Roberta Lahmeyer é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma natureza mais noturna. Preciso lutar muito para salvar as manhãs.
Quando acordo procuro conectar-me à realidade: ler o jornal que assino, três sites de notícias (dois nacionais e um estrangeiro); responder aos e-mails, às redes sociais. Além de cuidar das demandas da maternidade, da casa, etc.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto muito das madrugadas. Entretanto não há pontos fixos no tempo.
E não tenho propriamente um ritual de escrita, mas há sempre livros ao meu redor. Preciso da presença física deles.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Não necessariamente numa sequência organizada. Mas há sempre notas, ideias para livros futuros, observações sobre algo que li.
E, quando uma obra adquire corpo, os períodos concentrados de escrita ficam mais fortes e contínuos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O momento das notas é sempre caótico, dionisíaco. Um avançar muitas vezes impulsivo, outras hesitante, em direção ao desconhecido. Nunca sei se o que estou escrevendo terá força suficiente para continuar a avançar, ou se será abandonado (ao menos temporariamente).
Mas quando o texto se impõe, quando começa a adquirir forma, começa aí o trabalho de escrita. Não há mais possibilidade de recuo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como eu disse anteriormente, depois que o texto se impõe não há mais possibilidade de recuo. Não há procrastinação, mas sim um ritmo específico que precisa ser percebido e respeitado. E também não há (nesse momento) expectativas exteriores ao ato de criação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes e gosto dessa fase mais racional, mais apolínea, da criação. Gosto dessa relação com o texto. Posso ficar horas seguidas reescrevendo uma única página. E esse tempo de concentração me revela muitas coisas. É fundamental.
Antes de ser publicado, acho bom que o texto seja lido por uma outra pessoa, em quem confio muito, um excelente leitor. Com a opinião dele fico mais tranquila.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia ajuda na logística. Escrevo inicialmente no ipad que está conectado com o iphone. Tudo é salvo nos dois dispositivos de forma automática. Portanto, há a segurança de que o trabalho não será perdido. E também de que posso escrever em qualquer lugar (se necessário) através do celular.
Depois, quando o texto está mais adiantado, prefiro enviá-lo para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De onde vem as ideias? Interessante pensar sobre. Gosto de investigar o que não tem resposta. É precisamente porque não tem uma resposta que pode ter muitas.
Talvez elas venham da expectativa de: uma memória que conserve o passado no presente, ou um futuro que puxe e faça avançar. Mas sobretudo do fato de se manter a atenção fixada à vida. Aquilo que Henri Bergson chama de consciência, “o traço de união entre o que foi e o que será”.
O certo é que as ideias– que parecem vir da atenção à vida, da experiência de estar no mundo – sempre desdobram-se em outras ideias durante a escrita.
Quanto aos hábitos, não há um dia que eu não entre em contato com o universo criativo. Através dos livros (com grande prioridade), ou dos filmes, das artes visuais, da música. Para isso é preciso diminuir radicalmente o tempo das notícias excessivas e das redes sociais. Evitar ficar submersa em espaços virtuais coletivos, essa forma tão contemporânea de naufrágio.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que eu acho que está mais forte agora é minha capacidade de fazer uma leitura crítica sobre o que escrevo. Mas é preciso que haja um certo distanciamento. E o tempo ajuda nesse sentido.
Quanto à segunda pergunta, eu não mudaria nada. Queimaria os primeiros textos.
Ficaria novamente alguns anos lendo e escrevendo em silêncio; experiência fundamental para eu perceber a profundidade da minha relação com estes dois campos de força, leitura-escrita, e o quanto eles estão interligados. E publicar continuaria sendo a consequência desse processo. Que, de resto, ainda está a acontecer.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há muitas ideias e isso parece-me fundamental. Mas no momento estou concentrada num projeto, portanto, só consigo pensar nele.
E espero ser surpreendida por bons livros que ainda não existem.