Sandro Ornellas é escritor e professor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, leio notícias enquanto tomo café e respondo e-mails. Só então começo a trabalhar em casa, que é onde prefiro permanecer pela manhã. Se tenho alguma reunião na universidade, saio. Se já estou escrevendo algo, vou para o texto, ou então continuo alguma leitura ou preparação de aula.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para dar aulas, prefiro tarde-noite, para escrever, manhã. Mas preferir a manhã não me impede de começar um texto qualquer pela tarde. Sobre ritual, não tenho nenhum eu seja concreto. Na verdade, como estou sempre lendo alguém ou algum texto específico, pesquisando algo relativo a escrita e pensamento, começo a escrever algum artigo ou ensaio depois de algum tempo de pesquisa, notas e reflexão e quando sinto os dedos com vontade de teclar. Sempre foi meio que assim: vontade de despejar “alguma coisa” no teclado e depois ir ajustando. Não que seja um transe ou algo do tipo, pois essa vontade vem de muita pesquisa e reflexão, notas e possibilidades de caminhos ao longo da escrita, mas nada fechado: prefiro começar com possibilidades e ir aos poucos afunilando os caminhos, o que exige continuar – menos intensamente, é verdade, mas continuar – a pesquisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando bem jovem, gostava de exercitar o nulla dies sine linea, de Plínio. Cheguei a escrever todo um caderno, perdido, com poemas diários. Foi muito importante como “fase de aprendizado”, digamos assim. Nessa mesma época, eu e um amigo nos encontrávamos uma vez por semana para conversarmos sobre um poema novo que cada um teria escrito nesse tempo. Também foi um ótimo aprendizado. Quando escrevi minha dissertação e minha tese, tinha metas, sim: três páginas novas todos os dias, boas ou ruins, pouco importa. Aí no dia seguinte eu relia, revisava e reescrevia as do dia anterior e me obrigava a escrever novas três páginas, boas ou ruins. Isso de segunda a sexta.
Mas hoje em dia, nem tão mais jovem e com mais obrigações diversas, não tenho metas e prefiro me dedicar a dias concentrados em artigos e ensaios acadêmicos. Já poesia, os primeiros versos “acontecem” ao sabor das leituras, visões, escutas e reflexões, e o resto é esforço, que pode demorar pouco ou muito tempo, mas um poema sempre exige o esforço concentrado de alguns dias no texto do poema. Depois são retoques infinitos, “contemplando a língua” nas suas infinitas possibilidades.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho “travas”. O que me trava é a falta de tempo para sentar a bunda e começar um texto. Sempre tenho algo na cabeça e alguma possibilidade de desenvolvimento. Só não gosto de começar e não levar adiante. Mesmo que em ritmo lento e alternado com outros textos, sempre me considero escrevendo algum texto e livro, mesmo que ainda não saiba como e qual será o livro exatamente. Sobre corresponder a expectativas e procrastinação, tento ter em mente que escrevo para mim mesmo, por paixão pela criação e pelo pensamento, por mais que também saiba que aquilo terá algum leitor mais ou menos específico. Isso na verdade me leva a querer ser o mais claro e rigoroso para ser o mais fiel a mim mesmo. Se conseguir um pouco disso e não gostarem ou não entenderem, aí não é problema meu de forma alguma. E se me perguntarem, saberei me explicar por causa da fidelidade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tenho regra, pois sei que sempre passará alguma gralha ou haverá vontade de substituir uma palavra, uma frase, um argumento. Foi o que chamei acima de “contemplação da língua”. Dai que a escrita nunca acaba, apenas é suspensa. Textos acadêmicos, eu não mostro. Na verdade, julgo que ser aceito em revistas acadêmica é a prova de leitura inicial. Já poesia, não faço com poemas, até porque costumo não mandá-los para revistas nem estou em redes sociais para postá-los esperando feedback. Coloco alguns no blogue, mas sem aguardar nada. Já para livros, mando para uns dois ou três amigos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Desde jovem escrevendo poesia, ela sempre esteve muito ligada à mão segurando a caneta. Escrevi poemas em letra de forma. Mas com o tempo, a leta de forma feita à mão se tornou a letra de forma no computador, e hoje crio poemas diretamente no computador. Tenho smartphone há um ano apenas e desde então escrevi alguns poemas no seu caderninho de notas, mas curiosamente todos sempre metrificados e rimados. Mas chega uma hora em que passo para o computador e ele vai ali também sendo reescrito até o “basta”.
Já ensaios acadêmicos, sempre direto no Word: rascunhos e texto final.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler, ler, ler. Escrever, escrever, escrever. Pensar, pensar, pensar. Ver filmes, conversar com pessoas diferentes de mime, talvez o menos óbvio de tudo isso, caminhar muito pela rua, não como exercício (o que também é bom), mas flanar em meio à cidade (ou na natureza) com o pensamento nos olhos e nos ouvidos. Pensamento esse que quero que seja sempre pura linguagem: palavras, frases, versos, fonemas, grafemas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Sobre algumas dessas mudanças, a resposta à terceira pergunta já trouxe exemplos. E não voltaria atrás em nenhuma das escritas, pois sei que tanto a tese quanto os livros são processos, obra em progresso, work in progress da minha própria vida. E ela não volta atrás. Até infelizmente em alguns sentidos, mas sobre a obra que ganha a rua tenho um pouco mais de controle do que sobre a vida que vivo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dois projetos de livros que quero muito realizar, mas não comecei. Sem entrar em detalhes, ambos tratam, de modos diferentes, do cruzamento de criação e crítica.