Rodrigo Novaes de Almeida é escritor e editor, autor de “A clareira e a cidade” (2020).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Em minha rotina normal, dividindo a literatura com o trabalho de editor, costumo me dedicar a um único projeto por vez, anotando as ideias ou fragmentos em cadernos e depois tirando um tempo, normalmente nos fins de semana, para escrever no computador. A pandemia, que completou um ano, coincidiu com meu tratamento oncológico, e tal excepcionalidade me forçou a parar certos trabalhos de edição para fora e trouxe-me um sentido de urgência para escrever. Neste período, escrevi o meu primeiro romance, que penso publicar em 2022, e um novo livro de contos, ainda sem previsão de lançamento.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
A primeira versão do original do romance foi escrita em um mês, logo que descobri o câncer. Escrevi num fluxo contínuo e febril, sem planejamento. Mais tarde, já na quimioterapia, voltei ao original e trabalhei em cima dele metodicamente, reescrevendo trechos inteiros, cortando outros e acrescentando novos. Normalmente, com coletâneas de contos, anoto as ideias antes, deixo que amadureçam em minha cabeça e, ao sentar para escrever, já sei o que devo fazer (embora, na maioria das vezes, me surpreenda com os caminhos diferentes que a narrativa acaba tomando).
Primeira ou última frase, ambas são difíceis e importantes. Dedico-me especialmente a elas, reescrevendo-as inúmeras vezes até encontrar aquela que causará estupefação no leitor.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
O dia a dia de trabalhos mil não permitem que se tenha todos os dias algumas horas dedicadas à escrita, então é algo que tem que ser feito nas brechas de tempo, anotando aqui e ali alguma ideia ou passagens que surgem na cabeça durante o dia, para depois separar na agenda o tempo necessário para trabalhar aquele material sem ser incomodado.
Eu gosto muito do silêncio, não apenas para escrever ou ler, mas para a vida. O silêncio, nesse nosso mundo mal-educado e cada vez mais incivilizado, é raro e dou muito valor a ele. Costumo dizer que quanto mais uma pessoa produz barulho, menos ela é capaz de pensar. O barulho é um jeito que o idiota encontrou de disfarçar sua idiotia.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Eu não me preocupo nem um pouco em passar longos períodos sem escrever. Tenho mais coisas que gosto para fazer da vida. Se não estou escrevendo é porque não é o tempo. Prefiro escrever menos, escrever pouco, e ter o que dizer. Disto isto, o tratamento oncológico que faço há um ano me trouxe, desde o início, certo sentido de urgência. Ano passado lancei um livro de poesia, A clareira e a cidade (Editora Urutau, 2020), e escrevi um romance, cujo título provisório é Ensaio sobre a paisagem. Também estou terminando uma nova coletânea de contos, a primeira depois de Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie, que saiu pela Editora Patuá e foi finalista do Prêmio Jabuti em 2019.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Sem sombra de dúvida, que me deu trabalho foi o romance. Eu já havia feito tentativas de escrever um romance, todas frustradas. Muitas ideias viraram ótimos contos. Sou um contista, na verdade. Mas queria ter um romance e foi o que fiz nesse período de pandemia global. Espero que os leitores gostem. Quanto a um projeto que me orgulho é o livro de poesia. Sou um poeta bissexto e não pensava em publicar um livro neste gênero. Mas acabou acontecendo e a Editora Urutau fez um belíssimo trabalho de edição. Tenho orgulho desse livro e um carinho especial, até porque não sei se haverá outro um dia.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Meus temas recorrentes na literatura são a violência e a morte e várias histórias que escrevo são inspiradas em fatos reais. Escrevo para mim, sou meu leitor ideal, se existir meia dúzia de leitores como eu que se interessem pelo que escrevo, ótimo, caso contrário, azar o meu. Mas sempre tem alguém como nós para ler o que escrevemos. Tem leitor para todo mundo e para todos os gostos, até para quem segue manual de como escrever para Fulano ou Sicrano.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Sou casado com uma editora (Christiane Angelotti), então ela é minha primeira leitora. Sua leitura crítica é fundamental para o meu trabalho (e também sou leitor crítico do que ela escreve). Costumo passar para ela minha prosa. Poesia peço ao amigo e curador da Revista Gueto, Tito Leite. Foi ele quem insistiu comigo para que eu fizesse o livro de poesia pela Editora Urutau e é dele o posfácio do livro. Mas ele leu também, mais recentemente, o original do meu romance.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu me lembro de gostar de escrever desde criança. Depois na adolescência já guardava meus textos em pastas e mostrava para os amigos. Com a internet, vieram os blogues, e os aspirantes a escritores passaram a ter um canal próprio de divulgação de seus textos para leitores anônimos. Tudo o que escrevi naquela época joguei fora, mas serviu, certamente, de experiência para me tornar quem eu sou hoje.
Gostaria de desde cedo ter tido a manha de escrever menos e focar no que estava fazendo. Só fui descobrir isso mais velho, nos três anos que fiquei sem escrever entre os meus livros de contos Carnebruta (Editora Apicuri e Editora Oito e Meio, 2012) e Das pequenas corrupções cotidianas que nos levam à barbárie (Editora Patuá, 2018). Quando vejo um pessoal publicando livro todo ano, com pressa de emplacar algum em prêmio, como se estivesse jogando na loteria, acho um desperdício danado. Um desperdício danado de talento é o que mais se vê por aí.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Passei boa parte da juventude pensando que Dostoievski e Nietzsche haviam me influenciado. Aí outro dia descobri que esses caras foram as influências do Henry Miller, quando peguei alguns de seus livros na minha estante para reler, depois de décadas. Percebi então que Miller foi minha maior influência todos esses anos.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Não tenho recomentado livro algum. Aliás, não tenho falado com as pessoas. Estou em confinamento também das pessoas. Saio para ir ao hospital fazer exames e volto para casa. Neste período, estou relendo alguns autores. Henry Miller, como falei antes, O colosso de Marússia; Dostoieviski, Os irmãos Karamazovi; preciso terminar Guerra e paz do Tolstoi e Inferno, de Dante. E separei Carta sobre a felicidade, de Epicuro, e Sobre a brevidade da vida, de Sêneca, para reler agora que devo retomar meu tratamento oncológico nas próximas semanas. Recomendaria todos estes, clássicos. Dei uma pausa nas leituras dos contemporâneos, algo que vinha fazendo sem trégua nos últimos anos, até por conta do nosso trabalho com a Revista Gueto.