Rodrigo Octávio Cardoso é professor de Teoria Literária na UFRJ, doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp.

Como você escreve?
Eu escrevo como quem quer, sabe? Quer dizer, tento querer, faço o possível pra tornar aquilo prazeroso, algo como uma paixão. Tento separar tempos para ter uma relação mais sólida, mais estruturada com a escrita, mas tem uns momentos, que são muito importantes, de buscar uma relação mais fluida, mais livre, mais prazerosa. Não pode ser tudo regra e prazo e método…
Mas essas coisas são inescapáveis. A gente vive nisso, nesse mundo. A escrita é um trabalho.
Eu escrevo porque preciso e não em nenhum sentido poético isso, escrevo porque tem prazo, forma, gênero. E quase todo mundo hoje trabalha escrevendo né? Seja preenchendo um formulário, um bilhete, uma nota fiscal, uma mensagem de whatsapp. Isso tem uma força enorme e é muito duro. Às vezes a gente não tá preparado pro quanto a escrita é dura. O trabalho e tudo mais. Por isso que eu acho importante buscar o prazer. Não é pra tornar a minha exploração mais agradável, isso eu não quero. Eu não quero ser explorado. Mas eu tive o privilégio, através de vários privilégios na minha vida, que eu tive, de ter um trabalho baseado na escrita e na fala, né. Na fala como professor e na escrita como pesquisador de literatura. É um privilégio, mas cansa também. Trabalhar cansa. Dá ansiedade. Gasta o nosso corpo. Então é preciso ter cuidado, é preciso buscar alguma forma de tornar isso melhor também. De tornar mais prazeroso, algo que se possa viver e não só sobreviver. Não pode ser tudo trauma, embora o trauma esteja ali também. É preciso buscar formas de que a escrita, mas não só, também a aprendizagem da literatura, o nosso estudo, aquilo que a gente pesquisa, seja prazeroso. Algo assim como uma paixão. A gente busca, a gente sofre, a gente busca, a gente sofre.
Mas é melhor sofrer menos. Por isso é importante também trabalhar junto. Não levar isso sozinho, nas costas. Trabalhar pra que ninguém precise levar nas costas, mas também pra que a gente possa trabalhar menos. No mínimo trabalhar melhor. Trabalhar naquilo que a gente é bom, no que a gente pode fazer, e ser valorizado por isso né. E claro, fazer o que pode ser feito, o que precisa ser feito também. Também é importante trabalhar pros outros, trabalhar pelos outros. Trabalhar para que todos possam trabalhar melhor, para que todos possam trabalhar menos. Escrever por isso também. Escrever pelo que a gente acha que é importante, pelo que é necessário e pelo que a gente precisa. Buscar formas de escrever melhor, de escrever junto. E claro, talvez não seja preciso que todo mundo escreva, não deve ser obrigatório escrever, quem não quiser escrever, quem não puder, quem não tiver essa paixão, tudo bem. Que todo mundo seja menos obrigado a escrever o tempo todo. Que a gente possa escrever por paixão. Essas coisas são importantes.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Não costumo escrever muito de manhã. Mas acordo, tomo café, banho, tento fazer exercício, resolver pendências, responder e-mails. Às vezes escrevo um pouco antes do almoço sob a pressão da fome que vem chegando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depois do almoço me sinto sonolento. Quando a escrita é urgente, faço um almoço mais curto, tomo um café, mas em geral não consigo fazer mais que juntar referências, anotações, resolver coisas burocráticas, ou então fazer alguma coisa que realmente exija minha atenção e suprima a sonolência, como resolver coisas na rua que precisam de movimento, ou dar aula, que sempre é uma coisa que me deixa desperto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito da época. Acho que sim, é preciso escrever todo dia. Hoje em dia todos escrevemos muito, né. Mas há momentos em que é preciso concentrar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nossa, sempre, né? É sempre uma questão começar. Mas acho que é isso, começo pelas notas, vou separando, selecionando, citações, comentários. Ir colocando as coisas no papel – no “papel”, né, na tela do computador. Mas sempre faço anotações no papel quando preciso, de qualquer jeito. Às vezes o computador me parece muito rígido e o papel pode dar uma fluidez, às vezes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas? Não sei. Não escrevo. Tem hora que não dá, a gente precisa ir pra outro lado, resolver outra coisa. Mas enfim, também é isso né, tem prazo, sei lá, parece que trabalhar é uma coisa que vem desde um lugar acima de mim. Não sei bem o que é, mas preciso. É o meu sustento, embora haja outras coisas que me sustentem também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nossa, muitas. Não sei. Às vezes não dá. Mas tento me organizar pra escrever de modo que haja bastante tempo pra revisar. Talvez seja a parte mais importante da escrita, onde ela realmente surge. Estamos sempre revisando, né? Nada que vai pro papel está surgindo pela primeira vez. Tudo já esteve sempre sendo digerido, sendo alimentado ali. Um corpo de escrita que vai se estabelecendo entre o nosso corpo e o papel. E ter leituras de amigos e colegas é fundamental. Nunca escrevemos sozinhos afinal.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ah, é tudo tecnologia, né?
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vem do mundo, não sei. Não sei se tenho ideias. Às vezes tenho. Mas em geral elas não vêm exatamente do trabalho. Ou vem desse trabalho que aparece de outra forma, né? Um trabalho que não é trabalho, uma outra coisa que tá acontecendo, um pensamento, alguma coisa que não está totalmente cooptada ali, alienada. Algo que é realmente meu, embora evidentemente não seja meu porque as ideias não tem dono né, são coisas que estão aí, que o pensamento vai pensando e a linguagem vai falando, ou não.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Fui ficando mais disciplinado, certamente, aprendendo a lidar com umas pressões meio intensas, que não sei se foram necessárias, mas vieram né. A gente vive muito sob pressão, acho que não precisa tanto isso. Seria bom ter um pouco mais de tranquilidade. Acho que antigamente eu escrevia com mais tranquilidade. Não sei se eu era mais jovem, ou o mundo estava mais tranquilo uns dez anos atrás, o Brasil, não sei. Vamos vendo o que vai acontecer, não é mesmo?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nossa, o mundo é muito grande, nem sei. Gosto de ser surpreendido. Não sei, gostaria de escrever mais e, ao que tudo indica, terei que continuar escrevendo. Então não sei, vamos ver o que vai ser possível fazer. Gostaria de ler um livro que resolve todos os problemas do mundo, mas acho que ele não vai existir hahahaha