Saskia Sá é escritora, roteirista e diretora de cinema e audiovisual.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, trabalho em casa, o que me ajuda a ter relativo controle da minha vida e dos meus horários. Geralmente me exercito de manhã (ultimamente faço yoga, mas às vezes caminho ou nado), depois cuido de algumas coisas relacionadas à casa (do gato, das plantas, etc.) e organizo a agenda do dia e da semana, vejo o que já fiz e o que ainda falta fazer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente minha escrita rende mais na parte da tarde e começo da noite. A parte da manhã é mais voltada para a organização dos processos produtivos e criativos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim, escrevo todos os dias. Como escrevo roteiro audiovisual e literatura, geralmente tenho algum projeto em andamento e prazos a cumprir para editais e/ou entregas de projetos. Basicamente escrevo todo dia e até nos fins de semana quando é preciso (mesmo tentando evitar).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A pesquisa e a escrita caminham juntas nos meus processos criativos. Conforme tenho alguma ideia, eu tomo notas e já faço pesquisas prévias. Geralmente as ideias novas entram na fila, pois, com vários projetos em andamento, organizo cronogramas em função de prazos de entrega ou de envio para editais. Quando pego a ideia e/ou o projeto para desenvolver, amplio e aprofundo a pesquisa e vou recolhendo informações conforme necessito. Às vezes, alguma coisa aleatória surge e isso pode mudar o rumo do projeto também e acarretar novas necessidades de pesquisa, por isso que as coisas andam juntas.
Não tenho muita dificuldade em começar novos projetos, mas acho que tenho um “método” intuitivo, gosto sempre de iniciar imaginando que estou entrando na cena, observando a cena de acordo com o ponto de vista que escolho para ela. Geralmente escolho uma cena que eu gostaria de ver abrindo aquela história. A inspiração pode vir de uma frase, de uma imagem, de uma música ou qualquer outra coisa que me faça escolher aquele momento específico da trama para iniciar a história, pulando para dentro dela naquele momento. Óbvio que tudo pode mudar na reescrita ou na edição do texto, que é quando analiso a estrutura geral do enredo e vejo se pede por mudanças.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre escrevi muito. Além de escrever poesias (de forma intermitente) e por trabalhar com cinema, sendo roteirista e diretora e ainda empresária de uma produtora audiovisual, estou sempre escrevendo projetos (e roteiros). Vem daí essa necessidade de elaborar e desenvolver roteiros, além dos projetos para editais, onde tenho que desenvolver uma escrita que pense o conceito de cada projeto. Isso fez com que eu tivesse que incorporar a escrita (e os prazos) ao meu cotidiano. Aprendi a importância de ter disciplina e criar rotinas que me ajudem a focar. Dessa forma, dificilmente me deixo levar pela procrastinação, pelo contrário, sou hiperfocada quando mergulho na escrita. As ansiedades acabam sendo presentes, mas procuro ter em mente que a meta final é sempre a longo prazo e busco trabalhar com tempos restritos de escrita para cada dia para não sufocar por expectativas muito grandes.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Penso que enquanto o texto não foi publicado ou o roteiro ainda não virou filme, eles não estão prontos, portanto, estou sempre revisando algum texto. Tenho muitos projetos que desenvolvo paralelamente, de contos, de romances, de filmes e, geralmente estou revisando um ou mais para algum edital. Mesmo que deixe um projeto descansar após uma negativa, sempre que o tiro da gaveta novamente, volto a revisar e mudo alguma coisa, afinal, nem eu nem minha percepção sobre meu trabalho continua a mesma com o passar do tempo. E sim, procuro mostrar para algumas pessoas, amigos ou leitores betas, às vezes é necessário leitura sensível quando tem algum tema complexo também.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só escrevo à mão as ideias novas que surgem e faço pequenas anotações em cadernos que depois me lembrem da ideia. Nunca escrevo rascunhos à mão, é tudo direto no computador, a não ser quando é uma escrita poética, onde a primeira versão é sempre no caderno, à mão, mas depois passo para o computador para fazer a versão definitiva.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de muitos lugares, podem vir de um filme, de um livro, de uma música, de uma poesia, de uma expressão pictórica, de uma conversa e até de sonhos. Tenho alguns hábitos que me ajudam, como dormir com um caderno ao lado da cama, ler antes de dormir, ver imagens aleatórias logo de manhã (no Pinterest, por exemplo). Guardo textos e referências visuais em pastas de ideias e conceitos. Também ouço músicas quando acordo (e quando escrevo) e costumo fazer playlists para cada ideia e projeto ou para cada estado mental. Também carrego sempre um bloco de anotações comigo, porque sempre pode vir algo de onde menos se espera.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria para ter mais coragem e acreditar mais em mim, mesmo que quase ninguém tenha acreditado naquela jovem que já escrevia, mas não se sentia pronta para mostrar. Hoje eu mostro meus escritos e mando para editais mesmo com medo, mesmo que às vezes eu ache que não estou pronta ou o texto não está maduro. Enterrei num buraco bem fundo a vergonha e a sensação de não ser boa o suficiente, afinal, quem é bom o tempo todo? Estou aqui para aprender e errar e às vezes acertar. Aprender a lidar com esse medo e sensação de não ser boa bastante, tem me feito enfrentar desafios e me jogar de forma mais intensa na minha escrita, na minha busca de um olhar e uma voz própria para as minhas histórias e os meus projetos. Outra coisa que mudou é ter adotado rotinas que me permitiram ter mais disciplina, que permitiram encontrar a minha disciplina para focar e escrever todos os dias. Ao contrário de limitar, isso cria espaços para que eu vá mais fundo em cada projeto e trabalhe neles de uma forma mais dedicada no tempo dele, com mais pesquisa, criando camadas de sedimentos que vão aderindo ao texto e dando mais corpo à prosa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos que ainda não foram pra frente, alguns já iniciados, outros apenas esboçados, mas tenho dois projetos que posso citar e estou me preparando para me dedicar a eles. Um é uma trilogia de fantasia que se passa em um mundo complexo e para o qual já passei pela mentoria do Sol Coelho e em breve irei mergulhar nele, o nome é A Jornada de Nêmesis e é uma adaptação para a literatura de um projeto de série audiovisual. Será um desafio enorme e vou precisar de tempo para me dedicar. Outro é o desejo de transformar alguns contos em HQ, porque também desenho e quero tentar unir minhas duas paixões (a literatura e a arte) numa linguagem que ainda não domino, mas que vai ser incrível me lançar e entrar nesse universo. Quanto ao livro que ainda não existe, não sei, não penso muito nisso, mas sempre espero ser surpreendida pelo que leio. Amo quando leio novas histórias que surgem e me levam pra mundos que nem sabia que poderiam existir. Acho que é isso, quero mesmo que venham novas histórias de vidas, de mulheres, escritas por mulheres, de pessoas diversas e escritas por pessoas diversas em todos os sentidos. Espero que essas histórias me surpreendam e me levem pra viajar sempre por novos mundos.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.