Rozana Gastaldi Cominal é poeta e professora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
De manhã dou atenção aos afazeres da casa, geralmente. Deixar o ambiente cuidado para que possa escrever sem a preocupação de pendências domésticas. Quando é revisão de texto mais apurada, às vezes, separo 2-3 horas para essa depuração nesse período. outra percepção temporal também me estimula muito.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou noturna, gosto da noite, da madrugada, do silêncio. Munida de água, chá, petiscos e de meus apetrechos: papel, caderno, livros, lápis, borracha, caneta, celular, notebook, gosto de ter tudo à mão se precisar. Na maioria das vezes prefiro o papel com anotações do que tomou minha atenção: ouço música, assisto a séries, filmes, documentários, animações. Tudo depende do ritmo para aproveitar a matéria-prima recolhida. Também faço muito pesquisa, leio gêneros variados ao mesmo tempo, consulto dicionários, leio e estudo muito mais do que escrevo. Desse modo descubro universos paralelos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento me organizar por prioridades para não me sobrecarregar, preciso de espaço para pensar, sob pressão me desgasto muito, então desacelero para conciliar a leitora voraz e a mulher que escreve poemas e também se aventura na prosa sem compromisso literário. Nem todo dia sai algo produtivo, mas os rascunhos vão aumentando e isso me basta para manter o foco.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Literatura é afetar, socar, sacudir. Como fazer isso é a questão! As palavras precisam ganhar vida e entusiasmar. A intertextualidade é um dos meus recursos, revelamos nossas influências literárias. Outro caminho é a catarse, tem efeito terapêutico, purificador. E ainda a escrita como intervenção social, porque leva ao crescimento interior e expõe o momento histórico. Doses de realidade, invenção e nonsense funcionam comigo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre digo que a poesia não fica restrita à literatura, está presente nas artes plásticas, na fotografia, no teatro, na dança, na música, nas culturas populares. O olhar precisa de amplitude, é fatal que na escrita há conexão e bloqueio. E os estímulos estão aí para ruptura e avanço. Para Paulo Leminski, “a poesia só existe quando há entendimento entre emissor (aquele que escreve) e receptor (aquele que lê)”. E a querida Cora Coralina emenda: “Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso”. Porque “o material do poeta é a vida. Por isso me parece que a poesia é a mais humilde das artes”, conclui Vinícius de Moraes.
Se procrastinei, não é para mim. Então vou fazer outra coisa. Fico longe de leitura e escrita por uns dias para sentir falta, porque faz. Enquanto isso, divirto-me com muita prosa jogada fora com as pessoas que me fazem gargalhar, valorizo a observação do cotidiano, pois oxigenação do cérebro é essencial para nossa lucidez. Se um projeto não vingou, sempre haverá outros.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende do tema desenvolvido. Tem revisão que flui bem, em três leituras finalizo. Em algumas levo uma semana ou mais. Já outras continuam suspensas. Partilho muito pouco antes de publicar meus textos, três olhares de fora quando estou em dúvida. É algo que quero fazer mais porque às vezes me descuido do que realmente pede um edital e fico de fora por desatenção. E ter as primeiras impressões antes da publicação é o máximo! Comprovo isso muitas vezes, pois sou procurada para palpitar no texto do outro. E quando acatam as sugestões, refazem, não tem preço essa satisfação!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Vamos bem a tecnologia e eu. Cada vez mais próximas. Atualmente tenho mais rascunhos no arquivo do notebook do que papel escrito à mão. No entanto a palavra escrita no papel é carinho, conforto, cumplicidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias surgem do que me incomoda, afinal a vida dói demais. Questiono o tempo todo que há por trás das coisas. O quanto somos manipulados com a falsa sensação de que somos livres para escolher. Daí qualquer cenário se torna ambiente de criação do poema: a sala de espera, a sala de estar, o quarto, o quintal, a rua. Multiversos existem e eles se cruzam se a gente permitir. O eu-lírico aflora, a poesia social denuncia e anuncia que a vida urge. A linguagem que extrapolar qualquer tipo de enquadramento, na busca de uma imagética que impacta!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Respeito cada parte de meu processo. Comecei com textos em páginas de diário, textos mais longos, trechos de música, de poemas, colagens. Depois era reler e fazer uma versão sintética em versos de cada registro, outra linguagem sobre sentimentos e sensações ali cravados. Gosto de experimentar forma e conteúdo, não fico presa a padrões. Ora saem poemas mais longos, mas não ultrapasso 2 páginas, é o meu limite. Ora sou arrebatada pelos poemas mínimos, minimalistas, a capacidade de síntese com pouco dizer muito me fascina.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quem sabe um livro de ensaios, uma combinação de ficção, literatura e pesquisa, mas regada a muito humor. poderia resultar num livro interativo. com muitas portas de entrada e de saída. Livro que fica em mim, me move, me faz escrever. Então seria uma série infinita, com muitas possibilidades de construções poéticas.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.