho estúdio em casa, mantenho a porta sempre aberta. Sou receptivo às avaliações e sugestões, teimoso quando necessário para o bem do livro em produção.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Deixei de lado a máquina de escrever 20 anos depois de começar a produzir literatura. Aderi ao computador em 1996. Sem dúvida, a tecnologia facilita em muito o meu trabalho, que requer organização, precisão e velocidade. Hoje, raramente escrevo à mão. Exceção para quando esboço as primeiras linhas ou páginas de poesia, conto, crônica, novela ou romance.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Fui criado entre contadores de histórias, personagens curiosos e divertidos que frequentavam o comércio de meus pais e que aguçaram minha imaginação. Dentre estes personagens estavam avós e primos, colegas da escola e um cachorro chamado Pió, parceiro de aventuras do avô materno, Serafim Conte. Na Escola Municipal Luiz Silvério Vieira, quando a professora perguntava sobre profissões, respondia com a confiança de que um dia o futuro seria o presente mais esperado: “Eu quero ser escritor!” Minha avó Ema Fornari Conte era benzedeira. Foi ela quem disse para minha mãe, assim que nasci, que eu seria escritor. Aos três anos de idade, escrevia com água, carvão e giz nas paredes da casa-venda de meus pais. Na escola, eu só queria aprender a ler e a escrever bem. Fugia dos cálculos e das ciências físicas e biológicas. Prioridades em minha vida sempre foram escrever e publicar. Passei a maior parte da adolescência estudando e escrevendo. Fui um guri normal, pleno de dúvidas mas ao mesmo tempo certo de que queria ser escritor. Eu mentalizava minhas experiências futuras: escrevendo, autografando, vendendo livros. Meus pais sempre fizeram tudo para me ajudar na realização dos meus sonhos. Mesmo aqueles que não condiziam com o futuro que almejassem para mim. Procurava ajudá-los no comércio e nas terras em que meu pai plantava. Eu fazia o que gostava: assistia “Vila Sésamo”, “Shazan-Xerife & Cia.” e “O Planeta dos Macacos” na TV. Tive sarampo, caxumba, catapora, joelhos ralados, espinho nos pés, calos e hematomas. Mas, sobrevivi, para contar estas e outras histórias. Quanto aos hábitos para manter a criatividade, procuro ler livros ou pelo menos trechos sobre os mais variados assuntos, assisto filmes e, principalmente, converso com outras pessoas – desde meus entrevistados aos amigos, que são infindáveis fontes de inspiração.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Continuo produzindo textos diferentes simultaneamente, mas hoje escrevo mais livros sob encomenda do que literatura. Estou mais ágil e muito mais seguro do que estou fazendo e consciente do ponto no qual quero chegar. Ao escrever uma história vinda da inspiração, em geral sei como será seu começo, seu meio e seu final, e trabalho entusiasticamente para preencher as lacunas entre uma fase e outra da história. Se o processo se torna lento, tento retomá-lo mais tarde. Mas, se ao tentar a retomada nada muda no avanço da criação, encerro as tentativas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Até o momento, os projetos que gostaria de fazer já estão iniciados. Há muitos livros que gostaria de ler e que ainda não existem, principalmente sobre os temas que gosto, a exemplo da biografia de Arthur P. Jacobs (1922-1973), produtor da série cinematográfica “O Planeta dos Macacos” (1968-1973). Um dia, quem sabe…?