Roger Tieri é poeta, autor de Vidro.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O começo do dia é muito importante pra mim e consequentemente pra minha escrita. Digamos que a “musa” aparece diferente, mais intuitiva, quando eu consigo manter meu ritual de não colocar muitas informações na minha mente durante a primeira meia hora após acordado. Costumo cuidar dos meus gatos, escutar uma música calma, fazer um café ou um chá e caminhar na praça. Bom, mas nem sempre consigo fazer isso, e quando não faço, sinto que a minha escrita fica mais ansiosa. Se esta ansiedade é boa ou ruim pra escrever, até hoje eu não sei – talvez a falta de rotina já faça parte da rotina. Ou seja, a mistura entre o acordar em paz e acordar a mil por hora é a receita caótica da minha vida de escritor. Ás vezes penso: como será que eu escreveria, se todos os dias, sem pular nenhum, eu prezasse a paz, não colocasse nada na minha cabeça na primeira meia hora após sair da cama e fosse caminhar – ou – o que seria se eu nunca fosse caminhar e sempre já acordasse mexendo no celular e me atolando logo de informação?
Esse é um mistério sobre a minha pessoa que eu ainda não desvendei e, quer saber, gosto de mistérios.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto da madrugada e da manhã pra escrever. Não sei se escrevo melhor ou pior nesses momentos do dia, só sei que me sinto bem escrevendo neles. Costumo fazer rituais incisivos quando percebo que não estou muito inspirado. Incenso, música, dança e chá de alecrim já me ajudaram muito. Teve um dia que dancei no meu quarto em plena madrugada, com um fone de ouvido. A dança é um ritual que me acompanha quase sempre antes da escrita. Aliás, no meu próximo livro de poemas que vai se chamar “Vidro” pela editora “Provokeativa” há muita dança e jogo de pés envolvidos na brincadeira. E sim, neste livro eu transpareço muito da minha alma infantil e que não gosta de levar nada a sério, e que confia apenas no instinto e na intuição – no dia a dia eu costumo brincar com a frase “menos instituições e mais instintos & intuições”.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo de três formas. Escrevo quando quero escrever, escrevo quando não quero escrever e escrevo quando acontece. Quando escrevo “quando acontece” é um momento que eu não sei se quero ou não quero, rs.
Vou dissecar essas premissas: quando quero escrever consigo concentrar e desenvolver algo. Quando não quero escrever, normalmente concentro e desenvolvo algo usando rituais como subterfúgio. Quando escrevo “quando acontece” é o melhor momento, eu viro o próprio ritual, respiro fundo e sei que sou o ritual – e rituais não precisam de rituais para acontecerem – nessas horas tudo vem picado e desconexo, mas com um ritmo pessoal que me agrada e confunde totalmente o tempo a minha volta. Cabe organizar tudo depois disso. É daí que saem as coisas mais “doidas e proféticas” Já me chamaram de bruxo e manipulador do tempo e da matéria por isso. Outro dia disseram que eu era mestre em visão remota, rs. Bom, esses são fenômenos dos fluxos do inconsciente e do acaso objetivo que muitos escritores são viciados e que podem ser explicados cientificamente de diversas formas – e eu gosto de todas elas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Pra manter a minha “magia” ou “mágica” (o acaso objetivo muitas vezes me faz confundir as duas coisas, eu vivo confundindo) é preciso deixar a pesquisa bem leve na cabeça. Ou seja, eu não sei exatamente quando passo da pesquisa e da observação para a versão final do texto ou do poema. Aliás, de escrita e de poesia sei muito pouco, da vida menos ainda, apesar de já ter lido centenas e mais centenas de livros de poemas (talvez milhares). Eu leio versos como quem fuma cigarros – ou seja – de meia em meia hora os trago e logo solto, o que permanece habita apenas o inconsciente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lidar com as travas da escrita é algo difícil, então eu tento simplesmente não achar que estou travado (apesar de estar, rs) Costumo me perder muito entre “estou travado ou estou procrastinando?”
