Roberto Beltrão é jornalista e escritor, criador do site O Recife Assombrado.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não acordo nem muito cedo, nem muito tarde. Isso porque vou dormir quase sempre ali por perto da meia-noite. Aprecio meu café da manhã sem afobação e, em alguns dias da semana, faço uma hora de exercícios. Muitas vezes aproveito parte desse horário matinal para ler ou pesquisar. Quando não estou fazendo nada disso que enumerei, me ponho a escrever. Mas não sigo essa rotina nas manhãs de domingo: é preciso um tempo pra curtir o ócio.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Até posso escrever à noite, mas sempre produzo com mais facilidade durante o dia, principalmente pela manhã. Procuro manter o silêncio na casa para ouvir o que estou pensando. Às vezes desligo a internet do computador para evitar a tentação de ler e-mails, dar uma olhadinha naquele site ou rede social. Depois é só achar o encanto em se concentrar no texto. Nenhum trabalho fica bom sem a vontade de fazer o melhor possível – e esse desejo só vem de houver prazer nessa equação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito do que estou escrevendo. Se for um artigo, por exemplo, me imponho uma meta de entregar num prazo determinado e procuro cumprir à risca. Se for um roteiro para audiovisual é a mesma coisa: outros profissionais precisam ter o meu trabalho em mãos para começar o deles. Mas se estou escrevendo um conto não tenho pressa. Acho que o escritor deve tentar produzir todo dia, mas isso não pode ser uma meta rígida, para não se tornar um martírio e gerar frustração. Se naquele dia você não conseguir por no papel nem uma frase, não se renda à angústia. Respire fundo e se entregue a outros rituais que também fazem parte da criação literária. Antes de escrever, o autor de ficção precisa viver, contemplar o mundo, observar as pessoas, ouvir, fazer silêncio, ler.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de pesquisar bastante a respeito daquilo que pretendo escrever. Vasculho livros antigos, converso com pessoas que conhecem o assunto, faço uma varredura na internet. Quanto mais informações tenho sobre aquele personagem, lugar ou época que me interessa, mais fácil imaginar o argumento inicial de uma narrativa. E durante a produção do texto, a pesquisa não para. Ao longo da jornada, descubro sempre que existem detalhes obscuros que precisam ser esclarecidos. Então investigo mais e mais. O melhor é saber além do “necessário” sobre um tema: muitas coisas você não vai precisar usar no texto, mas conhece-las lhe dá segurança, domínio sobre aquele universo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Penso que se você tiver medo de não conseguir escrever, esse temor vai se apoderar da sua alma. Há dias nos quais a escrita vem tranquila, quase intuitiva, e há dias nos quais ela fica de mal com você, emburrada num canto da sala. Nessas situações não forço a barra. Procuro realimentar as ideias com um livro de poesias, por exemplo. E quando percebo que a ansiedade passou, volto a produzir em paz. Mas é necessário ficar atento ao demônio da procrastinação. Ele sempre te diz para deixar para amanhã, pois hoje é dia de preguiça. E o amanhã nunca chega. Então dê o primeiro passo hoje, mesmo que seja uma passada curta. Se a jornada for longa, é caminhando que se alcança o destino. Avalio que o segredo é não estabelecer um prazo de conclusão apertado demais ou esticado demais. É indispensável achar um ponto de equilíbrio.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Deixo a história vir, a abraço com muito carinho, permito que ela fale o que quiser, anoto tudo o que tem a dizer e depois vou lapidando – reescrevo, reescrevo, reescrevo, cem vezes se for necessário, até a história se cansar de mim. Aí passo a acreditar que o texto está pronto. Isso provavelmente é uma ilusão: um texto de ficção só está pronto quando o leitor o completa com os seus próprios pensamentos e ideia. E considero fundamental ouvir a opinião de outras pessoas sobre um trabalho antes de decidir publicar. Tem que ser alguém de confiança, que possa identificar as imprecisões e os pontos fracos sem condescendências, e fazer sugestões relevantes. Não é preciso acatar essas propostas sempre. Mas é bom refletir sobre elas, pois temos a tendência de achar que nossos textos não carecem de reparos e melhorias – isso nunca é verdade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só escrevo no computador. Escrever à mão pra mim não flui, as palavras ficam engasgadas. Se durante um passeio tenho uma ideia, registro num documento Word quando chego em casa e coloco o arquivo na “nuvem”. Às vezes uso o celular para fazer anotações. Amo a tecnologia. Rabiscar com a caneta, só em cheques ou bilhetes de amor.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A memória é sempre o ponto de partida. São as suas experiências que o movem a escrever ficção. As emoções dos personagens são suas. As situações que você vivencia ou testemunha constroem o enredo, formam as cenas no texto – mesmo que seja uma saga sobre a exploração de Marte e você nunca tenha deixado a Terra. Ouvir as histórias que outros te contam também é fundamental. São lembranças emprestadas que podem te inspirar a criar novas lembranças. Aquele velho “causo” engraçado de família pode virar um conto, embora se passando numa outra época e com um desfecho trágico. No mais é estudar com prazer: ler o máximo que puder (sejam os clássicos ou os contemporâneos, e também livros teóricos, sobre história, biografias, HQs), ver peças e filmes com um olhar atento, procurando algo mais que a simples fruição.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sem dúvida mudou bastante. Troquei a agonia para chegar à última linha pelo deleite de conviver com o texto. Hoje procuro mergulhar mais nas emoções descritas na história, imaginando como o leitor vai recebê-las. Acho que desperdicei algumas ideias boas em contos já publicados por não ouvir direito o que os personagens tinham a dizer. A mim mesmo aconselharia: seja escritor e não escrivão de cartório; não apenas registre a narrativa, dê significado a ela.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre haverá um projeto a ser iniciado. E são tantas possibilidades que nem sei terei tempo de esgotá-las. Mas é melhor ir domando uma fera de cada vez para não ser devorado dentro da jaula, acreditando que pode lidar com todos os bichos ao mesmo tempo. E espero me surpreender muito ao conhecer livros que numa imaginei que existissem.