Rodrigo de Azevedo Weimer é doutor em História pela UFF
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não tinha uma rotina matinal quando escrevi meu doutorado. Frequentemente passava as manhãs a dormir, após madrugadas em função da tese. Como tinha bolsa, na época não-cumulativa com vínculo empregatício, eu passava os dias em casa e estava disponível para qualquer “fluxo de ideias” que pudesse ser proveitoso para meu trabalho. Não acho que esse método de trabalho indisciplinado seja adequado nem inadequado; depende muito da personalidade de cada um, de sua situação profissional e de como se coloca em relação à atividade de escrita. No meu atual emprego, sigo uma forma mais rotineira de trabalho: oito horas diárias, quarenta horas semanais. Tem funcionado e eu me adaptei a um cotidiano mais disciplinado. Ainda assim, não resisto a colocar no papel alguma ideia importante que tenha tido durante a noite ou o fim de semana, quando ela parece decisiva, quando temo “perdê-la”, quando volto para casa muito absorvido pelo pensamento em algum texto. Isso é motivo de certo estranhamento em meu colega de trabalho, Álvaro Klafke, que prefere circunscrever suas atividades em geral ao horário comercial.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
No doutorado, o horário mais proveitoso era entre as 22 horas e o amanhecer. Tomava chimarrão para aguentar o serão. Claro que isso não era saudável, e só pude trocar os dias pelas noites por um breve período, a fase final de redação. A longo prazo isso se tornaria deletério para minha saúde. Hoje em dia trabalho em horário comercial e tenho lá meus rituais: a hora de abrir o e-mail, a hora de conversar com os colegas, a hora de tomar café, a hora de fumar cigarro. Ainda que meu horário mais produtivo seja às madrugadas, o cotidiano de trabalho me levou a adaptar-me ao turno diurno.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não trabalho com metas. Estou ciente de que meu trabalho é inspiração e expiração. Tem dias que não sai nada, e eu evito tratar isso como uma frustração. Penso que meus neurônios estão trabalhando de forma latente e que esse trabalho “subterrâneo” irá ser compensado por uma escrita mais abundante posteriormente. Nessas ocasiões busco “me ocupar” com coisas referentes ao trabalho que eu esteja fazendo mas que não sejam propriamente a atividade de escrita que está me travando: formatar uma tabela ali, elaborar um organograma acolá, revisar partes anteriores do texto, digitar citações, fazer um banco de dados, elaborar um esquema de ideias à mão. Muitas vezes essas atividades, mais do que tomar minha atenção em um momento que não estou criativo, me inspiram a dar continuidade a partir do ponto em que havia empacado. E servem também para organizar o trabalho.
Eu tenho momentos em que escrevo em profusão. Geralmente muito, em grande quantidade. É o meu caso ao responder a essa entrevista… Escrevi toda de uma vez, mas revisei inúmeras vezes. É assim que funciono… É bom “adiantar” o serviço assim, mas também é necessário tomar muito cuidado para reler o trabalho e lapidar o texto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É difícil começar. Para mim, a maior dificuldade é encontrar a maneira correta de introduzir um assunto. Então invisto minha energia criativa em encontrar uma história, uma frase de efeito, uma narrativa que prenda a atenção dos leitores e sirva para dar início à minha argumentação. Frequentemente essas ideias introdutórias aparecem em momentos de semiconsciência: sonolência, sonhos, etc. Como na pergunta anterior, uma possibilidade é se deixar envolver por ideias e insights que temos durante atividades complementares à escrita, que aparecem como substitutivas em momentos de “branco” mas que na verdade são desencadeadoras do texto. Destaco que, mesmo que atividades assim pareçam secundárias, elas ajudam a nos organizar mentalmente para a escrita e ajudam um monte, porque tá tudo sistematizado quando se precisar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não procrastino. Faço tudo antecipadamente, por vezes muito antecipadamente, para ter tempo na gaveta para revisar, amadurecer, repensar. Brincava com meus amigos que eu não era “procrastinador”, e sim “precrastinador”. Eu faço tudo previamente. Nunca deixo para a última hora. Mas deixo na gaveta e só “solto” no último momento. Já perdi prazo de congresso porque o “último momento” passou e eu não me dei conta. E eu lá com o texto “prontinho” havia semanas…
Procuro confiar no meu taco, mas todo mundo está sujeito a inseguranças, né? Minha solução é terapia. Acho que todo mundo deveria fazer. Em especial acadêmicos. Uma coisa que me incomoda muito quando vejo uma turma mais jovem de estudiosos são os papa-Lattes. Nem tudo que se faz na Universidade vai parar no currículo. E, pelo amor de Deus, a vida de ninguém se resume ao trabalho. Tem que tomar cerveja com os amigos, tem que namorar, tem que falar besteira de vez em quando ao invés de discutir o autor ou falar do colega ou do professor, tem que se relacionar com pessoas de outras áreas. Ter uma vida própria é a melhor resposta à ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Milhares. Meu cacoete é esse, não é escrever de última hora, mas não conseguir parar de revisar. No doutorado, eu apresentava versões preliminares de alguns textos em eventos científicos, ou até os publicava. Era uma forma de obter feedback de pares mais experientes. Hoje, meu colega tem o hábito de pacientemente ler e comentar meus textos, e vice-versa. Sou muito grato a ele. Também temos Textos de Discussão na instituição onde trabalho, e esses textos são em geral versões muito preliminares e brutas de artigos mais elaborados. Mas ao apresentá-los como TD’s, temos a incrível oportunidade de debate interdisciplinar: dialogar com economistas, geógrafos, sociólogos, etc.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No computador. Mas faço muitos esquemas prévios de ideias, listas e anotações manualmente. Listas de tarefas por vezes ajudam, sem querermos, a estruturar o texto. No doutorado eu andava com bloquinho e caneta junto das minhas coisas para não “deixar escapar” nada que pudesse ser importante (ou não tão importante assim) nas diferentes ocasiões, desde uma caminhada no parque até uma noite de sono.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Puxa, não sei… Ler, estudar, conversar. Eu sou muito tributário das ideias que consigo “ler” em meus diálogos com meus entrevistados, porque eu faço pesquisa de história oral e para mim é importantíssimo o ponto de vista dos próprios protagonistas dos processos vividos.
Minha fonte maior de criatividade é a música, e manter o hábito de escutar e tocar um instrumento preenche o manancial de energia criativa. Ler literatura também é muito bom. É importante não se abitolar. Mas eu mesmo deveria fazer mais isso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Revise mais. Grandes volumes de texto escritos de uma só vez são importantes, mas eles não podem permanecer em estado bruto. Acho que hoje eu estou me esforçando para ser mais preciso e elegante na escrita, e creio que o resultado é positivo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
“Cousas futuras”, diria Machado.