Quando estou procrastinando eu uso a desculpa de que estou travado e quando estou realmente travado eu não sei que desculpa eu uso, mas devo usar alguma, rs. Para projetos longos é complicado, administrei um blog grande de tatuagem e eu era obrigado a desenvolver algo todo dia, e sempre dava conta, apesar de eu não manter a qualidade diária – manter a constância da qualidade pra escrever quando escrevo para os outros é algo difícil pra mim, não gosto, e sinto que manter constância de algo não íntimo, de algo que eu não ame verdadeiramente, é contra a minha essência (isso não significa que nunca mais vou escrever para os outros, pelo contrário, se acontecer, será um desafio que pode me libertar desta crença) Por isso que hoje escrevo pro meu blog – daí tem amor, e quando tem amor a gente nem liga muito pra qualidade, tudo é constante e tudo floresce naturalmente, é só fazer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Apesar de eu ser muito intuitivo, eu reviso textos e poemas diversas vezes e costumo mostrar pra amigos próximos. Quando eu saio do campo da intuição pro campo da consciência sempre bate um medo. A minha intuição só dura até eu lembrar que alguém vai ler aquilo, rs. Já aconteceu deu publicar algo sem mostrar pra ninguém antes, mas é raro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia na hora de escrever é maravilhosa. Eu a uso quase sempre, acho prática e não tenho nada contra. Agora, se eu sempre a uso? A resposta é não. Gosto também de um bom lápis. Sim, lápis – o barulho do lápis quando esfrega no papel me serve de meditação. Odeio canetas e lapiseiras.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da observação e da leitura. E quando digo leitura é leitura mesmo, aquela que tem letras e palavras.
Soou estranho isso, né?
É que tudo que envolve palavra me mantém criativo – desde uma placa de trânsito até um panfleto de “compro ouro” ou “trago teu amor de volta” ou “lançamento de studio 45m2 com vista para o parque”.
Imagina então o que acontece comigo quando separo um livro de poemas qualquer pra ler e me manter inspirado? Amo todo esse processo que envolve inspiração.
Ah, assistir filmes também me inspira muito, mas tem vezes que a minha mente está cansada e só consigo ver filmes bobos que pouco me exigem intelectualmente e acabei descobrindo que esses andam sendo os melhores pra mim ultimamente. Minha cabeça precisa de descanso, logo eu volto pros filmes mais profundos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus textos e poemas mudaram muito do início pra cá. Mesmo. Antes eu era mais filosófico, hoje eu penetro mais o inconsciente – o meu e do meu leitor. Antes a minha escrita era muito “deste mundo” – ou seja, era muito consciente. Hoje consigo misturar as duas coisas e, futuramente, pretendo escrever puramente o inconsciente, confundir filosofia com arte numa espécie de anarquia de tudo – subversão do corpo, das experiências dele na matéria, e da matéria nele.
E se eu pudesse voltar no tempo e me encontrar na fase inicial da minha escrita eu simplesmente me diria pra continuar pesquisando e lendo coisas diferentes, sem rotular nada e sem entrar em rivalidades estilísticas. “Continue sempre caindo de paraquedas em tudo, rasgando e penetrando todos os arquétipos”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de fazer um projeto com crianças em alguma comunidade. Já fiz algo parecido durante um ano, mas não era totalmente meu. A experiência foi maravilhosa, gostei daquilo. Depois seria legal estender o mesmo projeto para adultos. Sim, o mesmo que seria desenvolvido para as crianças, fazer para os adultos – tratá-los como crianças dentro de um universo poético e ver como eles reagem. Adoraria fazer isso. Seria provocador e inquietante, e ao mesmo tempo libertador.
E um livro que eu gostaria de ler mas ele ainda não existe é o próximo que o Fernando Pessoa vai escrever. Mas ele morreu, né? Verdade, me esqueci disso por um momento, rs.