Rubens Jardim é poeta da Geração 60.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Prosaicamente. Antes de virar idoso e ter problemas de saúde levantava, em geral, entre 9 e 10 horas da manhã. Muitas vezes, tomava café da manhã na padaria. Mas até hoje nunca deixo de tomar café da manhã com pão, manteiga e bolacha. Só que hoje acordo cedo, antes das 7 da manhã. E tem ainda as questões atuais, dramáticas, e conduzidas com inacreditável irresponsabilidade pelo atual presidente. Enfim, estamos em plena pandemia, isolados e quase não saio de casa respeitando os protocolos da OMS e das autoridades médicas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando estava na ativa, trabalhando em revistas, sentia-me mais produtivo na parte da manhã. Hoje, aposentado, me sinto melhor trabalhando à noite. Um detalhe importante é que sempre trabalhei na imprensa. Por isso, nunca tive nenhum domínio sobre os meus horários. Em dias de fechamento, por exemplo, saía só de madrugada da redação. Acho que isso, com certeza, colaborou nesse meu jeito bagunçado de tocar a vida pra frente. Em algumas profissões — e jornalista é uma delas – a gente fica muito sujeito a essas “intempéries horárias”.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho e nunca tive um comportamento de escritor. Sou indisciplinado e rebelde por natureza. Aliás, tenho uma visão pouco comum em relação ao ofício do escritor e ao ofício do poeta. Claro que ambos podem adotar métodos e até horários para escrever. Muitos amigos fazem isso. Uns gostam de escrever à noite. Outros curtem trabalhar na parte da manhã. Alguns gostam de trabalhar em horários próximos aos comerciais. Acontece que na minha trajetória sempre tive que compatibilizar o trabalho na imprensa com o ofício poético. Aí escrever poemas era como fazer um frila — sem remuneração, é claro. E tem mais: eu acho que a poesia extrapola a literatura. Até porque a poesia se faz presente em uma infinidade manifestações artísticas e humanas. Costumo dizer — e não é uma provocação — que eu não sei escrever. Ou, no mínimo, sinto uma dificuldade enorme em escrever, principalmente prosa. Mesmo a jornalística. Sofri um bocado quando tive que escrever para jornal. Mas me safei logo e trabalhei a vida inteira como diagramador, chefe de arte e diretor de arte.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Claro que é caótico, bagunçado e sujeito as variações de humor e de amor. Mas como escrevo poemas fico livre de anotações e de pesquisas. Exceto no trabalho que fiz, durante seis anos, em torno das mulheres poetas que é, na verdade, uma história da poesia escrita por mulheres. Começa lá atrás, em 1725, com Angela do Amaral Gurgel e desemboca em Luiza Midlej e Laura Navarro, duas jovens poetas nascidas na virada do milênio, ano 2000. Reuni em três volumes –gratuitos –que estão disponíveis na plataforma do ISSUU, mais de 400 poetas e mais de 1600 poemas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O projeto mais longo da minha vida –mas nem mesmo meu tinha tomado conhecimento disso — foi essa história da poesia feminina brasileira. Foram seis anos de pesquisa e divulgação quinzenal em meu site-blog e em espaço parceiros. A ideia central e o fio condutor dessa tarefa era resgatar o belo e competente trabalho realizado pelas mulheres poetas. Algo que eu já estava fazendo com paixão, encantamento e empenho. Nunca imaginei chegar aonde cheguei: mais de 100 postagens com 4 poetas e 4 poemas de cada uma por vez.Aí, de repente, resolvi organizar todo esse material e transformar tudo isso em livro. Inicialmente em livro virtual: 3 livros. E espero conseguir despertar o interesse de alguma editora para transformar isso em livros impressos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei se já disse aqui, pra você, mas sou meio preguiçoso e não costumo ser partidário da transpiração. Como estou nessa vida de poeta desde os anos 60, já tentei mexer e transformar alguns poemas que ficaram encalacrados. Mas não consegui — e não foram poucas as tentativas. Resultado é que fui me aproximando progressivamente da inspiração. Nunca fui de submeter meus poemas a apreciação de amigos — exceto, é claro, após organizar o material pra publicação de um livro, por exemplo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no computador e, muitas vezes, escrevo direto no facebook, por exemplo. Já perdi muitos textos batendo em tecla errada ou quando surge algum apagão, momentâneo, na rede elétrica. Fico indignado e prometo pra mim mesmo utilizar o word. pra não perder textos, mas acabo repetindo o mesmo procedimento. Acho que tem aí um ingrediente de masoquismo, um cultuar o sofrimento. Ou quem sabe essa teimosia de pessoa idosa!!!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho como Vicente Huidobro (1893/1948), poeta chileno inventor do criacionismo, que o universo busca sua voz na garganta do poeta. Até porque o poeta cria, fora do mundo que existe, o mundo que deveria existir.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que pouca coisa mudou. Talvez, após tanto tempo dedicado a essa atividade, a gente fica mais apto a distinguir um belo poema de um poema chinfrim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Guia Poético da Cidade de São Paulo é um desejo que me acompanha já faz tempo. E ele surgiu quando li o livro que o poeta Luiz Paiva de Castro dedicou ao Rio, em 1965. Mas nunca consegui tocar pra frente essa ideia. Sou péssimo nesse troço de projeto. Um testemunho dessa minha precariedade são os livros que publiquei: nenhum foi projetado, arquitetado. Meus livros sempre foram uma reunião de poemas escritos em determinado período. Apenas isso. Nada mais que isso.