Rita Carelli é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Antes de começarmos, algumas considerações: vou responder essa entrevista a partir da minha experiência de escrita do romance Terrapreta (ed. 34) afinal, minha produção literária anterior é quase exclusivamente dedicada ao público infantil – e a diferença entre escrever para crianças e um romance adulto é a mesma entre correr uma prova de 100 metros e uma maratona. Um romance é fruto de um trabalho a longo termo, e exige muito fôlego e disciplina – além de um bom condicionamento físico.
Para começar o dia, antes de tudo, café preto puro!
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, sem dúvida nenhuma. Enquanto escrevia meu livro, depois de tomar café e fazer um alongamento ligeiro sentava logo para escrever. Podemos dizer que meu ritual era tentar não deixar nenhuma questão prática do dia a dia me roubar as melhores horas de trabalho – as três primeiras do dia.
Evitava até olhar o celular antes de começar a escrever. Sempre que possível – e algumas vezes quando não era possível também – deixava toda o resto da vida em stand by até o finzinho da manhã.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Aprendi que para avançar no romance precisava pelo menos de quatro horas de trabalho diário. Sendo que apenas três eram de fato produtivas (num dia bom!). Pra começar, em geral é preciso reler algumas coisas, retomar o pé. Depois de umas três horas de fato empenhada na tarefa, minha cuca começa a fundir. É assim mesmo: começa a sair fumaça por cada um dos buracos da minha cabeça. É quando sei que preciso levantar, me esticar, sair pra caminhar ou correr, podar uma planta do jardim, fazer o almoço… Minha meta de escrita era escrever, TODO DIA (talvez com uma folga por semana), pelo menos 10 linhas e até 3 páginas. Quem me sugeriu essa meta mínima foi o escritor e amigo José Luis Peixoto e, no começo do livro, até me cobrava a tarefa diária. E três páginas decentes acho que foi o máximo que consegui escrever nos anos que o romance durou, então achei por bem colocar como um teto diário saudável. Percebi que era até bom terminar o dia de trabalho com vontade de escrever um pouco mais: facilitava muito o inicio da labuta no dia seguinte.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Vixe, essa talvez seja a pergunta mais difícil até agora e merece uma resposta sincerona: levei, na verdade, uns 20 anos para escrever Terrapreta. Comecei com passagens que escrevi aos 14, 15 e 16 anos de idade (e confesso que algumas delas são as melhores). Claro, não sabia ainda que estava escrevendo um livro. Aos 19 anos fiz um lindo diário de viagem quando fui ao Xingu. (de novo, ainda não era livro, mas serviu como uma base importante). Depois que decidi começar… comecei e parei inúmeras vezes.
Quatro anos atrás comecei de vez! Depois engravidei. Parei. Tive uma filha. Meu cérebro amoleceu e não conseguia ler nem 3 linhas seguidas. (Quem já passou por isso sabe como é). Aí, minha filha cresceu um pouco e, finalmente, me agarrei com o texto até parir o livro. Ufa! Vale dizer que esse é um romance muito pessoal, baseado em experiências de vida concretas – embora muito ficcional. Claro tem pesquisa também, mas ela foi polvilhando o processo de escrita ao longo dele todo, puxada pelos fios da memória, checando informações.
Bem, assim foi meu romance de estreia, quem sabe o próximo como será?
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando a mula empaca de vez vou cuidar das plantas, elas me animam. Vou fazer comida, gosto. Faço coisas com as minhas mãos – mas que engajam o resto do corpo também. E caminho. Ando e vou me aproximando de novo do texto, devagarinho, só em pensamento. Tendo olhar pra ele em perspectiva e levantar a vista daquele pedaço pedregoso da estrada. O medo? É companheiro de jornada. Melhor é dar a mão e seguir adiante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mil? Cem mil vezes? Nem sei, perdi a conta. Mostro para outras pessoas claro, afinal, enquanto escrevemos não temos muita ideia de como o texto se comporta fora de nós. Também deixo ele descansar entre uma releitura e outra. É só quando começo a colocar virgulas exatamente nos mesmos lugares onde eu as havia suprimido é que me obrigo a parar: chega!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Notas, diários, pesquisa e pequenas coisas soltas sempre a mão. Primeiros rascunhos já nas teclas. Difícil mexer as coisas pra lá e pra cá no papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm da vida, dos encontros, das viagens. Da mulher sentada ao lado no café que olha para os lados de determinada maneira, do cachorro na parada de ónibus que rói a ponta do pão sem que o velho note… As vezes de outros livros. Tento manter os olhos e os ouvidos abertos, e registrar as emoções que estou sentido mesmo nas situações adversas. Além de ler sempre, claro. Ver filmes, ouvir música. Como diz Ariane Mnouchkine, enorme diretora teatral: “a imaginação é um músculo que se trabalha”.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sou marinheira de primeira viagem então meus votos são futuros: quero escrever com menos sofrimento (será que dá?), ter mais constância e disciplina, além de mais confiança no livro que estou gestando. Eles sabem mais do que a gente pensa. E nunca abandonar as atividades físicas, mesmo nos momentos mais produtivos da escrita. Depois dá ruim, as costas travam e lá vem uma semana de prejuízo. Também é preciso saber parar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Espero que vocês o encontrem nas estantes de uma livraria ou biblioteca dia desses, por enquanto não se desvela o feto. Quanto a segunda pergunta, fico com todos os livros que existem e que ainda quero ler!